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Sim, eles usam saia

O artista plástico Flávio de Carvalho caminhou pelas ruas do Centro de São Paulo em 1956 trajando saiote
O artista plástico Flávio de Carvalho caminhou pelas ruas do Centro de São Paulo em 1956 trajando saiote
Cláudio Magno: “O conforto não é relevante para mim, até porque não acho tão mais confortável que uma bermuda. E ainda preciso ficar atento a coisas que não me preocupavam antes, como não sentar de qualquer maneira”
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Quando o artista plástico Flávio de Carvalho caminhou pelas ruas do Centro de São Paulo trajando saiote verde pregueado, meia calça arrastão e blusa amarela de náilon com mangas bufantes, em 1956, a intervenção batizada de “Experiência nº 3” foi considerada um importante ato político. Na ocasião, o artista modernista tentava discutir uma moda genuinamente brasileira.

Hoje, os homens que usam roupas consideradas femininas mantêm o viés político do ato, mas a preocupação vai além da moda: passa pela discussão sobre a identidade e o papel social dos gêneros. É o caso do psicólogo Cláudio Magno, de 23 anos, que há dois passou a adotar as saias em seu dia a dia. “Uso, acima de tudo, porque gosto da estética, acho que fico bem de saia. Mas também por uma questão política de contestação das normas de gênero que produzem o machismo e a discriminação a pessoas LGBT.”

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A primeira peça ele ganhou de presente de uma namorada. De traje restrito a festas e protestos políticos, a saia hoje acompanha Cláudio em momentos distintos: nas saídas à noite, como figurino durante as apresentações de sua banda e até na UFJF, onde trabalha no Núcleo de Pesquisas e Práticas em Psicologia Social, Políticas Públicas e Saúde (PPS).

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“O núcleo desenvolve, desde sua criação, pesquisa e extensão sobre temas de gênero e sexualidades, entre outros. Comecei, então, a questionar as normas de gênero a partir do contato com teorias e estudos feministas que conheci no Núcleo PPS.”

Cláudio ainda precisa lidar com olhares tortos, caras de espanto, piadas e comentários maliciosos. Principalmente porque os modelos que usa são aqueles considerados “femininos” e não as saias “masculinas”, como as usadas pelos escoceses. Mas hoje o preconceito dificilmente o incomoda. “De fato, eu nunca fui muito preso a paradigmas de qualquer tipo, gosto de estar sempre mudando e experimentando novos ‘visuais’. Portanto, perceber que eu poderia usar saia não foi difícil.”

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Estudantes universitários promovem ‘Terça de saia’

Estudantes promovem ‘saiaço’ na UFJF para debater questões sobre identidade de gênero

Nesta terça-feira (4), o Campus da UFJF teve a rotina alterada por um grupo de estudantes que abraçou a ideia de que saia pode cobrir o copo de qualquer pessoa. Eles atenderam ao chamado do Diretório Acadêmico Wladimir Herzog (DAWH), da Faculdade de Comunicação Social da UFJF, que convidou alunos e alunas a passarem um dia de saia, sem a preocupação de enquadrá-la como peça de roupa “feminina” ou “masculina”.

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Baseado no movimento “Pró-saia”, da Executiva Nacional de Estudantes de Comunicação Social (Enecos), o “Terça de saia” busca na vestimenta o símbolo para uma discussão maior sobre o papel dos gêneros. “As mulheres conquistaram o direito de usar calças ao longo dos séculos de luta feminista. E os homens, até hoje, não conseguiram usar a saia como uma roupa comum”, diz Mylena Melo, 20, membro do DAWH.

A proposta foi aderida por estudantes de comunicação, administração, filosofia e do bacharelado interdisciplinar em ciências humanas. Ao andarem pelo campus, os homens relataram ser alvo de olhares e até de xingamentos, mas também de elogios. O aluno de comunicação Vitor Vasconcelos, 22, foi xingado de “viadinho” e outras palavras ofensivas por um grupo de estudantes. Em retribuição, de forma bem humorada, mandou beijos para os rapazes.

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Pai de um garoto de 1 anos e 3 meses, Vitor já insere o filho em um modelo de criação menos sexista. “Se meu filho quiser brincar de boneca, ele vai brincar. Se quiser brincar de carrinho, ele também vai brincar. Não sou eu quem vai determinar isso para ele.”

Para o estudante de filosofia Denes Augusto, 23, a sociedade se esqueceu que atribuir a cor azul a meninos e a rosa a meninas, por exemplo, foi uma construção comercial do início do século passado. “A batina do padre não deixa de ser um vestido, mas nós estipulamos que aquilo remete ao sagrado e estabelecemos uma configuração de respeito. Porque a saia não pode fazer parte do vestuário do homem? Por que precisamos ficar sustentando os modelos que já foram impostos? Por que isso não pode ser desconstruído?”

Ao final da experiência, prevaleceu a esperança de que um dia a imagem de ver um homem de saia não seja tão chocante assim para a sociedade, muito menos para a comunidade acadêmica, que, em tese, deveria ser livre de conceitos previamente formatados. “É só uma peça de roupa. Nada mais do que isso”, diz o estudante de comunicação Túlio Mattos, 20, que já pensa em separar um espaço em seu guarda-roupas para as saias.

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