O sonho do menino de ser cineasta, de forma alguma, foi apagado. As escolhas da vida foram encaminhando Luizinho Lopes para um caminho que parecia fugir um pouco da arte. Foi seu pai quem lhe deu seu primeiro violão, aos 18 anos. Trancado no quarto, dedilhou como quem já era íntimo do instrumento. E compôs, em seguida, uma canção de (ex) amor. Era nítido cursar cinema porque, já naquele momento, a arte era o que bastava: e seu olhar-câmera era o que, então, mais gritava ao jovem. Mas foi também seu pai quem o pediu para entrar em uma outra profissão, por segurança. E ele fez, pela segurança. “Eu sempre me atirei profundamente nas coisas. Mas com cuidado”. Arte e engenharia, a faculdade que decidiu fazer por sua destreza na matemática (e por exemplo do irmão, que fazia o mesmo), sempre caminharam juntas.
Quando se tornou funcionário público (outra escolha-segurança para poder fazer música e viver com tranquilidade), conseguiu conciliar as duas coisas, apesar das dificuldades. Nesse tempo, lançou sete álbuns e um clipe. E, agora, em um outro momento da vida, aposentado, parte para seu oitavo disco: “Como seria explodir um amor tão concreto duro de partir?”, disponível nas plataformas digitais a partir desta sexta-feira (6): um trabalho que mostra como aquele olhar cineasta segue acompanhando a escrita e as melodias do homem poeta-matemático.
Luizinho, de pronto, anuncia: “Agora, é só música, música, música”. Ficou, claro, bem mais fácil dedicar horas e horas ao seu instrumento-amigo: o violão. Aquele que permite fazer com que suas melodias sejam guiadas por cada palavra cantada tão encaixada. Esse disco (sim, disco mesmo, porque está sendo lançado também em vinil) nasceu como uma necessidade de expressar um novo momento que faz tudo mudar: de pensamentos a tempo – e que afetam, pois, sua forma de compor. A frase escolhida para ser o nome desse trabalho apresenta a ambientação que o músico quer: como fica o ambiente depois que se explode um amor? É também a frase que fecha a primeira canção do álbum, “Ali neblina”, que é como se narrasse o espaço coberto da incerteza do amor acabado, explodido. E essa “neblina” encobre todo o disco: que tem seus segredos por trás de cada canção, como de costume em suas composições.
Ainda assim, ele diz: “Eu acho que esse disco está mais profundo, mais reflexivo”. E muito pelo que não está escrito. Pelo que orbitou sua cabeça no tempo em que se dedicou a compor. “Como seria explodir um amor tão concreto duro de partir” traz músicas mais antigas, como “Hóstia da noite”, de 1983, que, na época, ganhou um processo de divulgação inusitado: as paredes de Juiz de Fora foram tomadas pela frase que aguçaram a curiosidade e fizeram o show de lançamento lotar. Ele recupera a música porque acha que encaixa nessa ambientação do disco. E percebe, 40 anos depois, como que, desde sempre, gostou de compor profundo, captando as metáforas das cenas. O disco traz também “Órbita”, canção de 2018, que ganhou participação da Orquestra Sinfônica de São Petersburgo, da Rússia. A canção já estava disponível no trabalho que lançou apenas nas plataformas digitais, “Pé de letra”, ao lado de Ricardo Itaborahy, mas que, nesse mais novo, ganha nova roupagem. “Epicentro” é da mesma época.
O interessante é que, por mais que exista essa ambientação, ela não era a ideia original de Luizinho. A vontade de início era fazer um disco todo ao lado de Salomé Viegas, flautista que gravou, inclusive, o primeiro disco dele, “Nem tudo que nasce é novo”, de 1990, e “Falas perdidas”, de 2016. Ele a chamou no começo do ano passado, quando começaram a escolher as músicas que entrariam no trabalho. Uma das músicas que ele apresentou a ela foi “Em menos de um minuto”, a única do disco que foi escrita por Luizinho com uma parceria, o escritor Luiz Ruffato. Na medida em que as músicas iam sendo apresentadas, os arranjos iam sendo criados. Porque Luizinho conta que, junto com outras pessoas, parece ser mais criativo, e os caminhos vão surgindo assim, como foi o caso de “Em menos de um minuto”. “No terceiro dia de ensaios com a Salomé, ela disse que aquele disco precisaria ser com mais pessoas. Não só nós dois”, conta. E assim foi feito.
“Componho para resolver meus problemas”
Algumas músicas, obrigatoriamente, precisavam entrar no trabalho. Além dessas que Luizinho recuperou, a grande parte surgiu na pandemia, momento em que a música era mesmo sua única e principal companhia. Ainda trabalhando, ele conta que, entre um processo e outro, conseguia pegar o violão e fazer surgir melodias que, prontamente, ganhavam letras. “É por isso que, a partir desses anos, se eu sentar eu faço uma música. Eu componho para resolver meus problemas. Eu componho logo em seguida de as coisas acontecerem. É uma forma mesmo de resolver os problemas. A psicanálise não me basta. Eu preciso da arte.”
Um desses casos pandêmicos foi a canção “Xeque-mate”, inspirada no filme “O sétimo selo”, um clássico do cineasta Ingmar Bergman. Luizinho conta que assistiu a esse filme diversas vezes, porque encontrava poesia em cada uma das partidas de xadrez que a morte e o cavaleiro disputavam. Ele, inclusive, sempre ligado ao cinema, chegou a escrever, à mão, o roteiro dos diálogos do filme, que ficavam ali, em sua cabeça, sempre. Por outro lado, ele havia encomendado uma viola, e queria muito compor com o instrumento. Sabia que, assim que pegasse, alguma melodia potente surgiria. Ele pegou a viola, a melodia surgiu e a associação com o filme, que se passa na Peste Negra, foi imediata com o momento, ainda na pandemia. E a canção saiu.
“Mudou o tom” é a música que abre o lado B do disco. Ela é dedicada a Álvaro Vieira Pinto, intelectual responsável por uma série de pensamentos que alteraram o seu. Um tango que ganha um dueto com Natália Vargas, cantora que, sozinha, também canta “Canção de ninar mãe”: outra música profunda que fala da relação entre a mãe e seu filho. E foi, inclusive, Salomé quem apresentou Natália a Luizinho, assim como grande parte do elenco que faz parte do trabalho. Ele tem esse costume de alterar sua turma na medida em que se pensa em um disco: está sempre atento ao novo que completa. Dudu Viana, que fez os arranjos e gravou piano e acordeom, e Ricardo Itaborahy, que fez a masterização e os vocais, já haviam participado de outros trabalhos. Aparecem, além deles e da própria Salomé, Marcos Filho (piano e vocal), Samuel Mângia (trompete e flugelhorn), Berval Moraes (baixo), Robson Fonseca (violoncelo), Victor Hugo (viola caipira), José Leandro (percussão), Alexandre Andrés (vocal).
Para falar de cada música, de cada processo criativo, seria necessário um livro inteiro. Porque são mundos que envolvem as etapas. E, apesar de se afastar, agora, das teorias matemáticas, elas ainda o acompanham. Luizinho sempre foi romântico. E, por isso, tem canções tão profundas. Mas, até nisso, é racional, ele confirma. “Engenharia e música se complementam em mim. O meu sistema é matemático. Meu sistema criativo é racional. E isso veio da engenharia”. São coisas e coisas que passam por sua cabeça que precisam ir para o papel: as expressões e os sentimentos.
Shows de lançamento
Apesar de tantos anos pensando e se dedicando à música, Luizinho conta que ainda tem um frio na barriga quando vai lançar algo novo. “Só de pensar eu choro. Porque minha vida é isso: música”. Ele conta que tem se cobrado ainda mais atualmente para deixar tudo do jeito que realmente quer. E ele gostou, mesmo, do resultado de “Como seria explodir um amor tão concreto duro de partir?”. Já com o vinil em mãos, pensa agora nos shows de lançamento: seu foco do momento. E as datas já estão marcadas: 3 de novembro, no Teatro Municipal de São João Del Rey, e 11 de novembro, no Teatro Solar, em Juiz de Fora. No palco, 12 músicos empenhados em transpor todo o ambiente neblinoso e poético do trabalho.
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