A Academia Juiz-Forana de Letras fica localizada bem no Centro de Juiz de Fora, em uma sala repleta de estantes com os livros que se acumularam durante os últimos quarenta anos. É um acervo que guarda, como grande diferencial, obras que trazem a memória da cidade e exemplares de escritores locais, que sempre contam com um cuidado especial entre os demais. Há também fotos dos acadêmicos, que foram mudando com o tempo, e um espaço que não se limita às paredes que cercam o local. No aniversário de quarenta anos, sob a presidência de Cecy Barbosa Campos, a Academia está buscando se atualizar, ter mais contato com a população da cidade e trazer para dentro da sala e das discussões uma diversidade de pessoas e de literaturas.
A história da Academia Juiz-forana de Letras se inicia ainda em 1909, com outro nome e um destino diferente. A presidente explica que, na ocasião, um grupo de intelectuais juiz-foranos estava entusiasmado porque, em 1887, tinha sido fundada a Academia Brasileira de Letras (ABL), e aí resolveram que deveriam fundar uma Academia também aqui em Juiz de Fora. “Eles fundaram essa academia, e dentro desse grupo tivemos Belmiro Braga, Heitor Guimarães, Dilermando Cruz e muitos outros. Eles desenvolveram várias atividades até 1914/1915 e acharam que a Academia teria mais influência se fosse transferida para a capital, provavelmente com interesses de BH também”, explica. Juiz de Fora, então, ficou sem uma academia até 1982, quando começaram discussões a respeito da criação de uma entidade local. Até que em 6 de maio de 1983 ela foi novamente fundada.
Academias assim têm a função de produzir e divulgar cultura, artes, história e memória, sendo um lugar para a reflexão sofisticada e tendo também programações para o público em um ambiente de convivência de ideias. Com o passar das décadas, no entanto, a Academia foi sendo menos conhecida pelas pessoas da cidade mineira. “Uma coisa que me incomodava profundamente era as pessoas perguntando: ainda existe Academia Juiz-forana de Letras?”, conta Cecy. Isso a motivou a, depois de 32 anos já participando em uma das cadeiras, ter pensado pela primeira vez em ser presidente. “Era um débito que eu tinha, pela memória do meu avô, João Corrêa Barbosa Júnior, que foi um dos patronos, e pelos acadêmicos, não me conformar com uma coisa dessas”, explica.
Com as mudanças que realizou nos últimos anos e também com a intensificação das atividades que sempre existiram, ela se sente satisfeita com o resultado e com a Academia que enxerga hoje. Foi um esforço coletivo para intensificar as ações de um grupo que, de acordo com ela, é intelectualmente muito rico e capaz. A vontade de levar esse conhecimento para cada vez mais pessoas os moveu. “Com as atividades que temos agora, conseguimos contribuir com uma democratização da cultura. Nos nossos cursos não tem taxa e não cobramos nem o diploma. É importante que uma Academia se preocupe com isso, divulgando a cultura e dando oportunidade para qualquer pessoa que tenha interesse e vontade de fazer”, diz.
Novas atividades e cursos on-line
As novas atividades da Academia incluíram uma revitalização de seus espaços e de suas estratégias, adequando a instituição também às necessidades modernas e às tendências que se intensificaram a partir da pandemia de Covid-19. “Desde o início da pandemia compramos uma sala virtual e temos um técnico pra ajudar, instituímos o cargo de Diretora de Evento e começamos a ter os cursos já em 2020 mesmo. Nós estamos, agora, com o terceiro curso de Literatura de Juiz de Fora. E no segundo semestre teremos o quarto ciclo de palestras virtuais”, explica. Cecy fica satisfeita em perceber que, com essas oficinas, conseguiram participantes ativos e integrações muito interessantes, dentro do Brasil e até mesmo fora. O retorno dos acadêmicos correspondentes, para ela, fez também com que as atividades ficassem mais populares.
Fora dos cursos de Literatura de Juiz de Fora, eles também fazem palestras e cursos sobre assuntos variados, voltados para áreas de interesse e pesquisa de cada um dos participantes. “Foi muito bom porque isso reavivou as nossas memórias. Ontem, por exemplo, foi falado sobre a professora Cleonice Rainho. Eu falei sobre o meu avô e também sobre Affonso Romano de Sant’Anna, que não nasceu aqui, mas viveu em Juiz de Fora”, explica. Ela também passou a sugerir que, nos encontros regulares, fossem feitas sempre uma pequena palestra pelos membros, trazendo uma abordagem literária sobre qualquer assunto e uma resenha de um livro que leu. Além disso, a presença em feiras literárias também foi se intensificando.
Inclusão e acessibilidade
Um dos maiores orgulhos desse mandato, principalmente para marcar os quarenta anos de aniversário, é ter criado um Departamento de Projetos de Inclusão para a Academia. “Nós desenvolvemos atividade junto a associação de cegos, com projetos para deficientes visuais e deficientes em geral”, explica. Além disso, também fazem atividades duas vezes por mês no Instituto Jesus, que é uma instituição sem fins lucrativos, que tem seu atendimento voltado para a área da criança e do adolescente e que trabalha com recursos próprios. São três acadêmicos que, divididos, se dedicam a essas atividades.
Eles realizaram ainda um projeto em parceria com a diretoria, pensando em como adequar as atividades para o público. Ela, que está responsável pelos adolescentes, conta que também seguem trabalhos livres, conforme os assuntos que vão surgindo no dia e no interesse dos alunos. “Você vai aproveitando oportunidades e assuntos que já surgiram pra conversar, pra falar de literatura. Já conversamos por exemplo sobre José de Alencar”, diz.
Novos caminhos para Academias de Letras
Cecy, que é a primeira mulher presidente da Academia, enxerga um futuro frutífero pela frente e muitos desafios para os próximos anos que vierem. Ela enxerga que, tanto na cidade quanto na Academia Brasileira de Letras (ABL), estão acontecendo renovações que mudam as perspectivas para o entendimento da Literatura. Recentemente, por exemplo, com a entrada de Gilberto Gil e Fernanda Montenegro na ABL, foram reativadas discussões sobre o que é ou não é literatura e quem deve fazer parte desse espaço de preservação da cultura. Ela opina sobre o assunto: “É claro que a diversidade na Academia é muito boa. Eu sou favorável, mas acredito que requer cuidados. No caso do Gilberto Gil, as letras dele são poesia, não há dúvida alguma, assim como foi o caso do Bob Dylan (que ganhou o prêmio Nobel da Literatura)”, explica. Há casos, ainda, em que ela acredita que deveria haver discussões mais abertas. “Acho que a ABL precisa se abrir ainda mais. A Conceição Evaristo, por exemplo, deveria ser seriamente considerada já há anos. Ela tem uma originalidade e uma poesia mesmo em temas horripilantes. É preciso valorizar isso”, diz.
A trajetória de Cecy também diz muito sobre essa perspectiva – ela, acadêmica que estudou literaturas de língua inglesa ao longo da vida, já há anos também passou a pesquisar literaturas afro-brasileiras, por acreditar haver um débito da pesquisa acadêmica em relação a essas produções, ainda mais femininas. Hoje, ambos os assuntos estão presentes nas discussões da Academia Juiz-forana de Letras, assim como Machado de Assis, que vai ser tema de um próximo curso. Em seu mandato, ela ainda pretende fazer uma coletânea com textos dos acadêmicos e continuar trazendo eventos para que eles troquem ideias e inovem ainda mais, tendo essa integração com a internet e com as redes sociais, onde inclusive os cursos são divulgados. Nesse ponto de vista, tendo acompanhado essa trajetória há anos e se orgulhando de evoluções que viu, conclui, sem dúvidas, para quem ainda tem dúvidas: “A Academia Juiz-forana de Letras está vivíssima”.