Há quatro anos, Noubar Sarkissian, músico brasileiro, estava vivendo em Rennes, uma comuna Francesa na região da Bretanha, litoral oeste do país. Cursava mestrado em pedagogia musical junto a outros quatro franceses, Laura Aubry, Marie Tisser, Louise Aleci e Victor Ledoux, quando começaram a quebrar os limites de onde a música poderia alcançar. Chegavam em asilos, creches e hospitais com seus instrumentos acústicos, entusiasmo nas harmonias a cinco vozes e se apresentavam enquanto “músicos interventores”, criando arranjos próprios para canções tradicionais europeias, brasileiras e demais gêneros que absorviam para seus estudos.
“Música pro mundo”, assim nomeiam a proposta musical do grupo, que tem como base os cinco integrantes, mas que a cada turnê convidam artistas nativos dos lugares por onde passam para se unirem ao projeto. Em Juiz de Fora, apresentam-se neste sábado, às 20h, na Sociedade Filarmônica de Juiz de Fora.
Antes de se tornarem nômades musicais, reuniram composições criadas individualmente por Laura, Noubar e Marie, e gravaram o primeiro disco junto a “desarranjos” de clássicos, como “Feira de Mangaio”, de Sivuca e interpretada por Clara Nunes, e “Balamouk” (“Casa dos loucos”), dos franceses Les Yeux Noirs.
O EP homônimo lançado em 2016 é antecessor à experiência das turnês, porém antecipa a ideia juntando música da Albânia, Barcelona, França, Brasil em uma ciranda movimentada, passando os sons do percurso que imaginam traçar. Não havia a certeza de que conseguiriam se manter somente com a música, compraram um trailer, onde moravam, cozinhavam e viajaram pelos países da Europa do Leste, tocando em praças, ruas, centros culturais e teatros; do asfalto às montanhas e palcos. Suas músicas folk e gypsy carregam referências dos sons orientais influentes nesta parte do continente.
Na Suíça, apenas vendendo discos e tocando nas ruas, conseguiram captar o equivalente a R$ 3 mil por dia. Juntaram o que arrecadaram em uma semana e com essa quantia investiram na compra da Kombi que viajou com eles de outubro de 2016 a maio de 2017 25.000km da América do Sul. Nesta turnê, da Bahia à Patagônia, passaram duas vezes por Juiz de Fora, no início e no fim da tour, quando se apresentaram na Casabsurda 703. E é com o mesmo veículo que retornaram em abril deste ano para a atual turnê que se encerra em 24 de junho. Voltarão para a França tendo realizado em média 45 shows e pelo menos 20 oficinas focadas na questão do mestrado de ensino musical, passando por Argentina, Chile e Brasil. Quem os acompanha nesta turnê é o baterista Felipe Trez e o baixista Pedro Correa Abrantes Pinheiro, que levou o primeiro instrumento elétrico ao grupo composto por cavaquinho, violão e pandeiro tocados por Noubar, o acordeom de Laura, o violoncelo de Marie, o violino de Louise e o saxofone de Victor.
O que acontece no natural acaso
De Sul a Norte, eles chegam levando a música que os tocam profundamente, não têm a pretensão, nem mesmo a intenção, de tocarem como os nativos das regiões, Čao Laru está justamente nas intercessões, se alimentam dos violões dos trovadores, criam arranjos com a memória musical do que guardam de mais bonito na música mundial.
Na primeira turnê pela América do Sul nem mesmo planejavam voltar à Europa com um segundo disco, o “Kombiphonie”, produzido e gravado em um estúdio em Goiânia. As composições surgiam na Kombi enquanto revezavam o volante e os instrumentos. Laura perguntava: “Como se faz um baião?”. Noubar respondia do pandeiro. E ela experimentava os arranjos até chegar na quinta faixa do disco “Ô baião”, com o ritmo brasileiro na composição, mesclado ao gênero percussivo uruguaio candombe e a poesia francesa na letra. Na passagem pela Argentina, Noubar ficou encantado com os tangos e, de pronto, compôs uma homenagem àquela região criando “El Tango Paico”.
A faixa que abre o álbum, gravado em maio de 2017, após o período de sete meses viajando o Brasil, é “Del sur p’al norte”, homenagem aos andarilhos e viajantes que cruzam as estradas e também aos trovadores que vivem e se alimentam dos sons que captam no mundo. Uma perfeita apresentação de quem são. Por isso, o nome do documentário realizado por Isbela Trigo carrega o mesmo nome da faixa introdutória. A cineasta baiana entrou na Kombi e viajou com os músicos registrando até mesmo os momentos mais sutis e introspectivos de composição. Enquanto o primeiro disco havia sido um compilado de trabalhos individuais, o segundo tem um caráter de coletividade na criação. Inspirados por uma estrada de um horizonte que, enquanto não alcançam seu fim, continuarão compondo.
Isbela conheceu Noubar durante um intercâmbio na França. Quando vieram ao Brasil, começaram a turnê por Salvador e se hospedaram em sua casa. Ela, que além de trabalhar com cinema é cantora e compositora, começou despretensiosamente a fazer registros da Čao Laru. Quando iam seguir viagem pela América do Sul, sem planejar, viram que seria possível ela os acompanhar na turnê. De um dia para o outro, ela juntou o que precisava para ficar meses na estrada. “Meu estilo de filmagem é o de fazer o espectador se sentir ali dentro da Kombi, observando tudo, tomando exatamente o lugar de onde eu estava. Tentava captar as imagens às vezes sem ser percebida, mas nem tudo está ali, porque em alguns momentos eu estava sem a câmera e vivendo também a experiência”, conta Isbela, que lançou o documentário em alguns festivais e o disponibiliza em DVDs que são vendidos e projetados ao longo das turnês.
“Čao” é uma palavra de origem eslovena que significa “oi”, porém pouco importa sua origem, a ideia é que a pronúncia seja como “tchau” ou “ciao”, que em italiano é “olá”, brincando com as semânticas contraditórias entre aqueles que chegam e já partem, em um loop eterno de “encontros e despedidas” “on the road”. Já “Laru” representa a rua, a pronúncia em francês de “la rue”. Noubar conta que o maior aprendizado é sobre o convívio diário por meses, de saber perceber a hora que alguém precisa estar sozinho ou em silêncio, e também a sapiência de enxergar a música e a itinerância como um trabalho. Dividem os dias para que tenham dedicação diária nas composições, produção das turnês, divulgação dos shows e outras tarefas que permeiam suas rotinas. “Já somos tão privilegiados enquanto cidadãos pelo estilo de vida que temos e por sermos artistas, então busco enxergar este projeto menos como um sonho somente, mas realizando tudo no cotidiano como um trabalhador normal”.
A simultaneidade de sons diferentes vindos de um conjunto de vozes, muitas vezes não microfonado, e da peculiaridade do acordeom, violoncelo, percussões, baixo e violino, tece a harmonia rica e completamente orgânica de sete viajantes entregues ao infinito das criações musicais e dos mapas.
Čao Laru
Neste sábado (5), às 20h, na Sociedade Filarmônica de Juiz de Fora (Rua Oscar Vidal 134)