Para a arte ser acessível a todos, é necessário mais que um espaço bem localizado, confortável, seguro, com boa estrutura e acessibilidade como rampas e espaço para cadeirantes. Foi o que mostrou, por exemplo, o espetáculo “Ninguém mais vai ser bonzinho”, exibido no Teatro Paschoal Carlos Magno em 26 de abril, que contava com nada menos que dez recursos para pessoas com deficiência. Mas a preocupação com esse público vai além, como mostram o curta “Móbile Haikai”, produzido em Juiz de Fora, e o espetáculo de dança “E a cor a gente imagina”, de Belo Horizonte. Ambos poderão ser conferidos neste final de semana no Espaço OAndarDeBaixo, que realiza no sábado (5) e domingo (6) o evento “Arte do afeto”, em que as duas atrações contam com recursos de acessibilidade. Além das apresentações, o espaço também será aberto para três oficinas, sendo que todos os eventos têm entrada franca.
No sábado, às 9h30, haverá oficina de sensibilização corporal com o bailarino Oscar Capucho, que é deficiente visual, com a utilização do recurso de audiodescrição. O objetivo é aguçar os sentidos além da visão e trabalhar a espacialidade através de elementos da dança e do teatro, e por isso as pessoas videntes (com capacidade de visão) utilizarão vendas. Já o espetáculo “E a cor a gente imagina” será apresentado às 20h, sendo que as senhas começam a ser distribuídas uma hora antes. A apresentação, que além de Oscar Capucho conta com o bailarino e coreógrafo Victor Alves, utiliza a dança e a crônica poética para responder às perguntas às quais os cegos são submetidos, dialogando sobre as diferenças e as relações entre o corpo que enxerga e o corpo cego num mundo em que o visual é predominante. Para o espetáculo, serão disponibilizados os recursos de audiodescrição (AD) e Legendagem para Surdos e Ensurdecidos (LSE).
No domingo, às 9h30, Victor Alves vai ministrar oficina de expressão corporal no Espaço Estação Cultural, na Praça da Estação. Mais tarde, às 16h, n’OAndarDeBaixo, Lilian Werneck, Patrícia Almeida e Ana Carolina Durante realizam a oficina de acessibilidade na produção audiovisual, com a utilização de audiodescrição e LSE. Elas vão falar sobre a preocupação da acessibilidade no audiovisual. “Não será uma oficina prática, e sim uma roda de conversa para troca de conteúdo com todo o público, explicar como foi produzir o filme com foco na acessibilidade”, adianta Lilian.
Amor em todos os sentidos
Depois da oficina, será feita a exibição, às 19h, de “Móbile Haikai”, produção que recebeu o apoio da Lei Murilo Mendes e que ganhou no último final de semana o prêmio de melhor média-metragem do júri oficial do festival TP Cine, realizado em Três Pontas, além de uma indicação a melhor roteiro. Na história, duas mulheres (interpretadas por uma atriz com deficiência visual, e outra com deficiência auditiva) se apaixonam e desenvolvem uma relação marcada pelas mais diversas sensações. Foi a primeira produção audiovisual da cidade feita com os recursos de audiodescrição e Legendagem para Surdos e Ensurdecidos. A classificação indicativa é de 14 anos.
“Não tinha sentido fazer um filme que retratasse personagens em que o público não pudesse se sentir retratado. Procurei saber quais são as especificidades dessas pessoas, e a partir dessa pesquisa procuramos inserir os recursos (AD e LSE) depois do filme já gravado, para retratarmos com mais realidade essa história”, conta Lilian, acrescentando que para a exibição de domingo foram contratadas duas intérpretes de Libras (Linguagem Brasileira de Sinais), que também trabalharão na oficina. A ideia é também inserir, no futuro, o recurso diretamente no filme.
Inserção e imersão de um novo público
De acordo com o organizador do evento, Vinícius Cristóvão, a “Arte do afeto” surgiu de uma preocupação sua de fazer a arte chegar a um maior número de pessoas, e que acabou por atrair artistas com preocupações parecidas. “Foi dessa forma que chegou até mim o trabalho do Victor Alves, que procurava um local para se apresentar em Juiz de Fora. Isso despertou nossa preocupação da arte alcançar mais pessoas, e vimos a oportunidade de fazer algo mais. Lembrei do curta metragem da Lilian Werneck, em que trabalhei como ator e preparador de elenco, e resolvemos convidar os dois e criar esse evento. Montamos um final de semana que ocupasse o espaço com uma reflexão sobre a acessibilidade, incluindo aí as oficinas, a fim de juntar informação com as atrações.”
Para Vinícius, é primordial que as expressões artísticas se adaptem a essa nova realidade da inclusão, um desafio que ele tem considerado também um grande aprendizado. “Temos inicialmente a questão da consciência, de virar essa chave e inserir a acessibilidade nos espetáculos, gostaríamos muito que este se tornasse um evento anual. Inseri-la significa também trabalhar a concepção da própria arte. E pensar mais nessas questões de forma prática, pois audiodescrição e Libras geram custos e são coisas que não costumamos colocar nas rubricas dos projetos”, lembra. “E é algo que precisamos ter, é determinado por lei.”
Lilian Werneck reforça, por sua vez, a importância de tornar os produtos culturais mais acessíveis. “Como é uma produção com o apoio da Lei Murilo Mendes, já é mais que importante termos um retorno. E queremos oferecer essa contrapartida num nível mais acessível para todos os públicos, e OAndarDeBaixo nos oportunizou esse encontro. Quanto maior a acessibilidade, maior o público que pode assisti-lo, senti-lo, permitindo que cada um possa ter um filme só seu. Esperamos, assim, que os demais artistas tenham a preocupação de pensar na acessibilidade, seja com um filme, um livro. Qualquer tentativa de tornar a arte mais acessível é válida.”
Arte do afeto
Neste sábado (5), às 20h, espetáculo de dança “E a cor a gente imagina”, e no domingo (6), às 19h, exibição do curta “Móbile Haikai”, no espaço OAndarDeBaixo (Rua Floriano Peixoto 37)