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Outras ideias com Paloma Moreira

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Paloma: “O julgamento quem faz é Deus. A criação que minha mãe me ensinou foi de respeitar as pessoas e os lugares” (Fotos: Leonardo Costa)
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Ao encontro da força com a fragilidade, Caetano Veloso deu o nome de “força estranha”. Como se mede o frágil? Como se quantifica uma fortaleza? Paloma Moreira usa cerca de 11 horas de seus dias, todos eles, lavando carros. Parada não fica. Varre a calçada, conversa com um, arruma uma coisinha ali, conserta outra aqui. À distância, parece absolutamente forte, com seu corpo magro e alto. Há mais de 20 anos exerce uma função que lhe exige braços firmes, mas também o capricho nos detalhes. Ali mora a Paloma e seus 45 anos em toda a sua delicadeza, o que se evidencia na mais ligeira troca de palavras. Sensibilidade que lhe conferiu popularidade no Bairro Santa Cecília, aprendida com a mãe que também lhe ensinou a urgência das lutas. “Trabalho de segunda a segunda, nos domingos e feriados. Herdei a luta da minha mãe, que morreu tem cinco meses”, emociona-se ao se recordar de Terezinha, a mesma que lhe estendeu a mão quando a Paloma lhe disse: “Eu existo assim!”. “Cada um tem um modo de viver. Você não pode criticar nem julgar ninguém. O julgamento quem faz é Deus. A criação que minha mãe me ensinou foi de respeitar as pessoas e os lugares. Quando ela descobriu que eu era homossexual, ela disse: ‘Paloma, eu, que sou sua mãe, te aceito, como os seus irmãos. Os outros te aceitam se quiser, desde que você respeite também'”, conta ela, sempre Paloma, mesmo antes dos 9. “Naquela época, um rapaz morava do lado da minha casa e eu gostava dele. Começamos a namorar. Mas sempre fui assim, desde criança. Minha irmã tem as fotos. Quando eu tinha 5 anos, minha mãe saía comigo, e ninguém falava que eu era menino. Diziam: ‘Nossa! Que menina bonita!’. Tenho bonecas de quando era criança. Nunca gostei de carrinhos.”

‘Por isso é que eu canto’

É manhã de quinta-feira, e Paloma aguarda o primeiro dos costumeiros três ou quatro carros do dia. Está diante da pequena loja na Rua Melo Franco, onde guarda o material para lavar os veículos na rua. Pessoas vão e voltam sem deixar de cumprimentar a lavadora de carros. “Conta para ele, Selminha, sobre a relação com minha mãe!”, pede Paloma à moradora do bairro. “É um amor verdadeiro de mãe e filha. A Paloma merece todo o respeito. Está sempre ajudando as pessoas, trabalhando muito”, conta a amiga. Um empresário vizinho passa, e Paloma diz da entrevista, com orgulho. “É daquele quadro que mostra as personalidades? Sabe que pensei que a Paloma tinha que aparecer nele?!”, sugere. Fatalmente, a conhecida mulher é símbolo da resistência que faz a engrenagem da vida. “Tive muitos aborrecimentos, fui vítima de muito preconceito e discriminação. Estudei até a oitava série, aí comecei a fazer faxinas. Trabalhei por dez anos num edifício, com carteira assinada. Tive que parar de estudar porque meu pai não tinha condições de comprar as coisas. Ele era uma pessoa boa, mas não me aceitava. Não usava cabelo comprido por causa dele, que pagava para eu cortar, mais curto, raspado do lado. Mas já me assumia antes de ele morrer, há 22 anos.”

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‘Não posso parar’

Nos tempos de emprego formal, Paloma apaixonou-se. “Ele frequentava a minha casa, minha mãe tinha ele como filho. Sempre com respeito. Não uso saia, nem vestido. Não porque não goste, mas por respeito a ela. Então, esse rapaz, eu era apaixonada por ele. Um dia minha mãe falou assim: ‘Quero te dizer que se você gosta dela, veja o que quer, porque aceito você e ela, mas e a sua mãe?’. Dito e feito. A mãe dele descobriu e infernizou minha vida por um mês. Eu não podia sair de casa, porque, se ela me visse, fazia escândalo. Uma vez ela arrumou oito caras para me bater na rua”, recorda-se do episódio no qual recebeu ajuda de um porteiro para se livrar da surra. “Entrei em depressão e abandonei meu emprego. Abandonei tudo, não comia, só chorava”, traz à memória, com lágrimas nos olhos, dizendo a insistência da mãe para que se reerguesse. “Ela me jogou para a vida de novo. Me deu a vida duas vezes: quando me botou no mundo e quando não me deixou morrer de tristeza. Muitos queriam ter a mãe que tive.”

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‘Por isso essa voz tamanha’

No mesmo mundo que lhe apresentou a exclusão, ela conheceu a solidariedade. “A gente conquista as pessoas nas mínimas coisas. Com respeito e confiança. Tenho uma cliente que todo dia deixa pago um salgado para mim na padaria. Quando meu aspirador queimou, outra cliente comprou um novinho no cartão dela. Tenho amigos que gostam muito de mim”, afirma Paloma, nascida em São Lourenço, cidade onde a mãe trabalhou por um curto tempo e logo voltou para a Juiz de Fora na qual criou os oito filhos. “Perdi uma irmã de 34 anos para o suicídio e outra, com 44, para o câncer, como a minha mãe”, diz, entristecida. “Meus desafios da vida quem sempre ajudou foi minha mãe. Morávamos eu, ela e meu irmão. Quando ela adoeceu, abandonei minha casa. Por enquanto estou na casa de uma amiga. Não consigo aceitar a morte dela”, emociona-se ela, que durante todo o dia ouve músicas e não gosta muito de TV. Sonhos? “Meu sonho é ir embora daqui. Para Búzios”, responde, para logo completar com o sonho da mulher na qual fez seu melhor reflexo. “O sonho da minha mãe era que eu arrumasse minha boca. Infelizmente não consegui ainda. Gosto de sair arrumadinha, com a unha pintada, brinco”, diz ela, que já cogitou fazer a cirurgia de redesignação sexual (vulgarmente conhecida como mudança de sexo). Não pensa mais. É Paloma e será sempre, uma mulher com uma admirável “força estranha”.

“Gosto de sair arrumadinha, com a unha pintada, brinco”, diz Paloma, uma mulher cheia de força e fragilidade
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