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Intervenção ‘Praia’ movimenta redes sociais no fim de semana

"praia" juiz de fora
ASL 4993
Letícia Nabuco, ao centro, afirma que a proposta de “Praia” é questionar os padrões estéticos e os protocolos que não atendem parte dos corpos da sociedade (foto: Amanda Lüdtke e João Paulo Brum/Divulgação)
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A intervenção artística urbana “Praia”, do grupo Mercúrio Líquido, que aconteceu no último sábado (5), rendeu repercussão nas redes sociais. A proposta, aprovada pelo edital “Pau Brasil“, um dos cinco do Programa Cultural Murilo Mendes, da Funalfa, propunha simular um ambiente litorâneo no Parque Halfeld. A intenção era reproduzir a liberdade dos corpos na praia. Para isso, 15 bailarinos selecionados por uma convocatória feita pelo grupo vestiram roupas de banho e reproduziram a sensação praiana, inclusive com objetos que remetem ao local, como boias, guarda-sol e protetor solar. Alguns populares e políticos da cidade questionaram o ato, levantando discussões sobre o que seria a arte e o fato de a intervenção ser realizada com dinheiro público. A “Praia” vai acontecer novamente no próximo sábado (12), às 10h, no Parque Halfeld.

Letícia Nabuco, diretora da intervenção, garante que, mesmo com o debate surgido e as manifestações contrárias à realização da “Praia”, ela voltará a acontecer no sábado. Diante dos ânimos exaltados, a preocupação principal é com a segurança dos bailarinos, compostos, em sua maioria, de pessoas LGBTQIA+. De acordo com Letícia, um ato contrário à intervenção estaria sendo convocado para o mesmo dia, na Rua Halfeld. Por causa disso, o coletivo vai convocar um outro ato, às 9h30, com saída do Diversão e Arte (Rua Halfeld 1322), para endossar a segurança e mostrar que existe uma parcela da população que gostou da “Praia” e a apoia. Alguns artistas locais e políticos manifestaram apoio pelas redes sociais.

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“Praia” vai acontecer, também, no próximo sábado no Parque Halfeld, às 10h (foto: Amanda Lüdtke e João Paulo Brum/Divulgação)

Intervenção também foi alvo de fake news

As redes sociais foram bombardeadas com fotos e vídeos da “Praia” no último fim de semana. De acordo com Letícia, um problema que afeta diretamente o entendimento da intervenção são as fake news, que também circularam nesses dias. Ela, acostumada com atos na rua, esperava que algum impacto fosse causado, e deixou isso claro desde o primeiro ensaio com os selecionados. A repercussão, no entanto, não era a proposta. “A repercussão não era o papel. O papel não era ofender, nem deixar com ódio. O que a gente fez não é inovador. Em Belo Horizonte, por exemplo, já fizeram isso. A gente queria, simplesmente, questionar os padrões estéticos e os protocolos que não atendem parte dos corpos da sociedade. Mostrar a gente, enquanto artistas, felizes. A gente entende que o corpo incomoda e isso é importante.” Ainda pensando na diversidade dos corpos, ela afirma que queria a presença de outros, como os corpos gordos, mas essas pessoas não se sentiram à vontade para se inscrever. “Isso mostra como a questão é mais ampla. A gente, na nossa pequenez, não consegue dar conta de tudo isso.”

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Os ataques, de acordo com ela, foram sobretudo à Funalfa, por ter passado um projeto como esse, e não a eles e aos corpos – como ela imaginou que poderia ser. O edital propunha que os projetos elaborassem trabalhos que refletiam a Semana de Arte Moderna, que completa 100 anos neste mês. Os 15 trabalhos aprovados serão apresentados ao longo de fevereiro. “Se você ler o manifesto ‘Pau Brasil’, lá tem o deboche. Nosso trabalho é, também, deboche por enfrentar os costumes. Mas é também leveza, divertimento. As agressões não me incomodam, as pessoas podem ou não gostar, isso já é da esfera do gosto. Isso não me abala. Mas a gente precisa continuar colocando a nossa arte no mundo”, diz Letícia.

Outro questionamento levantado foi sobre o valor gasto. O edital prevê investimento de R$ 20 mil para cada um dos 15 projetos aprovados, considerando o valor líquido de R$ 15.369,36, em razão dos descontos de imposto. Até o ato, Letícia conta que o grupo, que envolve 19 pessoas, se preparou em torno de dois meses e meio para isso. “Isso foi um investimento. A gente não está ganhando com isso. O problema é que o artista não é visto como trabalhador. E isso precisa mudar.”

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Giane Elisa Sales de Almeida, diretora da Funalfa, lembra que os programas de incentivo à cultura são importantes para ajudar os artistas e, apesar de ainda ser pouco perto do ideal, é o que movimenta a cultura da cidade, ainda mais vivendo os efeitos da pandemia, em que a classe foi uma das mais afetadas. Outras manifestações do edital “Pau Brasil” ainda vão acontecer ao longo do mês. Em sua maioria, elas ocupam as ruas de Juiz de Fora. Para Giane, ocupar esses espaços é importante para “trazer alegria depois de tanto tempo sem arte e produção de alegria pelas ruas”. Ela diz que, dessa forma, mais pessoas conseguem ter acesso à cultura e, mesmo com eventuais repercussões controversas, a ruptura que ecoa a Semana de 1922 está sendo feita.

Giane Elisa Sales de Almeida, diretora da Funalfa, entende a Semana de Arte Moderna como ruptura (foto: Fernando Priamo)

Giane explica funcionamento do edital

Em entrevista à Tribuna, Giane Elisa Sales de Almeida explica que o orçamento de mais de R$ 2 milhões para a Lei Murilo Mendes foi aprovado pelos vereadores. A demanda de cada um dos editais foi pensada de acordo com o alcance. Segundo ela, ao contrário do que pedem algumas manifestações nas redes sociais, não há como repassar uma verba destinada à Funalfa a outra pasta do município, o que configuraria “pedalada fiscal”. A Comissão Municipal de Incentivo à Cultura (Comic) é quem avalia cada um dos projetos enviados. Depois da atividade pronta, o proponente precisa prestar contas do dinheiro gasto e tudo isso fica disponível no Portal da Transparência. Giane diz que entende os questionamentos quanto aos gastos públicos. Para ela, esse é um dos papéis da sociedade que ainda não entende, completamente, a ordem política e a forma como as verbas são destinadas.

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Também de acordo com ela, a ideia principalmente deste edital era realizar rupturas, assim como a Semana da Arte Moderna fez em 1922. “Com o ‘Pau Brasil’ a gente quis reler esse marco e incentivar as produções, mas, principalmente, entender como a Semana da Arte Moderna chega a cada um, e entender, afinal, o que choca. As pessoas ainda hoje têm pouco acesso à produção cultural e a intenção é mostrar que todo mundo produz arte e, ao mesmo tempo, fazer um trabalho didático”, diz. O papel da Funalfa em atos que foram aprovados por editais é o de, simplesmente, incentivar, segundo Giane. Para que o previsto seja realizado e os artistas exerçam a livre expressão, a Prefeitura está se reunindo para estudar a necessidade de posicionar a Guarda Municipal para garantir a segurança de todos no próximo sábado.

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