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Romântico e voyeur

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Existia ali um silêncio de ruínas. Nada mais estava para acontecer, mas faltava o desfecho. A destruição total, presume Ramón Brandão. Foi esse o clima encontrado pelo artista plástico na sua primeira visita a um ferro-velho. As incursões ao mundo dos carros abandonados, iniciadas anos atrás, não foram motivadas pela busca de imagens. Ele queria apenas ouvir aquela falta de sons. É o desvão do tempo, reflete, interessado em conhecer os fatos ocorridos antes da quietude. Daí para o interesse por automóveis luxuosos batidos foi um pulo. Um desdobramento natural. Em sua exposição Não pare na pista, o artista apresenta telas de grande porte, com diferentes referências a uma das paixões nacionais. O lançamento aconteceu ontem na Galeria Renato de Almeida do Centro Cultural Pró-Música/UFJF.

Ramón vê em si mesmo um lado romântico e outro voyeur. Para ele, uma forte característica da atualidade é o desejo mórbido de olhar acidentes. Não me excluo disso, admite, concluindo que, na verdade, o homem sempre se inclinou para as tragédias. Tanto é que inúmeros desenhos e pinturas retratam o naufrágio do Titanic, por exemplo. O que há de diferente hoje são ferramentas para facilitar o acesso. A curiosidade de Brandão, que vasculhou sites, revistas e filmes, ajudou-o a reunir mentalmente fragmentos de narrativas, transformados, mais tarde, em imagens construídas. O autor das cenas, pintadas com técnicas em acrílica e óleo, também menciona o silêncio posterior às batidas de automóveis. Esse, porém, mais incômodo e um tanto ruidoso.

Segundo Brandão, itens luxuosos arremessados contra postes e muros o fazem lembrar que para tudo há o mesmo fim. De algo extremamente desejado, o clássico Porsche, corroído e amassado, reduz-se a um objeto qualquer. A mística vai embora, ressalta o artista, relembrando um incidente com um Rolls-Royce na Praia de Botafogo. Eu e alguns amigos estávamos lá e fizemos questão de ir ver, simplesmente porque era um Rolls-Royce.

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Outros modelos – como o Mitsubishi Eclipse, popularizado no Brasil em 1995 após o filme Velozes e furiosos- também surgem entre as telas, reunidas sob o título de uma das canções de Raul Seixas. Logo quando pensei na mostra, essa música me veio à mente. Para Brandão, a letra estimula o movimento e a continuidade quando diz: Amor, não desista / Se você para / O carro pode te pegar. Por outro lado, adapta-se bem ao cotidiano de hoje, tão acelerado e confuso. Além disso, o autor se interessou pelos diversos significados da palavra pista: de dança, caminho, vestígio, orientação. Que cada um faça a sua viagem, convida.

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