O fotógrafo João Medeiros, nascido em Juiz de Fora, no Santa Cândida, apresenta sua primeira exposição solo no Museu de Imagem e Som (MIS) de São Paulo, chamada ‘Eu nem faço rap’. Ao longo de sua trajetória, que já envolveu a participação em diversas mostras, contribuição jornalística em uma coluna especializada em música, a publicação de um fotolivro, direção de arte em obras audiovisuais e a participação em uma feira de fotografia de Chicago, ele foi desenvolvendo o olhar para o que tinha de íntimo em sua arte e o que estava construindo. O rap, que esteve sempre costurando esses interesses como grande objeto de pesquisa e de paixão, foi emergindo como algo que João poderia ajudar a construir com imagens – fazendo ativamente parte do estilo, ao contrário do que sugere de forma provocativa o nome da mostra. Para ser selecionado, ele participou de uma convocatória que escolheu seis artistas promissores de todo o Brasil que se destacam por um olhar autêntico para a fotografia brasileira, seja em relação ao formato ou à temática. Com 23 obras fotográficas e um vídeo, a mostra fica até 12 de novembro no local.
Para João, a relação com o rap é até difícil de definir, já que é uma parte grande da sua vida. Talvez, como brinca, seja um desvio de percurso, algo que poderia ter sido nessa vida ou é em uma realidade paralela. Isso porque, há muitos anos, o fotógrafo é profundamente interessado no rap: “É uma relação íntima, um som que eu escuto todo dia, uma cultura pela qual eu tenho profundo interesse, admiração e principalmente respeito”, conta. Ao mesmo tempo, isso gera dificuldades, porque ele confessa que tem tanta paixão e respeito pelo assunto, que está sempre tentando mostrar o quão especial aquele acontecimento é. “Penso sempre no que significa o fazer rap como um desdobramento de uma prática de oralidade que é ancestral e um desdobramento de várias culturas do sul-global, especialmente as africanas. E é algo que, mesmo eu não sendo um rapper, sei que eu ajudo a construir no Brasil”, afirma.
Essa ligação também fez com que ele tivesse uma certa facilidade de acesso a grandes nomes do rap contemporâneo, que estão sendo retratados na exposição, como Djonga e BK. Ele conta que conheceu esses dois artistas ainda no começo de suas carreiras, o que ajudou na possibilidade de trabalho com eles. Outro fator para isso, e que também está ligado com o primeiro, é ter “um ouvido atualizado”. É por conta disso que conheceu os artistas, e também pode mostrar que entendia do assunto de forma natural. “Quando rola esse encontro e paramos para trocar ideia, vamos conversando sobre a parada, sinto que existe um respeito mútuo, porque eles sabem que sou muito interessado em rap também”, conta. Da mesma forma, também optou por trazer fotos de rappers de Juiz de Fora, que foi onde ele começou fotografando, em um Encontro de MCs.
Com 26 anos de idade, João considera-se fotógrafo desde 2017, quando pôde “fotografar com mais intenção”, ou seja, conseguir captar exatamente o que estava acontecendo e trazer uma intenção própria com a imagem. Fazer uma exposição solo, no entanto, a essa altura, é algo que ele não imaginava, pois é uma chance importante para artistas aprofundarem seu trabalho, mostrarem mais facetas e colocar o trabalho em uma ordem de forma que cada foto potencialize a outra. Além disso, a exposição possibilitou que ele aprofundasse um tema e o interesse sobre o assunto, o que também foi desafiador. “Tive que montar a exposição pensando que muitas pessoas que estão lá visitando nem sempre têm um background do rap, não conhecem os fotografados. Apesar da gente acreditar no rap, e dele ter ganhado uma dimensão grande no brasil nos últimos anos, ainda é uma cultura de nicho. Eu ficava pensando: ‘Pô, será que essa exposição vai fazer sentido pra quem não tem esse background, pra quem não conhece esses artistas?”, reflete. No fim das contas, ele concluiu que havia algo que se conectava, para além disso, através da sua lente: “Nas imagens, capturo trejeitos, jeito de se vestir, como esses caras e essas minas se portam. Principalmente como essas pessoas, majoritariamente negras, têm o rap como uma válvula de autoestima e isso se traduz no próprio olhar delas”.
História através de fotos
A exposição ‘Eu nem faço rap’ começou a ser pensada em 2022, quando o artista foi reunindo um conjunto de fotos que já tinha como um projeto. “A partir do momento que tomo essa decisão e sei do que o projeto fala, algumas fotos entram e outras saem. Já estava fotografando esse material antes, mas era por esse interesse meu, não tinha ainda a intenção, o conceito e o nome de agora”, explica. Nesse momento, então, nasce algo novo, e que vai inspirando também outros trabalhos, como um documentário sobre o seu pai, que tem uma história de vida interessante, e aprofundar na fotografia um recorte na temática do rap sobre masculinidades negras e como o rap performa essas masculinidades.” É algo que está pincelado de leve nessa exposição atual, mas que a partir de um comentário de uma amiga, tive um estalo que quero buscar entender. Vejo que toda vez que o rap teve uma grande revolução foi com artistas que desafiaram essa masculinidade”, afirma.
Em maio deste ano, João também teve um desafio similar de construção de uma exposição para a criação de ‘Menino me dá a mão’, que reúne fotografias de vários anos, desde o início de seu trabalho. Essa edição faz parte de um projeto que selecionava um artista de cada estado, e ele foi o escolhido do sudeste. “Foi um processo muito especial, porque revisitei grande parte do meu trabalho, depois de muito aprendizado. Você olha para as fotos antigas, tenta dar um encadeamento, uma ideia, uma unidade de assuntos e uma unidade de temáticas. Eu fui construir uma história, e fui percebendo alguns assuntos pelos quais eu tinha interesse, como por exemplo a infância, que era algo que já estava presente ali”, conta.
Leia mais matérias de Cultura aqui.
Vida em São Paulo
Além de ser fotógrafo, João é jornalista pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e trabalha com alguns dos métodos que aprendeu, que também o ajudam a captar esse momento de efervescência cultural que vê acontecendo no rap, principalmente a partir da referência de Jim Goldenberg. Ele, agora, vive em São Paulo, mas confessa que fotografa pouco essa cidade. A influência em seu trabalho é em outro nível: “Foi aqui que consegui dar fruição ao meu trabalho, onde vi que existem as oportunidades e muitas consequências para essas oportunidades”. A mudança, no entanto, fez com que ele pudesse investir mais em equipamentos, comprar livros para estudar mais sobre o que o interessa e principalmente, mudar uma realidade financeira. “Quero ganhar um dinheiro maneiro para fazer o meu nome se tornar relevante a ponto de poder escolher onde vou estar, fazendo projetos que me interessem. Aqui consigo enxergar essas janelas, que estão totalmente relacionadas a dinheiro”, diz.
Sua relação com Juiz de Fora, no entanto, foi importante para uma construção visual do que tinha vontade de fazer. É na cidade, inclusive, que hoje é citado por muitos jovens como uma referência de onde é possível chegar. Para ele, é algo que ainda é difícil de enxergar: “É uma responsabilidade, porque não sei se me vejo assim. Na verdade, eu também tenho várias questões sobre a minha caminhada e me comparo com um monte de gente com trajetórias diferentes”, conta. Ele, no entanto, pensa que essa responsabilidade é algo que quer ter. “Quero mostrar para as pessoas que, de algumas formas, existem possibilidades, porque acho que em JF talvez o grande desafio seja pensar que tem alguma forma de articular seus sonhos e seus corres. É dificil, porque eu tive diversos suportes e apoios, e é difícil pra caramba”, diz. Ele cita como dificuldade, por exemplo, a discrepância de oportunidades que existem na cidade mineira e no eixo RIO-SP. Mas, como mostra, é possível: “Existe uma boa dose de sorte e circunstâncias. Mas tem a parte que você pode fazer, e aí ter essa noção de saber de onde você veio, para dar o seu melhor, estudar do jeito que dá, pesquisar e gastar o seu tempo para evoluir”.
O que faz um bom retrato
Em suas fotos, João busca estar próximo das pessoas e tornar esse encontro algo íntimo. No rap, como ele diz, há artistas que muitas vezes são idolatrados e endeusados, e que incorporam essa postura em suas músicas. O que ele busca, no entanto, é a parte mais humana do processo de criação desses artistas. “Quero fotografar momentos em que esses artistas tiram a capa de super-herói que é fazer rap. Essa coisa de ter que ser uma figura imbatível, sabe?”, diz. Também por isso, evita comparações com outros artistas e fotógrafos na sua própria vida.
Da mesma forma, tenta encontrar algo que se aproxime de uma vida real e do que mais lhe interessa na cultura do hip hop. “Penso em conseguir que aquela pessoa me dê algo mais honesto e íntimo possível, e acho que em um nível maior é isso que faz um bom retrato. Você consegue acessar uma camada muito pessoal de alguém que muitas vezes você não conhece. É por isso que os melhores retratos são de pessoas e assuntos com os quais a gente tem intimidade, e onde se aprofunda”, conta.