A pandemia – ela, sempre ela, mais uma vez – despertou nos últimos 18 meses uma série de sentimentos que são compartilhados por muitos, mas, no final, o que nos marca é a solidão e a percepção individuais de cada um aos momentos vividos, sejam detalhes – pequenos ou grandes – que passavam despercebidos na correria cotidiana. E é a partir da (re)descoberta de sentimentos, sons, texturas e angústias, da necessidade de nos sentirmos pertencendo a algo, que a diretora estreante Isabela Heluey propõe ao espectador “olhar para o mundo através do olhar de dentro” no curta-metragem “Percebo”, que desde 26 de agosto está disponível no canal “A casa”, no YouTube, dentre os 21 selecionados para o festival Da Casa em Casa, mostra de filmes sobre a quarentena.
Até 10 de novembro, o público poderá dar seus likes para cada produção no YouTube e no Instagram (@a_casa_producoes). Os nove filmes com maior engajamento passam para a fase final, em que um júri especializado escolherá a melhor produção. “Percebo” também foi selecionado para a 12ª edição do Festival Nacional Cawcine, que tem início na próxima sexta-feira (10). O curta concorre em três categorias: melhor projeto audiovisual, melhor projeto em pandemia e direção.
Sete atos solitários
Com 16 minutos de duração, “Percebo” foi filmado em março com o apoio da Lei Aldir Blanc de Minas Gerais e tem no elenco Mia Mozart e Samir Hauaji. A trilha sonora é de Mikael Gomes, enquanto Rodrigo Ferreira é o diretor de fotografia e assina o roteiro com Isabela, que criou o argumento da história a partir de outro projeto: ela conta que foi selecionada pelo edital do projeto Na Nuvem, da Funalfa, para fazer uma exposição virtual, homônima ao filme, que segue disponível no link behance.net/gallery/107376147/Percebo.
“Eu moro perto do Morro do Cristo e passei a perceber o barulho do trem, apesar da linha férrea estar longe da minha casa. Quando comentei, todos disseram que sempre deu para ouvir, eu que não tinha notado. Foi então que passei a perceber outros sons, detalhes, silêncios, e resolvi fazer a exposição não apenas sobre meus sentimentos, mas também sobre minhas percepções.”
Esse processo rendeu sete obras, que, além da exposição virtual, se tornaram uma ação beneficente quando Isabela as colocou em leilão e doou o valor arrecadado para a Sopa dos Pobres. Foi nesse período que ela conheceu Rodrigo Ferreira, que a ajudou a escrever o roteiro. O projeto foi aprovado no início do ano no edital da Lei Aldir Blanc de Minas Gerais.
O curta-metragem ganhou sete atos, inspirados nas pinturas e com os mesmos títulos: “Olhos”, “Show de Truman”, “Solidão”, “Camuflagem”, “Pertencer”, “Sufocamento” e “O som ao redor”, que sintetizam como a diretora passou a perceber o mundo de outra forma. “Acho que esse barulho externo impede as pessoas de entender algumas coisas que estão acontecendo. Passei por um retiro espiritual em 2015 em que precisei fazer um voto de silêncio, e passei a perceber muito mais os sons; isso voltou com o início da pandemia, passei a tomar consciência de coisas que estavam ao meu redor por ter de ficar em casa”, diz. “Quando tudo estava barulhento, eu não ouvia muita coisa, estávamos muito estimulados pelo excesso de informação, e isso mudou quando tudo parou e veio o silêncio. O início da pandemia foi intenso e criativo, foi como se o mundo tivesse dado uma alterada no movimento, mas hoje passou a ser maçante, é mais difícil criar algo ligado à pandemia.”
Outra questão que mudou para a jovem diretora foi sua visão quanto à solidão. “Moro com minha família, mas estar só nunca dependeu de estar com outras pessoas, percebi isso com a pandemia. O momento em que estive mais só foi justamente nessa rotina de estar com outras pessoas. A partir do momento em que me vi sozinha fisicamente, passei a me entender melhor. Foi um processo de autoconhecimento muito profundo, estar sozinha ajuda a entender as outras camadas da solidão”, filosofa.
Sombria e empaticamente unidos
Com a produção do curta, Isabela teve a oportunidade de poder retomar um pouco da normalidade quando precisou se unir com elenco e equipe de produção para as filmagens, uma experiência que ela considera “incrível”. “Foi muito interessante não só por encontrar outras pessoas, mas também por ver uma coisa tão pessoal ser traduzida por outros, como o filme afeta o mundo por meio desses artistas, que traduziram a história como entenderam. Por isso digo que ‘Percebo’ não é um filme apenas meu, mas de todos que participaram, pois ninguém faz nada sozinho; e é sobre todos nós, num momento que nos une de uma forma sombria, mas, ao mesmo tempo, empática.”