O dia 14 de junho de 2017 ficou marcado na história cultural de Juiz de Fora como o do fechamento do Cinearte Palace, o último cinema de rua que ainda resistia na cidade. Na ocasião, centenas de pessoas compareceram às derradeiras sessões das duas salas do complexo, que exibiam as produções do Festival Varilux de Cinema Francês e o blockbuster “Mulher-Maravilha”, tanto para se sentir testemunhas de um momento marcante quanto para tentar um derradeiro movimento pela preservação do espaço – o que acabou não se concretizando. Estes momentos finais do encerramento das atividades do local após sua reabertura, em 1999, após 15 anos fechado, são o tema do documentário “O último cinema: Vestígios de uma memória audiovisual”, que terá sua estreia nesta sexta-feira (10), às 20h, no Mamm.
A produção tem direção de Adriano Medeiros e Wilton Araújo e é resultado de um esforço da dupla para não deixar passar em branco a ocasião, tanto que por este motivo eles preferiram abrir mão de tentar qualquer tipo de incentivo cultural e produzir com recursos próprios, devido à urgência da questão. Segundo Adriano, um documentário sobre o Palace já era algo discutido entre os dois, mas que precisou ser adiantado com a notícia, em maio, de que o espaço seria fechado no mês seguinte. “A ideia inicial era algo visualizando não apenas o Cinearte Palace, mas também os aspectos do cinema de rua. Aqui em Ouro Preto estamos mobilizados pelo restabelecimento do Cine-Teatro Vila Rica, e isso era algo que dialogava muito com a questão do Palace”, explica Adriano, acrescentando que via no equipamento cultural juiz-forano mais que um espaço para quem faz cinema. “Era um local de entretenimento, de formação, diálogo, em que nos reuníamos para um café e para discutir sobre cinema.”
Corrida contra o tempo
O anúncio do fechamento fez com que a produção saísse do campo das ideias e tomasse processo acelerado, com as filmagens durando cerca de um mês, entre maio e junho. Antes, eles realizaram um trabalho de pesquisa para ter um roteiro inicial, e para isso puderam contar com o apoio do próprio Palace, que deu acesso aos diretores a um acervo com inúmeras fotografias, releases e reportagens sobre o cinema desde sua reabertura.
Durante o período, foram registradas imagens do cinema em suas semanas derradeiras, dentro e fora das salas, como também no dia de suas últimas sessões, além da parte mais dolorosa: o desmanche das cadeiras das salas de projeção e a retirada dos equipamentos. Tudo entremeado por cenas externas e depoimentos de antigos frequentadores, funcionários do Palace e pessoas envolvidas no movimento pela salvação do complexo. “Buscamos a perspectiva e o sentimento dos frequentadores, cinéfilos, da equipe do cinema, para entender o que representava para eles o fim desse equipamento cultural”, explica Adriano.
“Vimos nessa produção duas possibilidades de discurso”, acrescenta. “Uma é o fato de o equipamento já estar desmontado, não ter como voltar, e outra é pensar como esse momento de término pode fazer as pessoas discutirem a respeito do que aconteceu e como o poder público pode ajudar a evitar que essas coisas se repitam.”
A beleza que vem da tristeza
Outro frequetador assíduo do Palace, Wilton Araújo lembra que os depoimentos – que, ao não mostrar os rostos de seus autores, servem como elemento narrativo das imagens dos 15 minutos de documentário – foram obtidos nas semanas anteriores ao fechamento do Palace e também no calor do momento, no dia das últimas sessões. “As entrevistas eram conduzidas por eles mesmos, a partir de seus depoimentos, memórias, alguns até se emocionaram a ponto de chorar”, relembra. “O que fizemos ali foi cinema verdade; registrávamos o momento, retratando a verdade nua e crua, acontecendo na nossa frente.”
No final do documentário, as câmeras registram o momento em que funcionários desmontam as poltronas do cinema, ao mesmo tempo em que uma das pessoas entrevistadas ainda mostra sua fé em que o Palace seja reaberto. “Procuramos sempre a melhor imagem na edição, e é um negócio muito estranho você mostrar essa beleza a partir de um momento triste. É algo ambíguo, pois com a câmera buscamos a criatividade da imagem, o melhor enquadramento, plano, imaginar a visão do espectador. Confesso que nos primeiros cortes comecei a sentir uma tristeza.”
Sem esperar por milagres
Sem o Palace, Adriano continua a frequentar outras salas quando vem a Juiz de Fora. Mas diz que sempre vai carregar na memória os festivais que acompanhou no espaço, assim como as produções que ele e outros realizaram utilizando o espaço. “O Palace como sala de cinema tem uma representatividade enorme para mim. Mesmo tendo uma outra função econômica hoje, aquele equipamento ainda é importante pra minha memória”, afirma Adriano, que se lembra, na adolescência, do fechamento do Cine Veneza. “Nos meses derradeiros, havia filas enormes, com o pessoal indo assistir a ‘Titanic’, e que as últimas sessões foram de “A espera de um milagre”. Pensava na ocasião se não poderia ter feito algo para evitar o fim, mas o fato é que naquele momento não conseguimos desenvolver nenhuma atividade. Já no caso do Palace houve um engajamento político e cultural que nos ajudou a refletir sobre como esse cinema pode ir além do entretenimento. Não podemos apenas esperar por um milagre.”