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‘Cada mulher borda sua própria vida’

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Sávia integra o grupo Matizes Dumont, reconhecido no país por ilustrar histórias de escritores renomados
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Sávia integra o grupo Matizes Dumont, reconhecido no país por ilustrar histórias de escritores renomados

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"E agora? O que eu vou fazer com as minhas mãos?". Com a singeleza e a espontaneidade das bordadeiras, Sávia Dumont revive a indagação de mulheres que aprenderam a fazer do bordado obras de arte, fonte de renda, instrumento de mobilização e inclusão social. "O bordado é uma coisa muito intensa e muito intimista. É o tecido, a linha, a agulha e ela mesma." Integrante do grupo Matizes Dumont, composto por três gerações de bordadeiras da família que cresceu às margens do Rio São Francisco, em Pirapora, interior de Minas Gerais, Sávia se reveza com as irmãs Martha, Ângela e Marilu para dar vida, com linha e agulha, às ilustrações do irmão, Demóstenes. Os detalhes bordados com linhas coloridas no vestido usado pela ilustradora – executados por alunas do grupo Caprichosas, de São Sebastião, no Distrito Federal – acusam a relação sensível com a técnica e suas diversas linguagens vivenciada pela artista.

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Os traços bordados pelo Matizes Dumont ilustram 21 obras de escritores, como Jorge Amado, Ziraldo, Manoel de Barros, Rubem Alves, Carlos Rodrigues Brandão e Marina Colasanti, e renderam aos irmãos o Prêmio Jabuti em mais de uma ocasião, além de estamparem a capa do álbum "Pirata", de Maria Bethânia, em 2006. Elevando a tradição do bordado a arte, o grupo reproduziu obras de Candido Portinari e lançou moda ao imprimir suas marcas em coleção inspirada no São Francisco, assinada pelo estilista, também mineiro, Ronaldo Fraga. As possibilidades da linguagem do bordado extrapolaram o mundo das artes e são a base de um projeto social de geração de renda e inclusão social, o "Bordando o Brasil", apoiado pela Fundação Banco do Brasil, que já beneficiou mais de 12 mil mulheres em diversas regiões do país.

Ilustradora, educadora, sanitarista, ambientalista, escritora e bordadeira, Sávia Dumont falou de forma sensível à Tribuna sobre o bordado e suas vertentes, assim como sua relação com a família e os projetos desenvolvidos pelo Matizes Dumont. Sávia ministra em Juiz de Fora oficina de bordado, ao lado da irmã Marilu, promovida pela Funalfa como parte das comemorações ao Dia Internacional da Mulher. A palestra "Vida bordadeira", que acontece às 19h de amanhã, no Anfiteatro João Carriço, na sede da Funalfa (Avenida Rio Branco 2.234 – Centro), abordará as ações de resgate e divulgação da tradição pelas mãos dos artistas.

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Tribuna – A raridade do domínio do bordado nos dias atuais acaba por valorizar as peças e a prática da técnica?

Sávia Dumont – O bordado é um trabalho milenar, do mundo inteiro. E no Brasil nós enriquecemos esta ação de bordar com várias outras opções que vieram com portugueses, espanhóis, franceses. O bordado espontâneo foi desaparecendo, e só restou o ponto cruz, que vinha na revista, padronizado. Eu atribuo parte do renascimento do bordado a um projeto que começamos há 20 anos, para recuperar os pontos antigos, revisitá-los e dar a eles uma nova roupagem. Dar uma nova textura, trabalhar com fios mais tênues, mais grossos, opacos, brilhosos. Essa transformação resulta nessa explosão que dá ideia de novidade. Esta mistura da mulher brasileira, de inovação, é que fez do bordado hoje algo tão espontâneo e apreciado.

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– No trabalho do grupo, o bordado dialoga com artes plásticas, ilustrações de livros, educação, moda, mobilização e inclusão social, geração de renda e responsabilidade ambiental. Como foi possível encontrar tantas finalidades em uma mesma técnica?

– Nós recuperamos o ensinamento básico de uma mãe bordadeira e descobrimos que o bordado pode ser um instrumento de mobilização em várias áreas. Aliamos o prático ao lúdico e inserimos nas nossas profissões. Essas várias linguagens dialogam entre si, pois dizem respeito a uma coisa só: a vida humana, a vida bordadeira. E é nessa vida bordadeira que acreditamos.

– O Matizes Dumont "borda a várias mãos". O que é preciso aprender para trabalhar de forma coletiva?

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– É uma das coisas mais difíceis aprender a trabalhar de maneira coletiva. Mas como nós somos irmãos, mãe, filhos, netas – três gerações já integram o grupo -, foi algo intuitivo. Somos quatro irmãs, e bordamos as ilustrações de nosso irmão Demóstenes. Minha mãe nos passou os ensinamentos com muita maestria, por isso trabalhamos de maneira tão sintonizada.

– "A rebelião das raposas"(1989) é considerado por muitos o primeiro livro com ilustração em bordado que se tem notícia. É possível resgatar e ao mesmo tempo reinventar formas de cultura e tradição?

– Essa reinvenção começa quando você pega o que existia e dá uma nova roupagem. O ponto pode ter o mesmo nome, mas eu faço de um jeito, e você faz de outro. E quando nós juntamos os trabalhos, teremos uma nova textura, uma nova visibilidade. Aprendemos o clássico e jogamos em uma linguagem ímpar. Não tínhamos conhecimento de livro ilustrado com bordado, apenas aqueles que ensinavam o bordar. Ganhamos prêmios, como os Jabuti. Mas, na verdade, fomos descobrir muito tempo depois que o nosso não era o primeiro livro bordado coisa nenhuma. A primeira história seriada do mundo foi bordada na Normandia, há muitos e muitos anos. A guerra da região foi toda contada durante 50 anos de bordados, feitos por mulheres, homens, crianças em um imenso painel de 500 metros. Hoje, ele está exposto na França.

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– Os quadros de vocês inspirados na obras de Portinari estarão, em breve, expostos em Nova York. Em que o bordado brasileiro se difere dos bordados de outros países? Por meio de quais traços o bordado representa os brasileiros e o país?

– Bordar a obra de Portinari foi uma consagração. O João Candido, filho do Portinari, nos convidou para fazer quadros dele bordados. As obras originais são painéis imensos, de 45m. Bordamos 20 telas de 1,5m x 1,5m. Elas estão expostas concomitantemente no Rio e em São Paulo, no Museu da América Latina. Depois vão para Brasília, Belo Horizonte, Paris e Nova York. Acredito que o estrangeiro valoriza o bordado brasileiro por sua espontaneidade e singeleza. Pelo mundo temos bordados maravilhosos, como no Leste europeu, Bolívia, Argentina, Chile. Mas o nosso diferencial é saber representar essa simplicidade brasileira de misturar o vermelho com o rosa, e todo mundo achar lindo.

– Como você definiria as bordadeiras brasileiras, às vésperas do Dia Internacional da Mulher?

– O bordado é um grande instrumento, porque é sensibilizador. No nosso projeto, mulheres de todo o país têm o compromisso de ensinar a técnica do bordado que aprenderam para mais cinco pessoas, gerando esse efeito multiplicador. E eu acho muito bonito uma coisa: cada mulher borda a vida dela. Nunca vi bordarem a tristeza, a dor, mas o amor, a alegria, a beleza. Ela resgata o que tem de mais bonito dentro dela. E uma das coisas que eu mais admiro nessas mulheres é que todas buscam a sua identidade, seja cultural, pessoal ou profissional. A mulher busca ela mesma. Há algumas décadas, as mulheres saíram para trabalhar, ganharam liberdade, começaram a competir com os homens e passaram a abominar os trabalhos manuais. Hoje, elas estão na faixa dos 60, 65 anos e já se aposentaram, realizaram-se profissionalmente, os filhos já saíram de casa. E elas se perguntam: "E agora? O que eu vou fazer com as minhas mãos?". Eu me emociono quando falo disso. Pois elas descobrem que é a hora de fazer algo "novo" com a mãos. Crochetar, pintar, escrever, bordar. Isso é muito bonito. O bordado é uma arte, e não uma arte menor.

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