Miguel Henrique Martins de Freitas, 13 anos, queria um celular. A mãe, Vanusa Aparecida Martins de Freitas, 52, taxativa, então disse a Miguel que lhe venderia o próprio, por R$ 100. Como contrapartida, entretanto, Miguel, para ganhar uns trocados, deveria lhe ajudar em funções pequenas, essas artesanais, do trabalho na fábrica de malhas da família que o avô, por orgulho e consideração, mantinha, junto aos filhos, de pé até há pouco tempo. O garoto, até outro dia acostumado à rotina de aulas presenciais do “Gente em primeiro lugar”, projeto capitaneado pela Funalfa já há mais de dez anos no Centro Cultural Dnar Rocha, passou a auxiliar a mãe na feitura de tiaras, acessórios para cabelo e peças em feltro, em casa, no tempo ocioso entre os compromissos virtuais na Escola Estadual Professor Quesnel.
Mas o celular de Vanusa já estava velho. A mãe, então, propôs a Miguel que juntasse dinheiro para comprar um novo. “O que Miguel queria era de R$ 1.400”, pontua Vanusa. Ele aceitou. O pai o ajudou com algo entre R$ 100 e R$ 200, e uma tia, com R$ 400, detalha Miguel. Em novembro, a meta, que era comprar o celular apenas no Natal, já havia sido alcançada. Mas o estudante do oitavo ano terá que ter com o violino emprestado, na última sexta-feira (26), pelo “Gente em primeiro lugar”, para aulas virtuais, o mesmo cuidado que tem com o celular recém-comprado. Até mais. “O arco tem que ser sempre guardado aqui”, aponta para o estojo a coordenadora de Música do projeto Pâmela Fernandes, que, junto a Onély Teixeira, coordenadora-geral, foi quem entregou o violino a Miguel. Desde a última semana, a Associação Cultural Arte e Vida, gestora do projeto mantido pela Prefeitura de Juiz de Fora (PJF), cede violinos por empréstimo aos alunos.
Quando a pandemia interrompeu as atividades presenciais do “Gente em primeiro lugar”, Miguel havia feito apenas cinco, seis aulas. “Eu estava tendo aulas de violino há mais ou menos 15 dias. Eu tinha aprendido a tocar uma música, mas já esqueci. Só lembro que, para fazer uma nota, tinha que colocar a mão na corda às vezes.” O garoto, que mora no Bairro Monte Castelo, já está no projeto desde 2017, mas se interessou pelo violino há pouco tempo. “Acho bonito o violino, acho bonito o som do violino. Não acho tão complicado.” Logo quando Miguel iniciou as aulas, Vanusa pensou em fazer uma rifa para ajudá-la a comprar um violino para o filho, ideia da qual ainda não desistiu.
Leãozinho
Desde que participa do “Gente em primeiro lugar”, o estudante já participou de várias oficinas. “Entrei no projeto pelo teatro, depois fui para a flauta, e, então, também entrei no violão. Mas aí eu saí do violão, porque comecei a ver que eu não gostava muito. Tanto que eu toquei uma vez e falei: ‘Cara, não estou gostando do violão, que coisa chata.’ Gosto de ouvir, só não gosto de tocar”, conta Miguel. Só que, justamente nas aulas de violão, Miguel começou a cantar. Era “Leãozinho”, música composta por Caetano Veloso. “O professor de percussão passou, me viu cantando e falou que a música e a voz estavam boas.”
Por fim, a mudança de horário das aulas de violão apenas uniu o útil ao agradável: para que não ficasse desocupado, Miguel passou a aprender percussão. “O violão era às 14h, e a flauta, às 16h. Então, para eu fazer alguma coisa, entrei nas aulas de percussão no horário que eu fazia as de violão. Como o Fofão (professor) já sabia que eu cantava e, naquele ano, entrei no finalzinho, já quando estavam fazendo as apresentações, ele me pôs para cantar ‘O cirandeiro’ e ‘Minha casa de farinha’. Depois fui convidado para o grupo ‘Somos’, fiz a audição e passei, porque fui o único que cantou. Então, participei da peça ‘Bença’.” Miguel só está preocupado com a mudança de voz pela qual está passando, o que, vira e mexe, o leva a desafinar, entrega Vanusa. “Quando eu pensava que o meu menino cantava? Vamos ter que ver com o Fofão como vai ser daqui pra frente.”
Atualmente, além do “Somos”, o garoto permanece nas oficinas de flauta, percussão e do próprio violino. O gosto pela percussão, inclusive, é dividido com o avô, a ligação musical que tem na família. “Ele toca surdo, a mesma coisa que eu toco”, diz Miguel. “Acho que ele toca em uma escola de samba, não sei. Não lembro de ver ele tocando quando era pequeno. Ele me contou apenas quando eu disse que estava fazendo oficinas de flauta e percussão.” Ao menos a percussão Miguel consegue improvisar em casa para acompanhar as oficinas virtuais, já que se trata de um instrumento mais adaptável. “Um amigo com quem faço aula tinha uma baqueta sobrando. A mãe dele faz bolos. Quando a minha mãe encomendou um bolo, fui com ela para buscar a baqueta. Uso também TNT grosso para não fazer muito barulho, caixas… até a perna dá pra usar.”
O violino, no entanto, não é tão “anatômico”, como diz Onély. A continuidade das oficinas virtuais dependia diretamente do empréstimo dos instrumentos. “É uma bênção”, afirma Vanusa. “Não sei se teria condições de pagar pelas oficinas. Talvez por nenhuma delas.” O vínculo ao “Gente em primeiro lugar” tem sido fundamental para que Miguel aprenda a lidar com a ansiedade, acrescenta a mãe. “A música é muito boa pra ele, porque é uma forma de tirar a ansiedade. O Miguel é uma criança ansiosa, rói muito a unha. E o [Centro Cultural] Dnar Rocha está me proporcionando isso, entendeu? O Miguel está se encontrando. Devagarinho. Ele tem 13 anos, então o que quiser dentro da música pode encontrar a partir de agora.” Ao menos, por enquanto, Vanusa pode deixar suspensa a rifa para dar a Miguel um violino.
Gente em primeiro lugar
As inscrições para todas as oficinas de cultura estão abertas. Mais informações pelo número (32) 3690-7044 ou pelo WhatsApp (32) 99820-5918. A distribuição das oficinas por bairros e regiões de Juiz de Fora pode ser conhecida aqui.