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Outras ideias com Bruna Leonardo

Fortalecida, Bruna enfrenta o preconceito (Foto: Marcelo Ribeiro)
Fortalecida, Bruna enfrenta o preconceito (Foto: Marcelo Ribeiro)
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Vencidas algumas batalhas, Bruna Leonardo Mesquita da Silva luta, hoje, para que todos passem a lhe chamar pelo nome que escolheu e pelo qual todos que lhe conhecem não hesitam em falar. No Dia Internacional da Mulher, Bruna conta que, para assumir o artigo feminino, é preciso, apenas, reconhecer-se assim. Ser reconhecida é consequência, ainda que custosa e lenta. “O nome de registro me pertence, meus pais escolheram, mas eu era um bebê. Hoje sou uma mulher e não me identifico mais com ele”, diz, referindo-se à Bruno, como está nos papéis que há quatro anos tenta alterar. Integrante do coletivo LGBT Duas Cabeças e do grupo VisiTrans, Bruna e seus amigos acabam de conquistar o reconhecimento de seus nomes sociais pela UFJF, que deverá tratar estudantes e servidores pela forma que mais lhe agradam, o que já é realidade no Sistema Único de Saúde (SUS), através do cartão do usuário, o qual Bruna exibe com orgulho. Assim, aos poucos, a mulher de unhas pintadas, voz baixa e longos cabelos cacheados vai se recompondo dos cruéis e duradouros anos em que, para existir da forma que acreditava, era preciso estar à sombra.

Vida escondida

“A violência verbal é cruel”, diz ela, aos 34 anos, ao lado de sua cadela Valentina e da cachorra Laura, de sua irmã, com quem divide a casa, ao lado do pai e da mãe. Por muitos anos, o quarto foi seu único refúgio. “Sentia vergonha do meu corpo, mas a ficha caiu aos 14 anos. Nesse momento, não me via como gay, mas como uma mulher”, conta. “O preconceito sempre me incomodou. E não era só na escola, mas na rua, no ônibus, em todos os lugares. Por isso, acabei me isolando do convívio social”, recorda-se. “Fugia dos estereótipos exigidos pelo mercado de trabalho e não conseguia emprego. Fui trabalhar com meu pai, em supermercados, entrando em depósitos, num ambiente muito masculino, e ouvia muitas piadinhas. Aquilo acabou com minha autoestima.” Sem dizer abertamente dentro de casa sobre sua transexualidade, Bruna vivia o estranhamento em casa, mas não esmorecia. “Não queria me travestir. Seria muito difícil ter que me desmontar depois, seria mais sofrido. Queria uma mudança corporal.”

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Cirurgia dolorosa

No fim de 2005, quando soube que o processo transexualizador era oferecido pelo SUS, ela começou sua saga. A primeira parada foi no Movimento Gay de Minas (MGM), onde começou a fazer terapia e a encontrar amigos. Foi então que resolveu revelar à mãe, ganhando mais uma aliada. Dois anos depois, Bruna começou a fazer acompanhamento psiquiátrico, no Hospital Universitário Pedro Ernesto, em Vila Isabel, Zona Norte do Rio de Janeiro. Ao conseguir o diagnóstico oficial de transexual, em 2009, ela entrou com um processo na Defensoria Pública do Estado solicitando o fornecimento gratuito de seu tratamento hormonal. “Fui a primeira transexual de Minas Gerais a conquistar isso”, orgulha-se ela, que em 25 de janeiro de 2013 entrou na sala de cirurgia.

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Sem se calar

Quando adentrou o hospital, onde permaneceu por dez dias, Bruna tinha o rosto liso, mas logo os pelos surgiram. Sem rendimentos, reclusa, e com uma barba que crescia em ritmo acelerado e com uma alergia que lhe impedia de raspar a pele todos os dias, ela se via impedida de “adequar sua imagem à sua identidade de gênero”. Aquela aparência lhe fazia esconder-se ainda mais e, quando saía, forçava-lhe a usar roupas masculinas. O drama, que lhe rendeu uma depressão profunda, também lhe deu forças. “Se o SUS já reconhece o processo transexualizador como direito à saúde, todos os procedimentos que deveriam estar incluídos precisam ser oferecidos”, diz a mulher de 1,80m de altura, que procurou a Defensoria da União para receber a depilação definitiva, ganhou, mas a Prefeitura recorreu, e a conquista só se deu após a operação. “A cada dia, estou mais em paz com meu corpo, minha imagem”, sorri ela. Após nossa conversa, fico com a impressão de que Bruna, em toda a sua ternura, prepara o mundo para que, assim, possa sair de casa sem temor, vivendo o mundo de maneira plena.

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