Num caderno de cultura, diariamente lidamos com artistas de diferentes personalidades, dos veteranos e bem-sucedidos aos mais crus e descontentes. Em comum, uma paixão. O que define, então, um artista? Ronaldo Gray de Souza Leal, com seus 37 anos, 20 deles dedicados à música, me aponta um caminho. A entrega e a certeza de que vale a pena são a força motriz de sua engrenagem. Há oito anos, ele segue para o Centro de Juiz de Fora, carregando um violão, uma pequena caixa de som, alguns discos e uma caixinha com a inscrição “valorize meu talento”. Ronaldo Leal, o cantor sertanejo que às terças e sextas faz do Parque Halfeld seu palco (a partir das 17h), diante do prédio da Funalfa, aguarda, com ansiedade, o dia em que transeuntes desatentos agradecerão pelo tempo em que ele dedica a tocar a sensibilidade daqueles que lhe cruzam o caminho.
Nascido no Rio de Janeiro, chegou à cidade ainda com 5 anos, acompanhado pela mãe, empregada doméstica, o padrasto, faxineiro, e o irmão, atualmente desempregado. O dinheiro escasso permitiu-lhe estudar até a oitava série e obrigou-lhe a trabalhar aos 12 anos como zelador. Após se dedicar aos ofícios de entregador e montador de móveis e depois de alugar, por sete anos, o próprio videogame, Ronaldo decidiu assumir o dom que descobriu na adolescência. “Via os outros cantarem, tocarem, e achava legal. Me falavam que não era fácil, mas eu via e achava que fosse. Com 18 anos, comprei um violão e livros de método. Nunca paguei uma aula para aprender. Via cantores tocando, e trocava experiência, até saber o que sei hoje”, conta ele, sentado em sua caixa de som, após duas horas de um “show público”.
Negativa dos bares
Quando decidiu-se pelo violão, o morador do Bairro Santo Antônio apostava que seria mais fácil. Ledo engano. “É difícil dono de bar querer pagar alguma coisa e dar oportunidade. Cobro pouco, e eles acham que é muito. Às vezes, querem só pagar a corda do meu violão. Assim não dá”, reclama o cantor com sua carteira de músico profissional. “Ganhar dinheiro é raro, mas tento. Tem dias que não tem ninguém para dar atenção, tem dias que canto para as paredes, e não ganho nada, ou o que ganho não paga nem as despesas do dia, nem um salgado e nem um suco. Ralar eu ralo como sempre. Tem hora que é estressante. Na maioria das vezes, as pessoas dão umas moedinhas, uns R$ 0,30, R$ 0,50 ou R$ 1. Uma vez ou outra, caem R$ 2. Dificilmente caem R$ 10. Uma vez na vida e outra na morte, caem R$ 20. Para por aí”, completa.
À espera
Como diz, a música é seu sustento, mas nem tanto. “Hoje mexo só com isso, mas viver não. Faço uma viração por aí e, com uns bicos, dá para ganhar salário mínimo”, conta. Além disso, é preciso encarar a solidão que as ruas lhe impõem. “Às vezes aparecem umas pessoas que não são bons sujeitos. Também já fui xingado, sem fazer nada de errado. Alguns falam que meu CD é horrível. Isso é preconceito, né?!”, diz. “Ninguém dá oportunidade, só promessas. Tem dias que ando por aí e não encontro nada. Dizem para eu deixar meu telefone e não ligam nunca”, emociona-se. E Ronaldo também aguarda outra coisa. “Nunca fui casado e nunca tive namorada. Infelizmente, nunca apareceu uma do tipo que gosto”, afirma. E qual é seu tipo? “Uma mulher que seja trabalhadeira, fiel a Deus, boa, o que é muito difícil de encontrar. Elas pensam em carro e dinheiro, mas não tenho. Já perdi algumas por isso. Elas querem um cantor que tenha valor e sucesso”, comenta.
Reis e príncipes
Com cinco CDs lançados – “Acústico”, “Volume 1”, “Volume 2 “, “Volume 3” e “Volume 4” -, todos produzidos e gravados no pequeno cômodo de sua casa onde fez seu estúdio, Ronaldo conta já ter vendido mais de 1.500 exemplares. “Faço tudo sozinho. Eu mesmo conserto meu violão e os aparelhos. Não é muito bom fazer isso, porque o certo é pagar um profissional de alto nível para gravar um bom CD. Meus discos têm qualidade, mas para fazer melhor tem que ter dinheiro. Ainda assim, até fora do Brasil tem um pouquinho de pessoas que me conhecem. Às vezes passa um gringo aqui e leva para lá. Pelo menos dois na Itália eu sei que tenho”, gaba-se. Nas ruas, os quatro primeiros custam R$ 10 e o último, R$ 12. Autorais, apenas quatro canções, o restante são regravações. “Meus ídolos são o Zezé de Camargo e o Luciano, os reis da música sertaneja. Meus príncipes são Chitãozinho e Xororó. Gosto do Leonardo também e do Bruno e Marrone”, enumera. Com seu gel nos cabelos, camisa cinza e colete preto, Ronaldo recorda-se das muitas humilhações que seus preferidos enfrentaram. E isso lhe dá ânimo para acreditar que dias melhores virão. “Muitos começam e desistem. Uma vez ou outra passa pela cabeça desistir, mas nasci para fazer isso”, garante. Pimba! Acreditar: isso define, de alguma forma, um artista e acende os holofotes.