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Gabriel o Pensador participa do Festival IbitiVibra

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“Alguns às vezes me tiram o sono, mas não me tiram o sonho/ Por isso eu amo e declamo, por isso eu canto e componho/ Não sou o dono do mundo, mas sou um filho do dono/ Do verdadeiro Patrão, do verdadeiro Patrono.” “Linhas tortas” é a música favorita de Gabriel o Pensador talvez porque seja a que ele mais conseguiu colocar em versos o que realmente sente sobre seus quase 30 anos de carreira. No seu começo, o rap brasileiro ainda engatinhava e ele quis divulgar fortemente seu trabalho, a começar pelo primeiro álbum, o que leva seu nome, como forma de divulgar também o daqueles que vieram antes dele ao mesmo tempo que abria os caminhos àqueles que vieram depois.

Ao mesmo tempo que “arrumou o terreno”, Pensador ainda se permitiu misturar: misturou rap com samba; rap com educação; rap com MPB – tudo isso para expressar o que sentia genuinamente, vendo sua música sempre como vetor de transformação. “Eu sou apaixonado por educação e sou um artista que tenho a oportunidade de ver minhas músicas sendo usadas por professores. Depois vieram os livros, ainda faço trabalhos com as crianças, faço palestras e gosto muito de estar envolvido com educação.”

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Sobre o samba: ele sempre foi sua raiz. Foi natural incorporar o gênero em seus fluxos de pensamento. “Eu acho que um dos primeiros rap com samba que foi feito na história foi o do Martinho da Vila comigo em um disco dele (a música se chama ‘Sou carioca, sou do Rio de Janeiro’)”, admite. Esse encontro aconteceu quando Martinho da Vila apareceu no clipe da música “175 nada especial”, que conta com outras celebridades. “Ele me surpreendeu com o convite pro álbum dele, era um rap, uma música falada com base de samba falando sobre o rio de janeiro. Mas eu também aproveitei elementos de samba e de ritmos brasileiros nos meus discos. Eu ainda pretendo fazer outras produções assim, que tenham uma pitadinha de música brasileira, de samba, com certeza pode pintar a qualquer momento mais alguma dessas aí.”

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Pintando por aí está o seu próximo disco, que deve ser lançado ainda neste semestre, depois de tanto tempo sem lançar um álbum. Nele, Pensandor conta com diversos nomes do rap e da música brasileira para somar em suas canções. Ele destaca, da nova geração, a participação de Sant e Xamã. Participa também o Black Alien, que fez parte do Planet Hemp. Além deles: Lulu Santos e Armandinho. “Não posso dar muito spoiler, já até falei demais, mas eu estou muito animado que a gente chegou na fase de mixagem e em poucos meses a gente coloca o álbum na praça.”

O motivo dessa introdução? Gabriel o Pensador é um dos nomes confirmados no IbitiVibra, evento que acontece em Ibitipoca, no AlphaVille Chalés, neste sábado (8), a partir das 18h. Além dele, participam também do evento Maneva, Gabriel Elias e ETC. Os ingressos podem ser adquiridos no link.

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Em sua carreira, Pensador misturou rap com samba, rap com educação e rap com MPB, enxergando a música como vetor de transformação (Foto: Divulgação)

Tribuna: Você, de certa forma, foi um precursor do rap português. Como isso aconteceu?

Gabriel o Pensador: Minha primeira música foi o “Tô feliz, matei o presidente”. Estava em uma fita cassete, que eu mandei para uma rádio do Rio de Janeiro que teve a coragem de colocar a música no ar. Ela foi a primeira entre os pedidos dos ouvintes e foi censurada cinco dias depois. E realmente era uma novidade o rap feito em português. Eu sei que tive essa importância, esse pioneirismo junto com outros que faziam seus primeiros discos de rap que eram os primeiros do Brasil, mas de uma forma ainda mais alternativa, em um segmento underground. O rap em São Paulo e em Brasília, que tinha o Racionais, o Thaíde, o Hum, e alguns outros poucos grupos que a gente podia, literalmente, contar nos dedos na época e que vieram antes de mim. Mas eu consegui mostrar essa linguagem do hip hop para a grande mídia. Primeiro foi a aparição passageira em uma rádio no Rio, mas que chamou muita atenção. E depois com o disco lançado em 93 e com todo o trabalho de divulgação que eu fiz questão de fazer para tornar o rap e o hip hop um gênero conhecido no Brasil. Isso abriu várias portas para outros rappers. Eu fazia questão de falar disso também: trazer outras bandas e outros amigos comigo lá no Rio de Janeiro e sempre que eu podia eu deixava claro que tinham outros fazendo, que tinha mais gente nisso, que era uma linguagem, uma cultura e um movimento. Apesar de nós não sermos muito unidos, a gente tentava agregar forças do jeito que dava, tudo começando.

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Mas como foi perceber que era esse o seu lugar?

Eu, como jovem com 19 anos quando lancei meu primeiro disco (“Gabriel o Pensador”), acho que era justamente essa vontade de me compreender como cidadão, como artista. Eu nem me via como artista, mas como poeta, como um ser pensante. Essa busca, esse não ‘encaixamento’, é que me motivava a ser tão questionador, a sugerir que os outros jovens, que as outras pessoas da minha geração também questionassem tudo, também pensassem por conta própria, também fossem mais críticas, menos alienadas. Mas minha motivação maior era despertar a consciência das pessoas para vários assuntos, e muito em cima desse incômodo com a alienação, com a falta de pensamento crítico e, principalmente, entre as pessoas da minha geração. Por isso mesmo meu primeiro single foi o “Retrato de um playboy” e que é uma das músicas que falam disso.

Suas músicas fazem muitas críticas, né? Sempre foi assim?

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Eu sempre gostei de escrever e tinha uma crítica desde a escola, na hora de fazer a redação. Caprichava. E quando eu comecei a fazer letras de música mais a sério, dos 16/17 anos para frente, eu tinha também essa vontade de fazer bem feito. Eu fazia e descartava muita coisa. Até hoje é assim: eu anoto as ideias, desenvolvo e depois eu seleciono só as melhores para realmente transformar em música. Muitas começam a partir da letra e depois é que viram música. E tem as outras coisas que gosto de escrever: os poemas, por exemplo. E essa questão das letras serem afiadas é a característica do rap, da liberdade de expressão. E não só do rap. É do tipo de música que eu ouvia: reggae, Bob Marley, e algumas coisas do rock brasileiro pós-ditadura, e por aí vai. A música tem isso: esse espaço para as letras afiadas. E eu acho que eu peguei um pouco de outras influências que têm bastante poesia, ao mesmo tempo falando as verdades, protestando e criticando. E tem beleza em poder falar sobre todo tipo de assunto.

E o humor, em que lugar ele entra?

O humor é uma ferramenta importante. Ainda mais em um país tão hipócrita para a gente poder fazer crítica social e política, tocar em algumas feridas, que às vezes são assuntos pesados. Isso eu aprendi com Chico Anísio, Jô Soares, e com a música e com o samba, um pouco de Raul Seixas e Partido Alto, um pouco das músicas que aproveitavam também da ironia, do duplo sentido como recurso para fazer o ouvinte pensar em certos assuntos, de uma forma crítica. E a gente gosta de fazer o público rir no show, com músicas bem humoradas, e com músicas que muitas vezes não são críticas, como o “Rap do feio”, que é mais de curtição mesmo. Ela pode até falar de um assunto que poderia ser discutido seriamente, sobre as questões dos padrões de beleza, e tudo mais, mas ela é uma música para fazer a galera se divertir e brincar. Isso é legal: fazer as pessoas sorrirem no show. Eu curto bastante e é um bom equilíbrio entre as músicas mais sérias e as bem-humoradas. É importante quando a gente se apresenta ao vivo.

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Você mistura isso tudo com a educação também. Suas músicas são feitas com o intuito de serem mesmo educacionais?

Algumas músicas realmente têm na própria letra algumas características de incentivar linhas de raciocínio, mas eu tento não concluir pelo ouvinte. Por exemplo, na “Pátria que me pariu”, que é uma história da nossa sociedade, uma criança abandonada que representa o Brasil. Em “Dança do desempregado” eu exponho certos temas que as pessoas mesmo podem fazer suas interpretações. É difícil citar exemplos, porque são tantas músicas que podem ser trabalhadas e são. Isso me deixa honrado ver meus trabalhos nas provas e os relatos que recebo dos professores sobre o impacto da minha letra e até da vontade do aluno em começar a escrever, despertar o interesse pela escrita. A minha música “Linhas tortas”, que é uma das minhas preferidas, eu falo um pouco sobre essa minha relação com a educação, a escrita, a alfabetização, com meu lado de poeta e compositor.

Ainda assim, sua primeira música foi censurada. Como você enxerga isso?

Eu espero que fique cada vez mais difícil censurar as pessoas: artistas, jornalistas, escritores, ativistas, qualquer voz que fale e divulgue verdades que incomodam. Eu espero que seja cada vez mais difícil essas forças repressoras nos censurarem. Aquela foi uma censura por baixo dos panos ainda. Não era oficial. O órgão do governo mandou um comunicado para todas as rádios do país avisando que quem tocasse a música sofreria uma devassa fiscal. Era uma ameaça mesmo, de que a receita federal ia fiscalizar a rádio que tocasse a minha música. A rádio que já tocava parou de tocar, e as outras, que iam tocar, que a gente ia espalhando pelo boca a boca, deixaram de tocar e acabaram abrindo o jogo, e assim eu descobri. Eu fui para a imprensa e a gente fez uma matéria conseguindo a confissão do ministro da justiça falando que tinha mesmo pedindo para parar de tocar.

Tudo isso já tem quase 30 anos. O que mudou no cenário do rap nacional?

O tempo voa. Ano passado a gente estava comemorando os 25 anos do “Quebra-cabeça” e estamos quase chegando nos 30 do álbum de estreia. E o rap cresceu muito, cresce muito, faz vertentes novas. E com certeza eu me orgulho das portas que a gente abriu para o rap brasileiro e o rap lusófono, vendo o impacto que meus discos tiveram na abertura das portas para a nossa linguagem e para o rap. Porque eu trouxe isso para muita gente, eu divulguei muito isso e continuo fazendo isso com amor. O mais importante é ver quem faz isso de verdade, por amor, quem mantém a essência da expressão sincera, da vontade de usar a música com um ideal de levantar boas ideias, boas discussões, de construir alguma coisa e não simplesmente como uma linguagem vazia. Acho que isso é que é importante que se mantenha vivo e com certeza tem muita gente boa sempre aparecendo, e sempre vai ter. Além também das pessoas da velha guarda que continuam fazendo um bom trabalho.

E como está agora, depois de tanto tempo sem show?

Desde os 19 anos eu não saía da estrada. Não tinha parado com os shows como eu parei na pandemia, por força maior. Eu continuei produzindo, de alguma forma, escrevendo, gravando algumas músicas, singles, lancei videoclipe, tudo gravado a distância. Isso foi importante para mim: eu poder continuar trabalhando de alguma forma. Mas a saudade do público era grande. E eu acho que isso me deu mais prazer ainda para a volta aos palcos. A gente agora está revivendo isso. Na verdade, não importa o tamanho do evento: a gente gosta mesmo. Eu me arrepio, me emociono, me divirto, brinco com meus músicos, admiro o talento deles, aproveito cada instante do show, de verdade. Isso é uma dádiva: eu poder gostar tanto de fazer o que eu faço. E o IbitiVibra vai ser especial, porque é um lugar tão bem falado, que tem uma energia única e que ainda não conheço. Estou curioso e vou curtir bastante junto com a galera.

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