No clássico ensaio “A obra de arte na era da sua reprodutibilidade técnica”, o filósofo alemão Walter Benjamin defende que a característica reprodutiva da arte confere a libertação da própria expressão ao retirá-la do que chama de “aura”. “Na medida em que essa técnica (da seriação) permite à reprodução vir ao encontro do espectador, em todas as situações, ela atualiza o objeto reproduzido”, sugere o teórico, destacando a potência renovadora das obras que se desejam, sobretudo, acessíveis. Compartilhando desse desejo por amplitude, Matheus de Simone, Jessica Perobelli e Washington da Silva – três jovens estudantes do Instituto de Artes e Design da UFJF – se reuniram para um evento que em alguma medida rediscute o ensaio de Benjamin ao demonstrar que as artes gráficas, ainda que eminentemente resultantes do discurso acerca da reprodutibilidade, não são tão populares como poderiam. Ainda vivem num canto escuro. Na Gruta – Feira de Artes Gráficas acontece nesta quinta-feira, 6, das 17h às 22h, n’OAndarDeBaixo.
“A arte gráfica tem a dimensão da reprodutibilidade, da impressão mais facilitada, dos formatos que lidam com a comercialização”, observa Matheus, apontando para a ideia de mapeamento manifesta na seleção dos expositores da feira. “Não houve um edital de seleção para a participação, mas um convite para conhecidos, professores, estudantes e artistas da região que sabemos que têm uma produção gráfica e, por circunstâncias diversas, não se encontram”, diz ele, defendendo um presente fecundo na cena local. “Tem sido muito frequente o zine, um produto mais informal, que resgata a produção dos anos 1980”, destaca, citando o trabalho da Papelote Press, com seus zines sobre a cena indie em Juiz de Fora. Trata-se da conveniência do encontro, diz Matheus, que começou a projetar a feira diante do desejo de lançar o próprio catálogo “Eucarístico”, primeira publicação de uma carreira promissora.
Escuro solar
Da poesia à fotografia, passando por desenhos, gravuras, pôsteres e postais, a feira privilegia uma produção recente, com cerca de 30 expositores, distantes do grande público e absolutamente próximos do fazer artístico. Em tempos virtuais, nos quais o mundo digital surge onipresente e dominante, os processos artesanais reprodutíveis impõem revisão do discurso de Walter Benjamin. E a equação do mercado não se resolve mais conforme a lógica das teorias do alemão, que acreditava numa redução de preços diante da possibilidade de criação de cópias.
“Nada do que faço tem um grande valor comercial, sejam as balas de iogurte, sejam os vídeos. O que está em jogo é mais o valor simbólico do que a materialidade. Tem coisas que vão ser expostas e não têm um valor grande, o que está muito alinhado com a reprodutibilidade precária do que estará na Gruta”, adverte Matheus, chamando a atenção para uma distinção entre o que será exposto nas paredes e o que ficará disperso pelo espaço do evento. O que estará sob pregos compõe a exposição “Galeria escura”, com curadoria de Jéssica Perobelli, reunindo 12 artistas.
“Mesclamos artistas. Alguns já são consagrados na cidade, e outros estão nascendo no Instituto de Artes e Design (IAD) da UFJF. Também queremos mostrar as muitas facetas desses artistas e suas habilidades para produzir”, pontua Jéssica, jogando luzes para gerações que se acostumaram a pintar e também esculpir, a estampar usando uma matriz em madeira e a manipular imagens digitalmente. “Isso faz com que eles tenham sempre trabalhos novos”, comenta ela. A renovação, mais uma vez, se mostra como linha condutora das reflexões.
“A exposição serve para dizer que existe produtividade na cidade”, reforça a estudante, prestes a concluir a licenciatura em artes visuais, que em sua curadoria optou por não restringir apenas aos trabalhos reproduzíveis, mas permitindo, também, a presença de obras únicas, porém seriadas, como os desenhos de Jonas Braga, que convergem mito e sexo em imagens impactantes de seres mitológicos sexualizados. Cada obra do artista, expoente do IAD, é singular. Como também o são as colagens de Afonso Rodrigues, reunindo uma imagem de Jesus deitado e com sobreposições de tintas e escritos.
Ambas as obras – de Jonas e Afonso – integram séries de trabalhos semelhantes e, dessa forma, aproximam-se do fotolivro “Algum lugar do Atlas”, de Júlia Milward, que não ocupa a parede da mostra, mas a feira. Juntos, os trabalhos representam uma arte feita sobre cuidados. Obra de arte que se mantém obra de arte, e talvez até seja mais obra de arte, na era da reprodutibilidade técnica.