“Não apague a luz ainda”, que vou te contar a história do primeiro livro de Maria Aparecida Rezende Lacerda. A autora nasceu em Cataguases nos anos 1940, rodeada de arte, inspirada pela “Revista Verde” e os murais da cidade. Desde cedo, enquanto sua irmã fazia os exercícios de matemática para ela, retribuía escrevendo as redações da escola, “até cartinha para namorado eu já cheguei a escrever para ela!”, brinca. Cresceu admirando esse mundo de criação, sempre escrevendo, e em 2017 lança seu primeiro livro. O lançamento do livro ocorreu no último sábado (2), no Constantino Hotel. Seus livros de crônicas estarão sendo vendidos no local, onde também estarão expostas suas mais recentes pinturas.
Na escola, no anos 1960, o professor de português e literatura, Eli Barbosa, acreditava que Maria Aparecida poderia levar uma vida como escritora. Ela, achando bobagem, casou-se, foi viver no Rio de Janeiro, tomada pelas tarefas de mãe e dona de casa – mas sem parar de colocar seu mundo em poemas e prosas. A música, os festivais com Chico Buarque, Edu Lobo, Tom Jobim, e principalmente as letras de Vinicius de Moraes despertavam seu encanto.
Sua experimentação com as artes plásticas já foi vista em Juiz de Fora, onde expôs recentemente no espaço Excalibur. Foram os amigos que a incentivaram publicar seu primeiro livro. Não que isso já não fosse um de seus sonhos. Conta na introdução que demorou meio século para que levasse a sério as palavras de seu professor Eli. É também por isso que Cora Coralina é uma grande inspiração, “embora escrevesse desde cedo, só veio a publicar o primeiro livro depois dos 70!”.
Nos tempos de escola, era leitora de Carlos Drummond e J.G. de Araújo Jorge “poeta xodó das meninas naquela época”, conta. Também de Machado de Assis, Tomás Antônio Gonzaga, Castro Alves, Olavo Bilac e Gonçalves Dias, que considera ser leitura obrigatória. Além dos gringos A.J.Cronin, Somerset Maugham e Ernest Hemingway. Cecília Meireles é sua musa inspiradora, por sua “escrita delicada, romântica e sonhadora”.
“Eu rasgo, eu deleto, eu jogo fora”, disse ela à Gilberto Vaz de Melo, que escreveu um dos textos da orelha. Quando começou a mostrar seus escritos, principalmente poemas, nas redes sociais, recebendo elogios, foi percebendo que poderia publicar, oficialmente, o que escrevia. Gilberto foi um grande incentivador, “ele me descobriu”, conta ela. A partir daí, começou a levar mais a sério a ideia de começar a escrever livros. Tanto é que já tem pelo menos mais dois na gaveta.
Criação na madrugada
A escrita talvez seja o maior presente da autora. O cineasta David Lynch fala que as ideias são, sim, lindos presentes, que é preciso pescar, utilizando uma isca e um gancho. “E se você pegar uma ideia que você ama, é um lindo, lindo dia. E você escreve essa ideia para que não se esqueça disso (…) e em breve, você pode ter um roteiro – ou uma cadeira, ou uma pintura, ou uma ideia para uma pintura” (David Lynch). Considero que seja isso que Maria Aparecida faz como criadora. Pesca as ideias bem na hora e deslancha. O que, possivelmente, a faz perder o sono vira poesia e também prosa.
Todo mundo tem aquelas ideias na madrugada, e a preguiça de levantar faz a gente deixar para o dia seguinte e, então, perder aquele insight para sempre. Isso também aconteceu com ela, até que a insônia se tornou o motivo de seu próprio livro. “Por isso eu acabei ficando desse jeito, para não perder a oportunidade das coisas que vêm à minha mente durante a noite, eu já me coloco à disposição delas. Estou ali, pode vir a inspiração, podem vir as ideias, que estou pronta.”
Nas mais de 50 pequenas crônicas, Maria Aparecida não tem a intenção de fazer apologia à insônia, conta com agonia sobre as noites em claro e “a cama que mais se afigura um instrumento de tortura”, mas à medida que vamos lendo, ela mostra como foi lidando e aproveitando o tempo para criar. “Não é incentivando ninguém a ficar acordado fazendo coisas, mas é para mostrar que eu consegui fazer da insônia uma companheira, uma amiga. Vou fazer alguma coisa de útil nesse tempo, aí quando vejo o dia já clareou, os passarinhos estão cantando, e eu vou em frente.”