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Integrantes de blocos reverenciam Zé Kodak e projetam futuro da Banda Daki

zé kodak
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Quando morreu, em 27 de fevereiro, aos 75 anos, o empresário José Carlos Passos entrou para a lista de mais de 800 moradores de Juiz de Fora que oficialmente tiveram suas vidas abreviadas devido à Covid-19. Porém, assim como todos aqueles que se foram por causa da pandemia, José Carlos deixa uma história, um passado, um legado: mais conhecido como Zé Kodak, o General e depois Marechal da Banda Daki, bloco que ajudou a fundar há quase 50 anos, ele tornou-se imortal na história do carnaval de Juiz de Fora. E é esse legado que a Tribuna relembra por meio de antigas matérias publicadas pelo jornal nos últimos 40 anos e dos depoimentos de companheiros da Banda Daki e de outros blocos da cidade, que perderam um amigo, incentivador e companheiro de folia.

A memória de Zé Kodak se confunde com a do carnaval de rua de Juiz de Fora (Leonardo Costa)

Na memória e no coração

Ao entrevistarmos durante a semana diversos integrantes dos mais tradicionais blocos de Juiz de Fora, o tom das conversas era basicamente o mesmo: saudade, gratidão, admiração, tristeza, reconhecimento e o desejo de que a memória de Zé Kodak, assim como o legado que ele deixa para o carnaval da cidade, jamais desapareçam.
Amigo de mais de 50 anos do carnavalesco, com quem desfilou por tantas décadas na Banda Daki, Carlos Guedes destaca que muito do legado de Zé Kodak se deve à dedicação que ele tinha ao carnaval. “Ele foi uma pessoa totalmente abnegada, não sabia fazer outra coisa a não ser o carnaval e seu trabalho. Ele ficava sem dormir por causa da Banda, e na véspera ficava muito ansioso para poder botar o bloco na rua”, relembra o ex-Rei Momo. “É uma perda irreparável, pois era nosso mestre. É triste saber que no próximo desfile estaremos sem ele, pois era um amigo e irmão de coração.”
Outro amigo de toda vida e da Banda Daki, Fernando Luiz Baldioti lembra de Zé Kodak como o empresário, amigo e “gente boa” com quem conviveu durante cinco décadas, que pregava a amizade, a alegria e o alto astral, e sempre ajudava as pessoas de alguma forma. “No âmbito do carnaval, foi uma grande perda para a cidade. Era um incentivador dos blocos de rua, que amava a folia, as escolas de samba e os blocos, tanto que ele foi diretor da (escola de samba) Turunas do Riachuelo e depois abraçou os blocos. Ele tomava café da manhã, almoçava e jantava pensando na Banda e nos outros blocos carnavalescos. Ele adorava o carnaval de rua.”
Baldioti se encontrava com o Marechal de três a quatro vezes por semana na tradicional loja que Zé Kodak tinha no Calçadão da Rua Halfeld. Lá, revelava as fotos de família – seja de seu casamento, dos filhos, netos e de antigos carnavais -, que sempre rendiam uma saída para um cafezinho e conversas sobre política, futebol e – claro – a Banda Daki, do qual foi durante anos o mestre de cerimônia dos desfiles e bailes. “Ele é flamenguista, e eu, botafoguense; ele dizia ‘você é gente boa, ótimo jornalista, muito feliz, mas tem o defeito de ser botafoguense’. Meu slogan na rádio era ‘Fernando Luiz, o repórter feliz’, e toda vez que eu chegava na loja o Zé soltava um ‘chegou o repórter feliz, Fernando Luiz’.”

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Zé Kodak, acompanhado da sua corte no carnaval de 2006; o Rei Momo era Carlos Guedes (Foto: Olavo Prazeres/Arquivo TM)

LEIA TAMBÉM: Morre o empresário e carnavalesco Zé Kodak, criador da Banda Daki

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‘Não vai ter outro igual ao Zé Kodak’

O presidente do Instituto Cultura do Samba, Régis da Vila, guarda do Marechal da Banda a imagem de uma pessoa muito combativa pelo carnaval e pelo samba. “Sem dúvida, falar da Banda Daki é falar de Zé Kodak. Era um homem do povo, que tinha nele um defensor. Com a partida do Zé, perdemos muito, pois até o samba conseguir outro líder com a envergadura dele vamos sofrer bastante”, acredita. “Vamos ter que lutar muito para que os amigos do Zé Kodak deem continuidade à Banda, um patrimônio da cidade.”
“Falar sobre o Zé Kodak é falar sobre carnaval, ele era nosso rei”, diz Roberto Cândido da Silva, o Boizinho, presidente do bloco Pintinho de Ouro e vice-presidente da escola de samba Unidos do Ladeira. “O Zé falava em carnaval 365 dias por ano e deixa um legado muito grande, tinha disposição invejável e era capaz de colocar o carnaval na rua o ano inteiro. Não imagino como será agora, ainda não consegui passar pela galeria ainda. Arrumar um outro Zé Kodak vai ser difícil.”
“Tudo que você precisava, ele se colocava à frente para ajudar”, prossegue Boizinho. “Se precisássemos de uma banda para uma festa de carnaval, ele dizia: ‘pode deixar que vou mandar alguns músicos da Banda Daki’. Mas, uma vez, não sei o que aconteceu, a banda não chegou e eu procurei o Zé. Acho que ele tinha esquecido de avisar aos músicos, mas sempre tinha uma forma de resolver. Começou a ligar para um e outro e conseguiu um pessoal para tocar na festa. Ele era o cara, não vai ter outro igual, sempre dava um jeito de a coisa funcionar.”
Quem também se derrama em elogios e saudades é a presidente do Bloco do Batom, Ana Braida. “Falar do Zé é fácil e difícil. Era uma pessoa de qualidades mil, capaz de contagiar, e de uma amizade sincera. A minha mãe, Farailde, faleceu em julho passado, com 103 anos, e tinha adoração pelo Zé. Íamos até a Avenida Rio Branco para poder acenar para ele nos desfiles. No início do ano ele me deu uma foto de quando comemorou os 60 anos da loja, com nós três juntos”, relembra.
Ana Braida é mais uma a pontuar a generosidade do carnavalesco com os outros blocos. “O Zé Kodak era um grande incentivador do carnaval de rua. No caso do Bloco do Batom, do qual era padrinho, as componentes perguntaram como a gente vai fazer, pois ele nos levava para cidades menores do interior para curtirmos a folia. Só temos a agradecer ao grande baluarte do carnaval de nossa cidade, que vai deixar um legado muito grande”, emociona-se, lembrando que ele faria aniversário na próxima quarta-feira (10 de março).

Anúncio da Banda Daki publicado na Tribuna de Minas em 19 de fevereiro de 1982 (Reprodução/Arquivo TM)

O que será da Banda sem o Marechal?

Carlos Guedes lembra que Zé Kodak acreditava que a pandemia do novo coronavírus acabaria até o início deste ano. Por isso, teria ficado muito chateado com o cancelamento do carnaval. Entretanto, logo em seguida começou a planejar para 2022 a fim de comemorar os 50 anos do bloco. “O que dói mais é que o Zé era uma pessoa do povo. Gostava de festa, aglomeração, de estar rodeado por muita gente, e no final foi enterrado com poucas pessoas assistindo. Foi uma comoção geral na cidade, mas infelizmente ninguém pôde fazer nada, sendo que ele sempre estava presente no enterro de outras pessoas, levando solidariedade, carinho”, lamenta o Rei Momo, referindo-se aos protocolos sanitários em vigor na cidade.
Por isso mesmo, o amigo de décadas vê no carnaval de 2022 uma oportunidade de prestar a devida homenagem ao carnavalesco, além de ser uma forma de responder àqueles que se preocupam com o futuro da Banda Daki: se depender dele e de outros, a festa não vai acabar com a partida daquele que tem sua vida eternamente ligada ao bloco. “Queremos dar a ele a homenagem adequada, dentro do carnaval. Vamos esperar um pouco, mas em breve formaremos uma comissão e vamos ver se colocamos o bloco na rua, que era o que ele estava começando a fazer para comemorar os 50 anos da Banda. Faremos o possível e o impossível, e esperamos a ajuda da Funalfa para poder homenageá-lo, talvez fazer o baile da Banda. Temos que começar tudo de novo, pois é impossível pensar o carnaval de Juiz de Fora sem a Banda Daki.”
Fernando Luiz Baldioti diz que é muito difícil imaginar a Banda sem Zé Kodak, mas segue o mesmo raciocínio de Carlos Guedes. “Estamos nesse período de comoção pela perda do amigo, mas, caso possamos ter o desfile em 2022, os amigos e amigas mais chegados, fundadores da Banda, vamos de alguma forma colocar a Banda Daki no desfile tradicional, com apoio da Funalfa, Prefeitura e empresários. Teremos que conviver com a ausência de tão querida pessoa”, diz. Roberto Cândido da Silva afirma que o Pintinho de Ouro até já tinha feito um samba em homenagem à Banda Daki. “Agora vamos ter que modificar alguma coisa depois dessa tragédia para homenagear os dois.”

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Multidão acompanha a folia na Avenida Rio Branco em 2016 (Foto: Reprodução/Fernando Priamo/Arquivo TM)

Quatro décadas do Marechal na Tribuna

Quando a Banda Daki surgiu, em 1972, ainda não havia Tribuna de Minas. Mas, desde a sua fundação, em setembro de 1981, o jornal tem acompanhado todos os carnavais realizados em Juiz de Fora. E desde sua primeira cobertura, em 1982, a Banda Daki estava lá. A edição de 21 de fevereiro de 1982 destacou o desfile do bloco, realizado no dia anterior, que partiu do Palácio da Saúde, na Avenida dos Andradas, e lotou a Avenida Getúlio Vargas com um público estimado de dez mil foliões. Segundo a reportagem da época, Zé Kodak comandou a festa do alto de um caminhão, com uma fantasia vermelha com babados e tocando dois pratos. Pelas quatro décadas seguintes, a Tribuna continuou registrando a história de Zé Kodak e da Banda Daki.

Primeira cobertura da Banda Daki feita pela Tribuna foi em 1982 (Foto: Marcelo Morandi

 

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Em 1986, um carnaval marcado por várias fantasias de Viúva Porcina, Sinhozinho Malta e Beato Salu – personagens da novela “Roque Santeiro, sucesso à época -, a reportagem destacou as arquibancadas da Avenida Barão do Rio Branco lotadas para assistir à festa comandada pelo “popular Zé Kodak e os irmãos Guedes”. Acima, a cobertura fotográfica de Márcio Brigatto (Foto: Reprodução/Arquivo TM)

 

Em 1996, o então prefeito Custódio Matos entregou as chaves da cidade para o Rei Momo Júlio Guedes, e a Banda Daki empolgou até quem estava nos prédios, que jogavam confetes e serpentinas na turma da folia, marcada pela irreverência e bom humor (Foto: Reprodução/Arquivo TM)

 

Geraldo Magela Tavares estoura o espumante ao lado de Zé Kodak e do Rei Momo Carlos Guedes, em 2006, ano em que a Banda Daki registrou aquele que talvez tenha sido seu maior público: cerca de 80 mil pessoas segundo estimativas (Foto: Reprodução/Olavo Prazeres/Arquivo TM)
Mesmo com público menor e carnaval adiantado em Juiz e Fora, a Banda Daki seguia arrastando um bom público graças ao seu “Marechal”. Segundo a Polícia Militar, cerca de quatro mil pessoas viram Zé Kodak (“o que importa é a qualidade e não a quantidade”, declarou à reportagem) receber o troféu das mãos do então prefeito Bruno Siqueira em 2016 (Foto: Reprodução/Marcelo Ribeiro/Arquivo TM)
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... para 80 mil pessoas em 2006 (Fotos: Reprodução/Arquivo TM)

 

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