Localizada na Galeria João Pedro Hallack durante 72 anos, a Loja da Seda encerrou seus atendimentos na última semana de outubro. Foram quatro gerações sendo vestidas pelo negócio, que começou com Jamil Hadad e passou para sua filha Rosângela Jamil Hadad, com ajuda dos irmãos David e Semiramis. Conhecida pelas vitrines abertas e cheias de opções sofisticadas bem no coração de Juiz de Fora, na Rua Marechal, o estabelecimento enfrentou nos últimos anos a pandemia de Covid-19, mudanças no mercado e uma morte dentro da família, que fizeram com que as portas precisassem ser fechadas. Mas essa história ainda é lembrada por quem viveu de perto o dia a dia da loja nos seus tempos áureos, e ainda promete deixar marcas em quem passa pelas ruas da cidade.
A abertura da Loja da Seda aconteceu em 11 de agosto de 1952, quando o seu fundador foi percebendo a tendência do comércio da cidade ser valorizado na parte alta do calçadão. Antes disso, o pai de Jamil Hadad tinha uma loja chamada A Milagrosa, que trabalhava com artigos femininos. Quando veio a ideia de abrir um novo comércio, pediu ao dono da galeria um espaço assim que terminassem de construir. A loja da esquina, então, foi a primeira a ficar pronta – e desde então virou um empreendimento familiar. “Eu ia fazer dever de casa na loja. Meus irmãos passaram na universidade estudando lá. Desde os 7 anos estava lá, e adorava. Conversava com as pessoas, via a rua, o movimento”, diz Rosângela, hoje aos 64 anos.
Sua história é praticamente impossível de separar daquela da loja, já que na maior parte da sua vida ela esteve lá, atendendo os clientes junto com o pai e se dividindo entre essa atividade e o trabalho como educadora. Por isso, quando o pai faleceu, em 2010, foi ela que passou a tocar o negócio. Com a morte dele, também resolveram fazer uma reforma na loja, para deixá-la mais segura e fazer com que a vitrine atraísse novos clientes. O mais importante permaneceu mesmo com essas transformações: o ponto e o contato diário com os transeuntes.
Também pela relação com o pai e a vontade que teve de inaugurar a loja, foi tão difícil para ela realmente fechar as portas e partir para outros caminhos. Mas, com a morte do irmão, em outubro deste ano, ficou inviável que cuidasse de tudo sozinha, desde os aspectos mais diários até o caixa. Mas esse legado, para ela, não vai acabar – até porque as peças seguem em várias famílias e também marcaram da sua maneira cada pessoa que usou os tecidos da loja. “É um marco, uma referência. Quando tinha festas, era a gente que vestia, a gente ficava sabendo de tudo”, afirma Rosângela.
Diferenciais da Loja da Seda
Uma loja que chega a 72 anos de funcionamento precisa ter diferenciais. O primeiro deles, como conta Rosângela, estava justamente na seda pura, que acabou dando nome ao estabelecimento. “As pessoas vinham de longe procurar”, relembra. Também por essa relação, foram conhecendo profundamente as opções que ofereciam, como era a melhor forma de usar os tecidos e também quem eram as costureiras por trás das obras, que já negociavam muitas vezes diretamente com a família para fazerem as peças.
“Outro dia, um rapaz chegou para mim e falou: quero um metro do tule rebordado. Eu só respondi ‘não’. Não ia dar certo”, conta Rosângela. Ela então revela que fez o que já havia feito outras vezes: explicou por que aquela quantidade não daria certo, já que conhecia o tecido e sabia que seria insuficiente para fazer a peça que ele queria. O jovem então retornou, depois de conversar com a costureira, e ver que ela tinha o ajudado. “A gente tem que valorizar o dinheiro da outra pessoa.”
Ligação com as pessoas e com a rua
A Loja da Seda passou por grandes dificuldades na pandemia, já que foram quatro meses totalmente fechada e sem entrada de dinheiro. Como pensa Rosângela, os impactos ainda podem ser sentidos em todo o comércio. “Mudou tudo para gente. Ainda temos resquícios da pandemia”, diz. Naquele momento, eles chegaram a pensar na possibilidade de migrar também para o on-line, mas Rosângela entendeu que aquilo ia fazer com que perdessem a verdadeira alma do negócio. Também por essa convivência, que movia todos os seus dias, entende que está sendo tão difícil para ela seguir depois do fechamento. “Era o bem mais precioso da minha vida. Ainda é.”
Rosângela ainda não sabe o que será da sua vida depois do fechamento da loja, mas entende que precisa manter o que tinha ali, da ligação das pessoas e com a rua. Esse contato é o que a família mais agradece, com o fechamento da loja, e que também cultiva: ela anda no Centro cumprimentando as pessoas, entrando nas lojas, sentando em cadeiras das barraquinhas. Conhece todo mundo. “Quero continuar trabalhando com gente, perto da rua. Isso para mim é a maior escola da vida. Meu pai também era assim, é uma coisa que está no sangue.”