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Pesquisadores debatem sobre música no Mamm

Rodrigo by Fernando Priamo
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O professor Rodrigo Barbosa, que participa do projeto, vai contar a história do samba da Feliz Lembrança “Ah, se eu fosse feliz”, cuja letra original ele exibe na foto (Foto: Fernando Priamo)

Em “Crepúsculo dos ídolos”, Nietzsche cunhou a frase que tanto foi banalizada pela internet afora, mas que nem por isso perde sua veracidade, “Sem música a vida seria um erro”. Reconhecendo a indissociabilidade da música da vida cotidiana, o grupo de estudos Ressonâncias discute, há dois anos, diversos ângulos de questões relativas a música e mídia sonora. “Sugiu com um pequeno grupo de pesquisadores que – apesar de serem de áreas diferentes – tinham como interesse comum a música. Dentro do grupo, existe um diálogo intenso entre diferentes linhas teóricas, que faz com que as discussões sejam muito ricas. Vai de uma análise semiótica a discussões sobre mercado fonográfico, passando por questões técnicas e de análise literária”, explica Rafael Saldanha, integrante do Ressonâncias, professor da Faculdade de Medicina da Suprema e doutorando em Comunicação pela Uerj.

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Nesta quarta-feira (6), o grupo, que 05realizou, no ano passado, a mesa redonda “Outros tópicos, outras palavras: Tropicália 50 anos”, faz um novo evento, desta vez maior. Sediado no Mamm, “Música e afetos” reunirá diversos pesquisadores, debatendo a música e sua relação com emoções, gostos, sensibilidades. Haverá participações musicais com artistas da cidade, como Mamão, Laura Conceição, Dudu Costa, Renato da Lapa, entre outros. As discussões abordarão temáticas tão variadas quanto a volta dos vinis, o motivo por que ouvimos músicas tristes, aqueles pelos quais cantamos alegremente letras sofridas, como se formam os gostos musicais, a nova MPB, performance vocal, entre vários outros. “No final do ano, o grupo decide internamente o tema para o ano seguinte. Aí cada um apresenta bibliografias para irmos conversando ao longo dos meses, cada um pensando em suas questões de pesquisa. O evento traz o estado atual das discussões que foram desenvolvidas ao longo do ano”, observa Saldanha, que abordará as diferentes maneiras como formamos nosso gosto musical, tema de sua pesquisa de doutorado.

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Para Saldanha, esse debate é fundamental na contemporaneidade. “Estamos vivendo tempos em que as emoções e os afetos – positivos ou negativos – acabam por ditar os rumos da sociedade. Estamos na cidade do deputado que quer criminalizar determinados tipos de música por conta do efeito que ela supostamente geraria nas famílias. Então me parece que é fundamental trazer essa discussão, pensar em como a música pode ser o canal (ou sintoma) de todos esses afetos que estão aí, mediando e influenciando nossas vidas”, destaca.

O professor da Faculdade de Comunicação da UFJF Rodrigo Barbosa, que integra o grupo e participará do evento, também vê a iniciativa como extremamente necessária em tempos em que há tanto ódio e intolerância. “Acho um ato necessário num momento em que tá tantas agressões à liberdade de sentir, agir, se expressar, e também porque estamos vivendo cada vez mais em um ambiente de relações que são virtuais. A música abre portas diferentes para acessarmos as emoções e os afetos, e a programação tão diversificada do evento reflete estas diversas maneiras como ela faz isso”, diz o professor.

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Alegria e tristeza lado a lado na história da música local

A discussão encabeçada por Rodrigo Barbosa durante o “Música e Afetos” remonta a um episódio peculiar da história da música juiz-forana. Em 1949, a Escola de Samba Feliz Lembrança fez a cidade cantar em coro no carnaval uma felicidade aparentemente intangível, com o aclamado samba “Ah, se eu fosse feliz”, de Juquita e Djalma de Carvalho. “A letra original, de Juquita, era muito mais triste e era inspirada, segundo ele disse em entrevistas, em uma desilusão amorosa, e ele pensava em fazer dela um bolero. Mas o Djalma mudou a segunda parte toda da letra, sem que ela perdesse o caráter triste, e mudou o nome original, que era “moço infeliz”, e a transformou num samba. E aí temos um fenômeno que é habitual no samba, de músicas tristíssimas, melancólicas, que são cantadas numa performance efusiva, e achei interessante estudar esse fenômeno”, conta Rodrigo, acrescentando que a composição tem um terceiro autor, B.O.

Mas a singularidade do “causo” não para por aí. Rodrigo é, atualmente, o detentor da letra original da canção, redigida numa cartolina por Juquita, que era pintor de cartazes de cinema. “Um amigo em comum que tem relação de parentesco com o Juquita tinha este cartaz há alguns anos e tinha medo de perder, e me disse que achava que eu seria um bom guardião desse documento cheio de história. E o samba que a canção se tornou modifica o aspecto inicial de uma letra triste que reflete sobre as inadequações da vida. Claro que só por ser samba, com percussões e instrumentos rítmicos, já traz uma mudança, mas não me parece uma análise suficiente. A composição do Djalma é em tom menor, fazendo com que a música pudesse ser tocada mais lentamente, dialogando mais com a tristeza da letra. O ambiente tem a ver também: estamos falando do carnaval, no desfile na Rua Halfeld, de um enredo que precisava conquistar a simpatia do público, de uma performance mais alta até para ser ouvida, de emoções que são compartilhadas, até de um desejo de superar a escola rival, a Turunas do Riachuelo… tudo isso dá outros sentidos para a canção”, aponta Rodrigo que dá ainda mais uma curiosidade sobre a composição. “Neste carnaval, o Mamão desfilou com 10 anos de idade. E é interessante pensar que essa dicotomia entre tristeza e alegria também é um traço marcante da sua música mais célebre, ‘Tristeza, pé no chão'”, conta o pesquisador, acrescentando que Mamão e Roger Resende estarão entre os músicos que se apresentarão nesta quarta, tocando, entre outras, claro, as duas músicas locais que fazem tão emblematicamente esta tabelinha entre tristeza e alegria.

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O evento é gratuito, e a programação completa pode ser conferida na página do Ressonâncias no Facebook, facebook.com/GPRessonancia . “Ressonâncias também quer conversar pra fora dos muros da academia, falar sobre música de um jeito que qualquer um possa entender, que qualquer um se interesse. A ideia é termos não só professores e estudiosos, mas qualquer pessoa que tenha vontade de conversar sobre música”, finaliza Rafael Saldanha.

Música e afetos

Nesta quarta-feira (6), às 17h, no Museu de Arte Murilo mendes (Rua Benajamin Constant 790)

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