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‘Los românticos experience’ estreia com homenagem a Torquato Neto

Los românticos experience
Los românticos experience
André Monteiro, Bruno Tuler e Edmon Neto formam Los Românticos Experience (Foto: Edmon Neto/Divulgação)
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A obra de um artista multifacetado e vanguardista não tem limites geográficos, temporais e, inclusive, criativos. Em 10 de novembro, completam-se 49 anos da morte de Torquato Neto. Suas letras continuam sendo revisitadas e abrem caminhos para diferentes versões e arranjos. Cada artista acaba somando à composição sua própria estética, e os caminhos são vários. A banda “Los românticos experience” faz sua estreia na terça-feira (9) com uma versão de “Todo dia é dia D”, letra de Torquato com Carlos Pinto, com clipe no YouTube. A própria formação da banda parece seguir o paradoxo do artista homenageado: André Monteiro nos vocais e no teclado, Bruno Tuler no baixo e Edmon Neto na bateria, os três investindo em instrumentos com os quais, antes, não tinham intimidade. Mas foram descobrindo juntos os novos sons, em ensaios que eles falam que duram quase 5 horas. “O resultado vem sendo uma fusão de rock progressivo, punk rock, tropicalismos, pós-tropicalismos, pegadas de jazz, coloridos psicodélicos e outros baratos afins”, diz André, também poeta e professor universitário. Outra afinidade com o ‘Escorpião’ é que os três também flertam com as literaturas e as letras. É o todo em muitas coisas, misturado, um caos entrelaçado.

Tribuna – Como surgiu a ideia de estrear a banda com o lançamento de uma música do Torquato?

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André Monteiro – Um dia, improvisando no nosso ensaio, comecei a tocar e cantar, de forma despretensiosa, “Todo dia é dia D”. Eu estava meio bêbado e me lembro que toquei e cantei a canção meio fora da melodia e da harmonia originais. Edmon e Bruno se encantaram por ela e começamos a trabalhá-la com certa seriedade (e, aqui, como diria Oswald de Andrade, não é recomendável confundir seriedade com sisudez). O arranjo foi crescendo e sendo reelaborado a cada ensaio. Sem desrespeitar a estrutura básica da canção (letra e melodia), começamos a desenhar sobre ela novas camadas de harmonias, melodias, ritmos, arranjos vocais e vários tipos de timbres. A canção acabou se tornando, para nossa alegria, um dos trabalhos mais bem elaborados do nosso repertório. Como, há pouco tempo, começamos a preparar um EP com quatro músicas e o aniversário do Torquato se aproximava, propus ao grupo que lançássemos, antes do EP propriamente dito, um single com a canção “Todo dia é dia D”. Todo mundo achou a ideia bem oportuna. Não necessariamente, oportunista (risos). Na realidade, o experimentalismo que marcou a trajetória de Torquato tem tudo a ver com a proposta ética, estética e musical da banda.

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Gilberto Gil gravou uma versão dessa mesma letra, mas chega a parecer que são coisas totalmente diferentes. No arranjo já está inserido o que será o Los Românticos Experience?

O nosso arranjo, eu diria, tem mais a ver com as janelas e aberturas estéticas e existenciais que a obra multifacetada do Torquato possibilita. É uma leitura menos assombrada pelo “poeta suicida” (o “escorpião encravado na sua própria ferida”) e mais dinamizada pelo lado ativo e solar do poeta. O poeta incentivador e entusiasta dos experimentalismos. O poeta que nos convidava ao berro e ao risco de atravessar os perigos da vida. Ou, em suas próprias palavras, “…quem não se arrisca não pode berrar. (…) leve um homem e um boi ao matadouro. o que berrar mais na hora do perigo é o homem, nem que seja o boi”. Creio que nesse arranjo, não está inserido “o que será”, mas o que já vem sendo a busca do nosso trabalho. O experimentalismo, que marca a trajetória multifacetada de Torquato, dialoga, diretamente, com as pretensões estéticas e éticas presentes em Los Românticos Experience.

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(Foto: Edmon Neto/Divulgação)

O que tem de caótico em vocês? E o que tem de caótico em Torquato? É possível fazer essa ligação?

Torquato é um poeta que, como ele mesmo dizia, habitava o “Caos tenebroso da semântica”. Isso não significa que ele não tivesse uma preocupação com a carpintaria da palavra. Muito ao contrário: ele buscava dar forma ao “informe”, ao invisível, ao indizível dos signos. Ele buscava, talvez, não um fazer sentido para o leitor, mas convidá-lo a inventar sentidos ainda não inscritos nos códigos fechados da cultura. Essa é, também, creio, a nossa busca. Aliás, entendemos que toda invenção artística (no sentido forte) parte de uma mistura caótica. Parte de um acontecimento tempestuoso e inusitado. Algo que nos promete tirar do já dito e do já pensado. Essa caotização nada tem a ver com descuido ou desleixo. Ao contrário, trata-se de achar formas para traduzir esses “estados inéditos”. Guiar-se por um rigor vital através do qual o caos e a ordem se beijam e se abraçam. Não se trata de fazer uma apologia da desordem absoluta, mas inventar algo situável no limite tênue entre o acerto das linguagens e o direito de errá-las.

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De que forma a tradução do nome está presente nas músicas e em vocês – tanto do “românticos” quanto do “experience”?

Somos românticos (Los Românticos – dito propositalmente assim mesmo: em uma espécie de “portunhol sentimental”) porque somos “amadores”. O termo amador, aqui, não é sinônimo de falta de cuidado formal ou ausência de qualquer despretensão técnica. Somos amadores porque fazemos música por amor. Mais do que um amor pela música em si, amamos nos encontrar e brincar juntos de inventar sons. Nosso romantismo é o romantismo de quem se entrega a um processo de busca apaixonada por algum acontecimento situado num constante devir plural e, na melhor das hipóteses, singular. Juntos, como diria o poeta Oswald de Andrade, nos entregamos à “alegria dos que não sabem e descobrem”. Já o termo “experience”, além de ser uma referência direta à famosa banda britânica de Jimi Hendrix (The Jimi Hendrix Experience), traduz também a vocação “experimental” da banda, se levarmos em conta a própria etimologia de “experiência”, palavra grega nascida da junção de “ex” (movimento para fora) e “peras” (limite). Fazer uma experiência, desse modo, é colocar em ação uma tentativa de sair dos limites. Ou, no mínimo, ampliar limites. Abrir-se ao desconhecido e a uma “caotização” dos sentidos e da sensibilidade.

Para finalizar, o que você falaria sobre quem foi o Torquato e a importância dele para os artistas de agora?

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A vida do signo Torquato é grande demais. Por isso, talvez, ela tenha saído das bordas: trans-bordado. Quando leio o signo Torquato, tenho ímpetos de produzir lançamentos. Sair de casa, tomar um porre, ou simplesmente abrir a janela, como quem abre uma paisagem que espia a vida. Olhar para Torquato é olhar para o fogo e isso nos exige uma atenção, uma reflexão capaz de inventar imagens diante de uma imagem que não se deixa congelar. Como ele dizia em uma passagem de seus diários, “você olha nos meus olhos e não vê nada: pois é assim mesmo que eu quero ser olhado. É assim mesmo que eu quero que você não entenda”. A autenticidade profunda do artista-pensador Torquato consiste em experimentar, entre nós, de modo radical, seu humanismo em crise: o homem “na medida do impossível”.

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