
O bailarino e coreógrafo juiz-forano Hugo Santiago Lopes começou a sua trajetória fazendo ginástica de trampolim na Recrear, no Clube Bom Pastor. Naquela época, ele não poderia imaginar que, hoje, aos 29 anos — perto de fazer 30 — estaria levando a dança contemporânea para as atletas do Flamengo. E que seria responsável pelo ouro, na Copa do Mundo de Ginástica da Eslovênia, pela coreografia feita para Júlia Coutinho da música “Maria, Maria”, de Milton Nascimento. Essa é mais uma das conquistas que ele, que segue com a carreira de bailarino, acumula em todos os anos de muita dedicação e profissionalismo. Com domínio técnico nas duas linguagens, ele não só conseguiu unir suas paixões, mas trazer a sua “cara” para um trabalho que atinge diversas pessoas.
Quando Hugo começou a competir, ainda em Juiz de Fora, foi para a Academia de Comércio, e fez parte do ciclo de atletas de Wanderson Zambeli. “Ele (Wanderson) sempre me incentivou a fazer dança para que eu fizesse audição pro Circo de Soleil. Eu fazia vários movimentos que via as ginastas e as bailarinas fazendo, sem fazer aula de dança nenhuma. Quando ele viu que eu conseguia fazer números de dança de olho, sem aula, ele procurou uma amiga que trabalhava na Corpus.” Naquele momento, ele ganhou uma bolsa para estudar na escola de ballet e passou a se dedicar a essas duas expressões. Em 2015, no entanto, ele teve uma lesão no joelho, em que rompeu os ligamentos, e precisou deixar a ginástica de lado. Mas não antes de se tornar o Bi campeão Mineiro de Tumbling 2006/2008, Campeão Brasileiro Elite Tumbling de 2013 e ser finalista Pan Americano no México em 2012.
Com cada vez mais pessoas percebendo seu talento e sinalizando que ele tinha futuro, Hugo se mudou para o Rio de Janeiro em 2017, quando fez sua formação em dança contemporânea. “Perto da pandemia, um amigo meu, que já conhecia da ginástica do Flamengo, me chamou para dar uma aula de dança para as ginastas. Estávamos na construção híbrida de aulas. Eles adoraram e começaram a me convidar mais vezes, para fazer séries.” Foi assim que ele começou a ligação com o Flamengo e passou a introduzir ali as técnicas de dança contemporânea, que estavam sendo mais reconhecidas pela Federação Internacional de Ginástica em função da demanda por uma abordagem mais artística das atletas. “Nós temos um gingado e uma brasilidade diferentes, uma alegria mesmo no nosso movimentar. No nosso ser. (…) Isso tem sido um diferencial, porque estamos saindo dessa formalidade apenas clássica das coreografias, que o Brasil já fazia bem, para agora essa técnica contemporânea, com um olhar mais fresco.”
Isso tudo foi sendo feito enquanto, paralelamente, seguia com seu trabalho como bailarino. “Não vou falar que é fácil, porque são olhares diferentes. Enquanto estou dançando e pesquisando movimentos, estou tendo uma atuação que dependo do olhar do outro ou de ninguém. Mas quando estou coreografando, já sei onde quero chegar, preciso trazer isso pronto.” Recentemente, ele passou um mês na Europa com a companhia Deborah Colker, e em seguida chegou no Brasil pronto para gravar um comercial da cerveja Corona, em Sergipe, que foi exibido nos telões no dia do show da Lady Gaga. E não pretende parar: “Eu vou fazer 30 anos, e ainda existe muito esse estigma de que, no Brasil, a carreira do bailarino acaba cedo. Obviamente, por uma questão de potência muscular, um bailarino de 20, 30 anos tem uma potência física que um de 50 não tem. Mas um bailarino de 50 tem uma história de vida, uma maturidade e um peso no movimento que um bailarino de 20 não tem”, acredita.
Coreografia: a cara do Brasil
Um de seus trabalhos mais recentes foi a construção da coreografia de Júlia Coutinho para a Copa do Mundo de Ginástica na Eslovênia. Ele já planejava, junto com o técnico, que a música fosse “Maria, Maria” que, como entende, tem um significado especial para os mineiros — mas tinha suas dúvidas sobre como fazer isso. “É uma música muito forte, que mexe muito com o imaginário do brasileiro. Ficava na dúvida se a ginasta conseguiria carregar a música ou se seria engolida por ela. Quando conheci a Júlia, ela me cumprimentou e abriu um sorriso lindo, e já vi que ia dar certo.” E foi assim, com meses de trabalho, que ela conquistou o ouro.
Para isso, eles passaram a se questionar juntos: “Quais são as Marias do Brasil, quem é a Júlia? A minha ideia com o solo era como se ela usasse uma grande saia folclórica, e para trazer essas ferramentas pedia para ela imaginar que a saia era o Brasil inteiro, e que ela estaria carregando o Brasil inteiro. Trouxe essa questão do empoderamento feminino para ela, e ela faz parte de uma geração que entende e já tinha um entendimento diferenciado sobre essa representatividade da mulher preta”. Mas o desafio não foi só esse, até porque, por trás do conceito, era preciso pensar em como o corpo representaria isso. “O contemporâneo é a atualidade, o que vivemos agora, o fresco. Conversa com o presente e tem uma sintonia muito forte com o que está acontecendo. Diferentemente das outras danças, a dança contemporânea não foi formatada, é a interferência de inúmeras formas de se movimentar.”
Dança como questionamento
Com toda essa carreira como bailarino e coreógrafo, ele entende que esse é o espaço em que consegue expressar e também elaborar quem é e quem quer ser. É um lugar etéreo, mas ao qual ele tenta dar forma. “Eu sou muito curioso. Tenho muitas questões, como todo artista. Consigo colocar todos esses questionamentos dentro da arte, seja com uma ginasta, uma bailarina ou eu mesmo dançando. O que me interessa é o novo, o que eu posso fazer e acrescentar. Sempre tento descobrir o que tem de diferente a seguir, a fazer daqui pra frente.”
Além de também já estar trabalhando com a própria companhia, com bailarinas formadas por ele, e por ter muitos outros projetos em vista, ele garante que seu trabalho vai continuar a investigar e trazer essas abstrações para o movimento. “Não me interessa, como coreógrafo, passar uma mensagem ‘dois mais dois é quatro’. Eu gosto de criar um movimento e que ele gere outros questionamentos, outros pensamentos para as pessoas”, finaliza.