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‘Existimos, insistimos e resistimos’

travesti cultura
Sheila Verríssimo foi a última miss coroada pelo concurso em 2013 (Foto: Divulgação)
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Em plenos anos de chumbo, Juiz de Fora peitava o conservadorismo e a repressão da ditadura militar realizando o Miss Brasil Gay, um escândalo para o reacionarismo dos idos dos anos 1970. Por décadas a fio, o concurso alavancou a cidade a seu pioneirismo em ações LGBTTI não apenas como lazer e entretenimento. Com a disputa de beldades, vieram iniciativas como o Rainbow Fest e a Parada Gay, que transformaram os dias do evento na versão juiz-forana da Semana do Orgulho Gay. Além disso, a realização do torneio de misses sempre teve importante papel político, tendo realizado ações conjuntas com o Movimento Gay de Minas (MGM) e sido relevante para a aprovação da Lei Municipal nº 9791 de Juiz de Fora, a “Lei Rosa”, de 2000, que proíbe a discriminação da população LGBT na cidade. Mas Juiz de Fora parece ter voltado para o armário. Desde 2013, última edição do concurso (e também em 2012 quando não houve Miss Gay), os tons deste arco-íris fortalecido ao longo dos anos foram se desbotando. A boa notícia é que a explosão de cores já têm data para voltar à cidade: 19 de agosto de 2017.

Segundo os produtores André Pavam e Marcelo do Carmo, a realização da 37ª edição do concurso só será possível porque houve uma sinalização de verba por meio de uma emenda parlamentar da deputada Margarida Salomão, viabilizando o Miss Gay entre um dos projetos de extensão da UFJF. “Sem dinheiro, não adianta ter vontade, e a gente sempre fez o Miss Gay na raça, batendo de porta em porta. Mas achávamos também que ‘o sonho de ser miss’ era algo de gerações passadas, mas está vivíssimo! Foi só postar na página do evento (Facebook/Miss Brasil Gay), que começou uma movimentação imediata no país inteiro. Mesmo após três anos, a representatividade do evento é gigante”, conta o consultor Marcelo.

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Para a última coroada pelo evento, Sheila Veríssimo, encerrar o longo reinado não é motivo de tristeza, pelo contrário. “A Miss Brasil Gay só existe se houver o concurso e vai além de eleger o transformista mais bonito do Brasil. É um movimento de resistência, de enaltecimento da arte e da cultura gay e de um pensamento pró-diversidade”, opina. Para André Pavam, o retorno em 2017 não podia ser mais oportuno. “Estamos vendo um avanço da bancada evangélica, do conservadorismo, do pensamento reacionário. Ninguém é obrigado a gostar de gay, mas respeito é obrigatório a qualquer pessoa. Voltar com o Miss Gay agora é dizer, para quem comemorou a ausência do concurso: Nós não fomos a lugar algum. Estamos aqui e existimos, insistimos e resistimos.”

“Queremos voltar para casa”

Os produtores André Pavan e Marcelo do Carmo estão animados com a receptividade nacional que o evento ainda possui ao ser divulgado sua volta (Foto: Fernando Priamo)

Coordenador artístico da empreitada, André Pavam acrescenta que ainda não há local definido, mas que a intenção é sediar o desfile de candidatas no Sport. “Queremos voltar para casa. O (Cine-Theatro) Central elitizou um pouco o Miss Gay, apesar de tê-lo tornado mais glamoroso. Ficou mais concurso e menos festa, perdeu-se o desfile secundário – maravilhoso por sinal – do evento: o do público, nas mesas abaixo do palco. E queremos resgatar isso.” Segundo ele, o impasse se deve ao fato de o salão nobre estar interditado pelo Corpo de Bombeiros, que solicitou diversas intervenções para adequação para reabertura do espaço. Procurada pela Tribuna, a presidência do Sport não se manifestou até o fechamento da edição.

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Também no sentido de democratizar o concurso, os ingressos serão vendidos a preços populares e/ou com troca de donativos. “Um evento voltado para uma minoria não pode ser excludente. De que vale o Miss Gay se ficar de fora o homossexual pobre, de periferia, e que não tem acesso a outros eventos LGBTTI? Perde o sentido”, questiona Marcelo do Carmo.
Mesmo que ainda não tenha casa, a disputa deste ano já tem tema: “Masculino e feminino: a arte do transformismo” que, para os organizadores, é mais atual do que nunca. “As linhas entre identidades de gêneros estão cada vez mais fluidas, e isso está na mídia o tempo todo: em RuPaul’s Drag Race (disputa de drag queens na TV fechada, no programa “Amor e sexo” da Rede Globo, que dá voz a drags, travestis, transexuais, gays, lésbicas, enfim… as pessoas estão vendo, conversando sobre”, diz André Pavam. “Com o empoderamento das identidades trans, pensávamos que não haveria mais interesse em discutir o masculino e feminino em um só corpo. Mas a quebra de estereótipos e o desejo de ter identidades transitórias e ausentes de rótulos só fortalecem o Miss Gay, especialmente no tema deste ano”, completa Marcelo.

‘Ou faz do tamanho que é, ou não faz’

Segundo André Pavam, a maior dificuldade em se conseguir recursos para o Miss Gay é a grandiosidade do evento. “É gigante aqui em Juiz de Fora, em infraestrutura: som, luz, decoração, logística para as participantes e excursões de turistas, enfim, a festa no dia que acontece. Mas nossos esforços começam muito antes, no contato com os coordenadores de cada estado, nas seletivas que elegerão a miss que os representará na etapa nacional. É um evento que mobiliza o país inteiro”, afirma o coordenador artístico, destacando que mais cinco estados participarão da disputa no retorno do evento. Segundo Marcelo do Carmo, esta grandiosidade inerente ao concurso foi um dos motivos pelo hiato de quatro anos. “Ficamos sem fazer, porque não queríamos diminuir o Miss Gay, não dá para fazer uma festinha com mesinhas. Ou faz do tamanho que é ou não faz.”

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Marcelo aponta também que, ainda em 2017, há muito preconceito em associar uma marca ou iniciativa como apoiador do Miss Brasil Gay. “Até a última edição, era difícil encontrar um empresário que quisesse estar no nosso material de divulgação, aparecer como patrocinador mesmo. O concurso é muito bem-visto e recebido, mas sempre foi muito difícil encontrar quem de fato o financiasse e assim ficasse associado a ele”, diz o organizador. Ele acredita, entretanto que o fortalecimento do movimento LGBTTI pela mídia e pelas redes sociais pode ajudar a mudar este cenário. “Ainda não sabemos, mas acho que este interesse pela cultura gay como um todo e a resistência podem abrir portas.”

André afirma que, além de patrocinadores, a organização também está tentando parcerias com a iniciativa pública, sobretudo com a Prefeitura. “É um evento que movimenta muitíssimo o turismo, mas também pode ter ações de saúde, educação, é possível pensar em diversos caminhos para concretizar o apoio público. Estamos, inclusive, em diálogo com a Funalfa, que sinalizou interesse até em ampliar as ações para além do Miss Gay em si, mas nenhuma ação concreta foi tomada ainda.”

A Funalfa, por meio da assessoria de comunicação da Prefeitura, confirma que foi procurada e está conversando com os organizadores sobre o evento.

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