Nenhuma periferia é um canto escuro. Há uma constelação que se espalha pelas margens e deixa as noites e os dias mais iluminados. Como os verdes olhos de Israel Alves Rodrigues, sua postura diante do mundo também é solar. Aos 22, o jovem de gestos firmes e discurso seguro (ainda que veja seu tremor ao ser entrevistado) é a resposta para uma das mais inquietantes questões: “Onde está o futuro?”. Sem titubear, o morador do Bairro Santa Cruz, Zona Norte da cidade, me mostra que os dias que ainda não chegaram está na generosidade das partilhas diárias. Está no que ele faz para se modificar e transformar o que está a sua volta.
Dançarino, integrante do grupo de hip-hop Remiwl Street Crew e articulador do programa Gente em Primeiro Lugar, desenvolvido pela Funalfa, Israel encontrou na arte o que a história oficial e seus desdobramentos não lhe apresentariam. “Tinha a necessidade de ser visto, ser notado. Sempre percebi que quem dançava não estava apenas reproduzindo os passos, mas algo que vai além, na roupa, no jeito de andar, nos gestos”, diz. “Escolhi o hip-hop porque ele me acolheu. Ele tem essa força com quem se sente periférico. Se eu não estivesse nesse universo hoje, já teria me perdido por aí. A maioria dos meus amigos que estudaram na mesma escola que eu, e passaram pela minha adolescência, ou está preso, ou já tem filho e precisa trabalhar, ou se perder.”
Ao fazer sua escolha, o jovem também se decidiu por fazer ecos. Ao lado do amigo Thiago Miranda de Oliveira, também dançarino e articulador, Israel coreografa o Remiwl Base, projeto que, mesmo novo, já alça voos altos. “Para os jovens, seguir uma carreira na dança é muito difícil. O caminho mais fácil está bem na porta. Daí, nosso desejo de levar a eles o que nos salvou, para salvar todos eles”, emociona-se.
Israel tem a convicção de que cedo se pode fazer mais. “O grupo que idealizou o projeto se chama Remiwl Street Crew e, este ano, completa dez anos. Esse grupo profissional sempre quis compartilhar a experiência com os adolescentes. Todos são da periferia da cidade. O Thiago, quem idealizou, tirou o projeto do papel no final do ano passado. Em três meses, conseguimos conquistar o terceiro lugar no Festival Nacional de Dança de Três Rios. Conseguimos reunir 34 adolescentes dos mais diferentes bairros, do Retiro ao Santa Cruz, passando pelo Caiçaras, São Benedito e muitos outros”, explica. Selecionado para o Festival Internacional de Hip Hop de Curitiba, o grupo segue, no próximo dia 9, para a capital paranaense. Os meninos e meninas de olhos brilhantes já conseguiram pagar alojamento e alimentação. Só falta o traslado, que os levaram para as ruas de Juiz de Fora, para pequenas apresentações. Em quatro intervenções pela cidade, eles já conquistaram R$ 2.300 dos R$ 7.900 para pagar o ônibus.
Ainda que faça cara de mau para as fotos e, na dança, se mostre sisudo, Israel transborda sensibilidade. Com botas beges e macacão marrom, ele estampa o hip-hop e sua essência generosa. Barbacenense, mudou-se aos 10 para Juiz de Fora, após a morte da avó, com quem sempre viveu. Veio para a casa da mãe, uma mulher com menos de 40, que chegou à cidade para encontrar oportunidades melhores e, assim, poder ajudar os que ficaram em Barbacena. “Não conheço meu pai, fui criado pela minha avó e minha tia. Meu espelho foram as mulheres”, conta Israel, que conheceu a dança dentro de casa. “Lembro da minha mãe sempre treinando os passinhos, que chamavam de break voador, para os bailes. Quando ela se casou com um cearense, na minha casa, tocava forró o dia inteiro, e eu dançava em todas as festas. Aos 13, conheci um grupo que se apresentou na minha escola, e achei o máximo”, recorda-se. Então, foi fazer um curso na escola do tal grupo. Em troca, limpava o espaço, até que a mãe pudesse pagar pelas aulas.
Ainda que seus dias sejam de muito trabalho – ele leciona nos bairros Caiçaras, Vila Montanhesa, Nossa Senhora das Graças, Mariano Procópio e Francisco Bernardino -, sobra entusiasmo para os ensaios dos grupos dos quais faz parte. Aos sábados e domingos, das 9h às 18h, segue para uma escola municipal do Francisco Bernardino, na Zona Norte. “Vivo a dança 24 horas por dia”, diz, sorrindo. E o que deseja viver?, pergunto. “Se conseguir ver que esses jovens do Remiwl Base tiveram um destino diferente do que a regra propõe já estarei satisfeito. Quero ser feliz e que eles sejam também”, prontamente responde. Insisto: O que você deseja viver? “Quero fazer educação física, que é a área mais próxima da dança que temos em Juiz de Fora. Quero estudar o corpo.” Israel não conhece a conjunção “ainda que”. Vai lá e faz.