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Jornalista André Barcinski lança o livro ‘Tudo passará’, que conta a história do ubaense Nelson Ned

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Para Barcinski, Nelson Ned foi um homem à frente do seu tempo, no sentido de batalhar contra o preconceito que sofria, pois o cantor falava: “Sou baixinho, sou feio e boto para quebrar”(Foto: Nathã de Lima Divulgação)
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“A minha vida bem que daria um livro/ Se eu começasse a contar tudo que um dia eu passei/ E alguém até escreveria um romance/ Se houvesse tido a chance de saber o quanto eu já amei”. Assim escreve Nelson Ned na canção “Minha vida daria um livro”. Ela segue: “Tem sido sempre assim em todos esses anos/ Só desenganos, um atrás do outro, é que vêm pra mim/ Eu sou um livro que até hoje ninguém leu/ Cheio de páginas tão tristes que o destino escreveu”. Nas entrelinhas da canção do músico, que nasceu em Ubá, a trajetória de sua vida: os enganos, as dificuldades, os problemas de amor e a lida da vida com nanismo. 

Em janeiro de 2024, completaram-se dez anos de sua morte. O homem de voz potente que expandiu sua carreira por toda a América Latina. Uma carreira impermeada por polêmicas, incluindo sexo, drogas e armas, e feitos inacreditáveis. No Carnegie Hall, em Nova York, teve ingressos esgotados em dois dos quatro shows que fez por lá. Mas não só: cantava para os cartéis da Colômbia, inclusive para Pablo Escobar, ao mesmo tempo que era amigo de Gabriel Garcia Márquez, a quem visitava sempre que estivesse no México. Uma carreira que teve muito mais holofotes fora do Brasil do que em seu país de origem. Ainda assim, em meio à tanta fortuna, morreu no ostracismo. 

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Quando cantou que sua vida daria um livro, Nelson já tinha certeza do ineditismo que se instaurava por ali. E, realmente, uma vida tão curiosa que dá pano para manga, cheia de altos e baixos. O jornalista André Barcinski, de cara, percebeu isso. Era 2012 quando ele estava escrevendo o livro “Pavões misteriosos: 1974-1983: A explosão da música pop no Brasil”. Dentre os entrevistados, estava Nelson Ned. Ele não era exatamente um cantor pop, mas seu estouro foi exatamente neste período. Na época, Nelson já estava mal de saúde, por causa de um derrame, mas, mesmo assim Barcinski foi atrás a fim de entrevistá-lo para compor os nomes de seu livro. 

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Depois de muito tentar, conseguiu. Foi à casa da irmã de Ned, a Neuma. Lá, descobriu que o homem que tivera uma vida luxuosa, com oito empregados dentro de casa, estava vivendo sob os cuidados e a bondade de suas irmãs. Ainda lúcido, o cantor e compositor contou sua história. “Tudo isso me tocou muito. Porque eu tinha a dimensão da quantidade de discos que ele tinha vendido e como ele era grande, um artista muito popular. E as histórias que ele contou, da infância, de ser o primeiro filho e o único com nanismo – é uma história incrível, né? E aquilo me tocou muito e eu resolvi fazer um livro só sobre ele”. Ao invés de entrar junto com os outros artistas em “Pavões misteriosos”, ele ganhou um livro todo seu. “Tudo passará – A vida de Nelson Ned, o pequeno gigante da canção” chegou às livrarias em novembro do ano passado, pela Companhia das Letras. 

“Não foi a melhor entrevista, mas foi suficientemente marcante em mim para eu fazer um livro só sobre ele”, confessa Barcinski. Ele ainda conta que, de acordo com a irmã de Nelson, aquela entrevista, em 2012, foi uma das últimas que ele concedeu. Ele morreu em 2014 e, então, o escritor não tem mais acesso a ele: apenas ao que ficou registrado em páginas de jornais, nas telas e nos relatos da família de Ned, que topou entrar nessa com Barcinski. Ele entrevistou, além da família, pessoas que conviveram diretamente com o pequeno gigante, inclusive a banda que o acompanhou pelo mundo. “E foi, sobretudo, uma surpresa para mim também. Fazer o livro foi uma grande surpresa”, pontua o autor da biografia. 

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Carreira polêmica e voltada ao exterior

Foi uma surpresa porque, até então, André conhecia o que a maioria conhecia: suas principais músicas, suas polêmicas, o que via nos programas, sobretudo do Chacrinha e do Silvio Santos. “Mas eu não tinha tanto conhecimento sobre a vida dele e eu não tinha a menor ideia que ele era tão famoso assim no exterior”, confessa. “E pela fama que ele teve, nos anos 70 e 80, é difícil imaginar que o Nelson não seja tão conhecido hoje. Principalmente as gerações mais novas têm um desconhecimento em relação a carreira dele que eu acho triste.” 

Nelson Ned fez sucesso mais fora do Brasil do que dentro e muito disso porque ele fez uma escolha: cantar em espanhol. “E ele dedicou a vida dele ao mercado latino, sem dúvida nenhuma”. Por mais que o Brasil, hoje, esqueça essa história, nos outros países ele segue sendo mais relembrado. Além dessa escolha dele, tem outra coisa: a mídia brasileira não era lá tão fã de Nelson, que tinha, ainda, um temperamento bem forte. “Ele foi muito atacado pela crítica porque ele era um cara muito briguento. Ele arrumou briga com a MPB inteira, falava mal de todo mundo.” 

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Sobre a mídia, André conta que percebe que ele tinha um certo ressentimento: “A mídia colocava muitas críticas negativas, chamava de brega. Não eram coisas muito laudatórias. Eram mais críticas. Ele passava muito tempo fora do Brasil, excursionando, meio que dava uma sumida de vez em quando. Tinha umas matérias do tipo: Por onde anda Nelson Ned? Bom, como assim? Ele estava tocando no México, ficou seis meses lá, e as pessoas não sabiam. Eu acho que era uma outra época também. Não tinha internet, e as pessoas não tinham essa ideia, não era tão fácil saber o que estava acontecendo fora daqui”, acredita. 

“Sou baixinho, sou feio e boto para quebrar”

Enquanto por aqui seu tamanho era motivo de piada, fora isso nunca foi uma questão. E o próprio Ned, nas entrelinhas, falava sobre sua condição. “Ele enfrentava os preconceitos de uma forma não ativista. Ele não era um cara que ia protestar, por exemplo. O tipo de protesto dele era um protesto mais efetivo: a coisa de triunfar sozinho sem ajuda de ninguém”. Em sua época, as pessoas com nanismo eram escondidas dentro de casa. Com ele o contrário aconteceu, pois foi encorajado a voar mesmo, o mesmo encorajamento que passou para seus filhos. 

“Além da mídia, ele tem um ressentimento com a sociedade que o humilhava por causa do nanismo, mas, ao mesmo tempo, ele usou o nanismo para triunfar e fez muitas músicas sobre o tema. Era um cara realmente muito combativo nesse ponto”, percebe André, que considera, por isso, que Ned foi “um homem do seu tempo”. “E mais: ele foi um cara muito à frente do tempo dele, no sentido de batalhar contra esse preconceito que ele sofreu, sempre de uma maneira única e muito efetiva mesmo. Ele falava: ‘Sou baixinho, sou feio e boto para quebrar’. E era engraçado. Não estava nem aí se as pessoas o chamavam de anão e tal. Se ofendiam, ele partia para cima. Era um cara, realmente, muito combativo”.

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Então, como, com tanto triunfo, o cantor viu sua carreira se afundar? O primeiro motivo foi uma série de problemas de saúde que passaram a afligir o artista. Além disso, escolheu trocar a música secular e se dedicou à música religiosa. “Com saúde ruim começou a fazer menos shows, os discos começaram a vender menos, ele era um cara que nunca se preocupou em guardar dinheiro, nada. Foi uma conjunção de fatores. O estilo de vida dele era difícil, porque tinha muito problema com droga, com bebida, depois até tomou jeito, quando se converte de novo. Mas ele não tinha estrutura de organização para poder suportar uma diminuição muito grande de renda”, pontua o escritor. 

Capa do livro (Foto: Divulgação)

Um livro de grandes histórias

Dentre tantos pontos de uma vida inteira, André afirma que a vida de Nelson daria não só um livro, mas mais de dez, ou um livro de mil páginas. Ele se limitou a pouco mais de 200 páginas. “Eu não queria fazer um livro muito extenso sobre ele, porque eu acho que, hoje, as pessoas não conhecem muito a carreira dele, e o livro seria um motivo para as pessoas buscarem mais sobre ele”. Além disso, tinha um foco: “Eu queria fazer um livro só com grandes histórias”. E fez. “O livro tem agradado, inclusive, quem não conhece Nelson Ned ou não gosta do estilo de música, exatamente porque todo mundo é tocado pela história humana dele.”

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