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Knorr viabiliza livro pela segunda vez com financiamento coletivo

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Em novo livro, poeta Knorr une natureza e memória. (Foto: Fernando Priamo)

A natureza do poeta

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“Tenho palavras/ escondidas/ nos buracos dos barrancos./ pego um graveto,/ cutuco lá dentro/ e vejo meus versos/ saírem todos assustados/: a surpresa é pura poesia”. A delicadeza que o poeta Knorr evoca na cena em que regressa à curiosidade da infância diante do mistério da terra perpassa todo o livro “Tongó”, um conjunto de sensíveis retratos da subjetividade que se esgueira natureza adentro. “Gosto de fotografar pássaros ou insetos. Quando não tinha passarinhos eu ia caçar insetos. Tinha dias que não tinha nenhum dos dois e eu ia fotografar flor e outros elementos da natureza. Minha relação com a natureza sempre foi muito forte, desde criança. Vivi no meio do mato, brincando na terra”, conta o escritor, que também retorna no tempo de pés descalços. “Minha família toda é de São João Nepomuceno. Sou o único nascido aqui, mas passei boa parte da minha vida lá, porque a gente saía toda sexta-feira daqui e voltava domingo ou segunda. Minha avó morava lá. Eu me considero um terço juiz-forano, outro terço são-joanense e ainda tem meu outro terço, que é Santos. Minha irmã mora lá desde que eu era criança. Ela se casou, mudou, e eu passava as férias lá, onde eu vivia mais ligado ao mar e aos parques”, lembra.

Tongó, portanto, é o nome de um morro de São João Nepomuceno, onde no período colonial se reunia o conselho de anciãos dos escravos, funcionando como um quilombo, cuja maior lenda é servir de endereço a um tesouro nunca encontrado. Tongó também é o nome de uma fabriqueta de brinquedos de madeira que o pai de Knorr teve com o irmão. Tongó, ainda, é o sítio em Juiz de Fora, propriedade do cunhado até outubro passado. “Tongó é um pedaço de terra, um sítio, uma gleba, uma fração do planeta Terra que foi minha por inúmeras vezes quando somente eu o habitei. Mas nunca fui dono, nunca… Não sou homem de posses, e o que guardo por ser meu são as heranças das palavras que criei e contemplei por lá”, escreve Knorr na abertura do livro. Quando fazia a mudança de despedida do sítio onde escreveu o livro, o poeta encontrou um Bicho-pau. E fotografou. O inseto se assemelhava às peças artesanalmente fabricadas pelo pai e pelo tio. Estava pronta a relação estampada na capa da obra. “É um nome sonoro, uma palavra de origem africana que quer dizer bobo, avoado, que reflete bem nosso estado de contemplação quando vê um bicho”, diz.

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LEIA KNORR

aos besouros,
a impossibilidade do voo.
e a impensável estética
de suas formas
e a impublicável harmonia
de sua caminhada.

aos besouros,
as possibilidades que não tenho.

Saudades do Tongó

“Ainda é muito doloroso para mim a perda do Tongó (o sítio). No mínimo uma vez por semana eu ia lá, nem que fosse uma horinha. Meus livros estavam guardados lá. Houve três assaltos lá e levaram tudo, menos meus livros. Essa é uma forma de eu suprimir um pouco dessa dor, que vivi e ainda vivo. Não voltei lá mais, apesar de ele ter sido vendido para um parente”, afirma o escritor, que carrega para os versos toda a genuína emoção que o lugar lhe despertava. Sem afetações. Pelo contrário, numa contenção sutil. “O voo/ é um argumento/ indiscutível/ para/ a existência/ do céu”, escreve na página 49. “Tongó” é, sobretudo, um encontro com o estado de poesia de Manoel de Barros. Com sua generosidade para a pequenas coisas. “Desde que descobri o Manoel de Barros sempre gostei muito. Já li tudo dele”, conta Knorr, referindo-se ao autor mato-grossense que lhe escreveu uma carta em 1990, após receber seu “Narcisos”, livro que reeditou no ano passado.

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Reconhecido por suas estratégias visuais – Knorr também é designer -, o poeta utiliza-se dos recursos em poucos textos. Na maioria das páginas ele se alinha aos versos livres, curtos e precisos. “É um pé na reflexão, nesse dilema do que é, do que vai ser e de onde viemos, e outro pé na natureza”, resume o autor. “Não só amei esse livro, como gostaria de tê-lo escrito. Sem a pretensão de carregar tanta delicadeza, sensibilidade,
singeleza, esperança e ternura. Ninguém será o mesmo, depois de viajar nas palavras doces e certeiras, que aqui relatam o arco-íris das nossas vidas”, escreve, na orelha da obra, o cantor e compositor Paulinho Pedra Azul, autor do popular refrão “Bem-te-vi, bem-te-vi/ andar por um jardim em flor/ chamando os bichos de amor”. “Se esse livro tivesse uma trilha sonora, seria do Paulinho Pedra Azul. Ele é arte pura”, elogia Knorr.

LEIA KNORR

preferi sempre
a brevidade das lagartas
e a incerteza
do canto das cigarras.
o que foi instante em mim
se eternizou.

meus sentimentos
guardados em possibilidades.

Knorr, poeta e designer gráfico, lança “Tongó” com apoio de seus leitores, por meio do financiamento coletivo Catarse. (Foto: Fernando Priamo)

Um livro nascido do sim

“Tongó” é fruto do sim de mais de cem leitores, que contribuíram para que o projeto homônimo, hospedado no portal de financiamento coletivo Catarse, se tornasse realidade. “Quando fiz esse livro, falei que era o último que escreveria. Está cada vez mais difícil, com cada vez menos pessoas querendo ler. Publicar está difícil. A Lei Murilo Mendes parou e já se aponta para outra forma. A Lei era uma senhora ferramenta para a gente publicar. Tinha abusos, mas era uma minoria”, comenta o escritor, cuja bibliografia já reúne 15 títulos, cinco deles num mesmo formato, com bichos estampados na capa.

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O plano de Knorr é inteirar sete volumes do que considera um conjunto. Pela segunda vez consecutiva, o escritor tem como editores os próprios leitores, feito raro num país que vê dia após dia agravar-se a crise no mercado editorial. “Daqui a dois ou três anos, encaro outro projeto de novo”, ri ele, que para o novo livro alcançou mais de cem apoiadores, extrapolando a verba solicitada. Ainda que as perspectivas não sejam as melhores, como o bom poeta que é, Knorr não se ancora na desesperança, apenas. Tem dois livros já iniciados. “Um vai se chamar ‘O livro dos pecados’, e eu vou escrever sobre cada pecado. O outro seria ‘Poemas médios’, já que já fiz o ‘Poemas mínimos’. Tenho ideias de livros infantis, dois estão praticamente prontos. Estou tentando uma editora em São Paulo, mas a crise está feia”, lamenta, diante da inevitabilidade da escrita, semelhante à inevitabilidade da natureza. Não à toa Knorr abre seu “Tongó” assim: “desde pequeno/ verbalizo o mundo./ quando sinto/ que estou por parir/ alguma palavra,/ sempre digo/: alguma coisa me árvore”.

 

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LEIA KNORR

e se o rio que me inspira
fosse corrente
e correnteza
de tudo que se esvai em mim?

eu acalento as águas
e vivo e partilho com elas
todos os meus estados físicos.

eu perdoo o assassinato de uma nuvem
desde que se salve
o pretexto da chuva.

 

TONGÓ
Lançamento do livro de Knorr, nesta quinta-feira (4), às 19h30, no Espaço Excalibur (Rua São Mateus 265 – São Mateus)

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