Viver significa muita coisa. Dentre elas, observar o que está ao seu redor. Ouvir. Refletir. Guardar na memória. Ter uma nova percepção. Às vezes, também escrever a respeito do que viu, ouviu, viveu, testemunhou. Para a escritora, tradutora e jornalista juiz-forana Maria Bitarello, escrever é uma forma de compartilhar sua visão e experiência de mundo, expor reflexões, sentimentos. Até mesmo a melhor forma de diálogo. É o que se encontra em seu segundo livro, “O tempo das coisas”, reunião de crônicas que terá sessão de autógrafos neste sábado (9), às 18h30, no Bar São Bartolomeu, no São Mateus.
O trabalho, sucessor de “Só sei que foi assim” (2014), é publicado pela In Media Res e apresenta 28 textos publicados por ela em uma coluna quinzenal no site Outras Palavras entre 2016 e 2017. Nas crônicas, Maria escreve reflexões a partir de cenas cotidianas, memórias de viagens e de suas experiências vivendo no exterior, a vida em uma megalópole como São Paulo (onde vive desde 2012), o ávido consumo de podcasts e assuntos do dia a dia que provocam aquela fagulha que rendem textos salpicados de lembranças, histórias e posições pessoais a respeito desse nosso mundinho.
“O tempo das coisas”, conta, surgiu ironicamente da necessidade de dar um “pause” no ofício. “Eu dei uma pausa no final do ano passado, pois estava esgotada de escrever, me dei umas ‘férias’. E nesse período fui organizando o que havia escrito e vi que tinha o suficiente para um novo livro. Por coincidência, retomei contato com outro escritor, o André Resende, que havia publicado um livro pela In Media Res e me apresentou virtualmente para a (editora) Ana Beatriz Manier, pois acreditava que meu trabalho tinha a ver com a proposta deles.
A partir daí, o caminho até que foi rápido. Como estava viajando na época, Maria enviou um e-mail para Ana Beatriz e mostrou algumas de suas crônicas, que despertou o interesse da editora a ponto de sugerir um novo livro com a assinatura da escritora mineira. “Eu não tinha ideia, no início, de que sairia o livro, mas tinha uma intuição que alguma coisa poderia sair dali.”
Muitas ideias na cabeça – e também no papel
Em suas crônicas, Maria Bitarello reflete sobre assuntos como vida, morte, espiritualidade, a vida na cidade grande, desapego, crescimento, solidão, pequenos dramas cotidianos, machismo/feminismo, tecnologia, cultura, a partir de suas experiências como residente na França, a turista na Índia e no Nepal, a “estrangeira” em São Paulo, a mulher que saiu de Minas (mas que carrega as Gerais consigo), a atriz do Teatro Oficina. Muita coisa, convenhamos, para guardar na memória e transcrever para suas crônicas. Por conta disso, seus textos tanto podem ter o clima do que acabou de acontecer como podem refletir sobre temas do presente a partir de vivências passadas.
“Eu tenho uma lista de coisas que vão me ocorrendo, às vezes um insight, e fica a ideia que pode ser uma crônica mais pra frente. Também tenho um caderninho em que vou anotando. Às vezes o que anotei fica parecido, ou depois fica bem diferente, dependendo da situação. Mas há coisas que são feitas bem na época, como a história da mulher que tomou banho na Avenida Paulista”, explica.
“Muitas coisas, no caso desse livro, foram inspiradas no meu trabalho com o Teatro Oficina, pois nesse período estava trabalhando em peças como ‘Bacantes’ e ‘Macumba antropófaga’, inspirada no Manifesto Antropófago do Oswald de Andrade. A inspiração vem de formas diferentes, mas é muito raro sentar sem ter uma ideia do que vou escrever. Vou colocando as ideias no papel e depois simplificando, até porque pelo espaço que temos na internet é preciso ter uma simplicidade.”
Falando menos, escrevendo mais
A veia de cronista veio da necessidade de Maria Bitarello não ficar presa apenas aos textos jornalísticos, mas foi um processo que ela diz ter vindo naturalmente, entre outros motivos, por não se sentir à vontade como escritora de ficção ou romancista. Ao mesmo tempo, considerava uma “chatice” transformar seus textos em uma egotrip; por se ver como uma pessoa observadora, o caminho da crônica foi o que ela tomou. Seus textos, todavia, não são apenas reflexões de uma testemunha ocular, mas principalmente, auditiva.
“Engraçado que eu acho que, ao contrário das outras pessoas, eu tenho falado cada vez menos, e ouvido cada vez mais. Quando se é uma pessoa que ouve as pessoas, elas passam a contar cada vez mais, e isso me interessa. Acho que todo mundo tem uma vida potencialmente interessante”, opina. “Acho que é o que faço melhor, de onde tiro um aprendizado, um insight de uma coisa corriqueira. Passar isso para um texto que funcione para outras pessoas é gratificante. Um amigo meu que é desenhista falou certa vez que o desenho é uma arte que está mais no olhar que na mão, e acho que para quem escreve é a audição, a escuta, que deve estar afinada.”
Apesar do gosto pela crônica – um gênero que tem entre suas características a exposição, em maior ou menor grau, do seu “eu” -, Maria Bitarello publicou em um texto que não está no livro sua dificuldade em estar presente nas redes sociais – melhor dizendo, uma “preguiça” em perder tempo com algo que não acrescenta nada muito significativo à sua vida. “Eu me pergunto muito se a gente tem que gerar mais palavras nesse mundo. Não quero contribuir para a criação de lixo virtual. Tenho muita dificuldade com as redes sociais, voltei para o Facebook porque precisava divulgar o livro. Estou mais interessada em me dedicar a uma coisa de cada vez, e sinto muito na saúde, no meu corpo, a disputa constante de atenção pela internet . Não estou acima disso, mas tenho muita dificuldade de lidar com isso.”
Ao mesmo tempo, porém, ela também está na internet, ainda que numa onda diferente. Como é ter essa “visibilidade”, ainda que não seja em busca de evidência, aprovação, ou narcisismo? “Escrever crônica é uma vontade de conversar. Eu ouço as pessoas, mas elas me ouvem menos, ao escrever acho que elas me ‘ouvem’ mais, mesmo que seja uma faceta estreita de mim. Quando a gente consegue chegar a algo íntimo, chegar ao universal é mais fácil. Eu falo a partir de mim porque eu sou o ponto de vista que conheço das coisas do mundo, com todo o risco que isso traz, de ser uma mulher mineira de 35 anos, que no Brasil é considerada branca.”
“Mas quem escreve na internet tem a realidade das pessoas que enchem o saco, como os haters”, continua. “Nunca comento. Não sou muito interativa, pois considero difícil, você não sabe com quem está falando de verdade, e que muitas vezes só quer criar polêmica. É um lugar muito polarizado atualmente, e não vejo a menor graça nessa troca de argumentos.”
O tempo das coisas
Lançamento no sábado (9), às 18h30, na Cervejaria São Bartolomeu (Rua São Mateus 41 – São Mateus)