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Quem é o juiz-forano vencedor do prêmio Sesc Literatura

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Foto: Fernando Priamo

“Sou muito pouco, sou quase nada. Sou o que sobrou, o que ficou para trás, o resto frio no canto do prato. Sou o que não quis ser. Sou quem não foi, quem não pôde, quem não quis. Sou isto que não sei, não sei o que sou. E quem há de me garantir que, de fato, não sei? Quem, senão eu, que nada sou, há de provar o gosto amargo de meus dias e a confusão terrífica de minhas noites? Não reconheço, em nada me reconheço.” A complexidade e a profundidade com que João Gabriel Paulsen inicia “O ódio ou Pais e filhos”, segundo conto de “O doce e o amargo” (Record, 143 páginas), perpassa todo o livro como uma identidade surgida ao acaso para o jovem escritor que reuniu e inscreveu seus escritos no Prêmio Sesc de Literatura. Ana Miranda e Tércia Montenegro avaliaram que se tratava da melhor proposta dentre 926. Nas palavras de Paulsen, há uma maturidade a se confrontar com seus 20 anos. “Existem autores muito jovens que você lê e nem percebe. Álvares de Azevedo morreu com 20 anos e escreveu ‘Macário’, por exemplo. Como isso saiu da cabeça de uma pessoa que não tinha nem 30 anos? Eu não faço questão de deixar no texto que sou um autor jovem. A maior parte dos personagens são jovens, mas eu não tenho a intenção de transferir a minha juventude para o texto”, afirma o escritor, que, após excursionar pelo país lançando a obra, autografa o livro nesta sexta, às 19h, na Livraria Saraiva, no Independência Shopping, em Juiz de Fora.

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“No timbre de João Gabriel Paulsen, encontram-se ecos dos melhores autores brasileiros. Raduan Nassar e Bartolomeu Campos de Queirós são dois que o leitor pode aqui recordar, pelo fluir da dicção, pela riqueza das imagens”, aponta Tércia, na apresentação do livro. “A qualidade do texto é vista em toda frase, cada uma construída de forma natural, mas criando poderosos efeitos. Vemos com clareza o que acontece na narrativa, o que torna a leitura fascinante. Os diálogos são ágeis e precisos”, corrobora Ana, na orelha da obra, referindo-se ao escritor como “um extraordinário talento”. Questionador, “O doce e o amargo” apresenta um autor que foge das respostas e não se enreda nos lugares-comuns. Tudo exige mergulho, parece defender.

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“Era uma produção às vezes hermética. Tenho a sensação de que todos esses contos têm um caráter confessional. Quando as pessoas perguntam sobre o que o livro fala, eu caio na armadilha de dizer que fala sobre minha vida. No final das contas, talvez, o leitor nem perceba isso”, pontua João Gabriel, com seu cabelo de grandes cachos pretos, camisas largas a apontar para a faceta skatista e um sorriso que de tempos em tempos se revela para descontrair a fala arrojada e clara, como seu livro. “O escritor se forma tanto por aquilo que ele lê e vive quanto pelo que escreve. Uma parte essencial da criação é a leitura, não dá para separar uma coisa da outra. Parece uma redução, como um molho, junta muita coisa na panela, a coisa vai fervendo, o líquido vai evaporando, e o que sobra são 120 páginas”, comenta.

Foto: Fernando Priamo

Leitor de nomes fundamentais para a literatura moderna, João Gabriel deixa ressoar em seus contos suas influências mais latentes. “A filosofia que existe por trás da obra do Camus é sensacional, do ponto de vista estilístico e literário eu gosto, mas não é tão forte. O James Joyce é outro autor que estilisticamente me impressiona. Dostoievski, também. Todo mundo que li acabou me influenciando. Não tenho um livro de cabeceira”, garante, citando, ainda, Jorge Amado, Augusto dos Anjos e Machado de Assis. É de Camus, ainda, que o jovem escritor retira a inclinação sinestésica já indicada no título. “Na literatura, existe o costume de valorizar dois sentidos em especial: a audição e a visão. Tomei o cuidado para que os personagens despertassem o tato. O (Albert) Camus tem o livro ‘Núpcias, o verão’ que é extremamente sinestésico e acho que produz um efeito sensacional. Ele tem um ensaio em que narra ele comendo pêssego e pulando no mar. Quando li, pensei que precisava pensar nisso também. Nesses textos do Camus, a paisagem é ensolarada, aqui, não”, comenta. E acrescenta: “A primeira parte, os quatros primeiros contos têm uma atmosfera bem pesada e densa. Hoje em dia percebo que existe uma solenidade no texto e tento forçá-la, para que seja ainda mais coerente.”

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‘Uma forma de tornar mais coerente a existência’

Para João Gabriel Paulsen, “O doce e o amargo” é um caleidoscópio. “Não o concebi como um conjunto. Ele foi um filho por acidente. Eu não sabia que tinha pronto. Uma amiga minha participou da categoria romance e me sugeriu participar da categoria conto. Juntei tudo e enviei. Foi uma coletânea, um apanhado de coisas que já estavam prontas. A questão da identidade está mais ligada à minha experiência de quando escrevi. Esses textos todos foram escritos com muita liberdade de quem não vai publicar e não se preocupa com muita coisa. Muita coisa aparece nele porque aconteceu”, diz. “Uma coisa que aparece nos textos é a ideia de conflito. São personagens que sentem a partida ou vivem uma situação aparentemente insolúvel. Acho que são as tensões que oferecem unidade para o texto.”

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Na época em que escreveu os nove contos, entre os 15 e os 17 anos, ele não imaginava publicar. “Escrevia e guardava na gaveta. Depois que percebi que o livro ia circular, mudou a forma como enxergo a minha produção artística. O contato com o público para mim era quase indiferente. Eu publicava na internet, tinha pouquíssimos leitores, as pessoas não falavam o que estava funcionando ou não. Agora o público é mais um elemento com o qual tenho que pensar, não só a história”, pontua ele, que colaborava com o site Pergaminho Virtual. Estudante do curso de filosofia na UFJF, João Gabriel afirma não confundir filosofia e literatura enquanto escreve. “Ambas são exercícios parecidos e tratam os mesmos problemas. Não sou fã da filosofia existencialista. Gosto de alguns autores, mas não é que me desperta paixão. E acho que usamos o termo existencialista como um guarda-chuva, colocando um monte de coisas lá dentro. Toda literatura trata de questões existenciais, por mais que aborde questões políticas e psicológicas. A literatura é uma forma de tornar mais coerente a existência”, sugere o autor.

“Concebo a arte como um exercício quase terapêutico, como se eu resolvesse no plano simbólico uma série de conflitos que de outra forma me incomodariam. Por isso falo que o livro fala muito de mim. Na verdade, é o que eu vivi ou estou vivendo e preciso levar para o texto. É uma forma de se afastar da vida para olhar as coisas com mais lucidez”, explica. E resolve no texto? “Acho que nunca resolve”, ri. “As coisas mudam. Hoje as minhas questões são outras, e não reconheço muito do que está aqui dentro”, acrescenta, citando o ressentimento com a religião como sendo algo que se pacificou depois da escrita do livro e que hoje se apresentaria de maneira distinta em palavras. Tudo muda, o tempo todo. E agora, após a publicação da obra, muda a forma como escreve. “O Prêmio Sesc de Literatura dá um empurrão, faz pular uma etapa. Ele te coloca no meio de tudo. Por ser um prêmio já reconhecido nacionalmente, e por eu lançar por uma editora grande, sou colocado na mídia, sou divulgado. Isso muda completamente a forma como vou produzir. Tenho que pensar no que vou causar.”

O DOCE E O AMARGO

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Lançamento nesta sexta (6), às 19h, na Livraria Saraiva (Independência Shopping – Avenida Itamar Franco 3600 – Cascatinha)

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