Havia algo de extraordinário na existência de um evento de popularização do teatro e da dança nos meses de férias escolares, como se servisse aos tempos livres. Arte deve ser o ano inteiro, parece dizer a 17ª edição da Campanha de Popularização do Teatro e da Dança, que justamente este ano ocupa o mês de agosto em sua plenitude cotidiana. O evento começa nesta sexta, 3, com conferência da artista e pesquisadora Bia Medeiros, carioca radicada em Brasília, sobre suas investigações acerca da performance, e segue até o dia 26.
“A Campanha acontece em Belo Horizonte nos meses de janeiro e fevereiro, como é tradicional. Mas lá eles criaram um festival para julho, com o intuito de provocar o público, também, no meio do ano. A nossa Campanha em agosto, na verdade, foi uma necessidade. O público questionava porque não fazermos num mês letivo, mas, por ser uma tradição e por funcionar, mantínhamos (no início do ano). Em função de termos alguns teatros fechados e o Paschoal Carlos Magno não estar plenamente funcionando e por precisarmos redesenhar a história da Campanha, este ano achamos que valia fazer uma pausa, deixando para agora. Não quisemos fazer nas férias de julho por ter a Copa do Mundo. Agosto é um mês que não deixa o público dividido”, comenta Cristiano Fernandes, presidente da Associação de Produtores de Artes Cênicas de Juiz de Fora (Apac).
Visivelmente desgastadas, com montagens repetidas ano a ano e bastante focada no humor, as últimas edições da Campanha, que surgiu com o objetivo de popularizar as artes cênicas, agonizavam com plateias esvaziadas. “As discussões começaram há dois anos e meio, no final da edição retrasada. Alguns grupos e espetáculos ainda acreditavam que o motivo de termos um público menor era externo e não do próprio apelo. Eles achavam que valia a pena insistir num próximo ano. Então, na Campanha passada, na avaliação, refletimos e percebemos que o momento é crucial e devemos investir em produções novas, não só espetáculos novos, como também linguagens novas”, observa Cristiano, apontando para mais de 80% de montagens inéditas na Campanha para a edição de 2018.
Do stand-up ao experimentalismo, passando pelas comédias de costumes e pelo drama, além de espetáculos infantis, a programação inclui quatro montagens convidadas: duas peças de Belo Horizonte, ambas dirigidas por Pádua Teixeira, assistente de produção da Campanha em todo o estado – “Frau Amália Freud”, sobre a mãe do pai da psicanálise e o drama “Arco-íris de plástico”, com texto do juiz-forano Tarcísio Dalpra Jr. -, além do carioca “Cores da margem”, de Leonardo Dias, e do infantil “Pam pam tchan!”, de Barbacena, com texto de Toninho Dutra, ex-superintendente da Funalfa. O orçamento do evento, segundo o presidente da Apac, reúne a verba da aprovação no edital da Funalfa para eventos, de R$ 25 mil, acrescidos de R$ 40 mil aprovados pelo Fundo Estadual de Cultura, o que contribuiu para ampliar a divulgação e a estrutura da Campanha que, nesta edição, inaugura estande de vendas de ingressos no Independência Shopping, fora o já tradicional trailer instalado no Parque Halfeld.
Para acordar o potencial
Dentre os dez espaços onde acontece a 17ª Campanha de Popularização do Teatro e da Dança, um é inédito: o Teatro Paschoal Carlos Magno, inaugurado em março deste ano. Para que os grupos que se apresentarão na nova casa utilizem todos os recursos de que o teatro dispõe, a Apac contratou um técnico de luz para uma oficina. O profissional, vindo de Barbacena, elaborou novos e mais complexos mapas de luz para algumas das peças. A premissa, de acordo com Cristiano Fernandes, é despertar o pertencimento do tão desejado espaço. “Temos lugares alternativos, e eles estão presentes na Campanha, mas o palco tradicional também é interessante e faz muita diferença em termos de números. Esses espaços surgiram não só pelo gosto por uma linguagem mais intimista, mas também porque os convencionais não ofereciam condições técnicas e eram muito caros. Fomos ocupando locais menores, então. Agora, pensamos em trilhar o caminho contrário e ocupar o Paschoal Carlos Magno”, comenta Fernandes.
Numa cidade que há décadas aguarda um curso superior de artes cênicas (uma instituição particular oferece curso de tecnologia em produção cênica, apenas), a formação dos agentes e sujeitos da cena é prioridade, segundo Fernandes. “A Campanha é legal, mas não basta. É preciso discutir o fazer, seja em oficinas, bate-papos ou comunicação. Este ano decidimos, então, abrir um espaço ainda maior”, reconhece o presidente da Apac, pontuando a presença, na programação, de um seminário de dramaturgias, circuitos de leituras em escolas públicas municipais e comunicação dos grupos, além do Fórum de Artes Cênicas, que acontece no dia 21, às 19h, em OAndarDeBaixo.
Em constante consonância com o presente, o teatro e a dança produzido por aqui merecem fazer parte da cidade, defende Cristiano Fernandes. “Quando me propus assumir a gestão da Apac é porque acredito na força que uma associação tem e pode ter. Muito mais que produzir um evento, ela pode fazer mais, inclusive politicamente. Hoje temos uma cadeira no Concult e atuamos em bancas de festivais. Sempre que surge uma oportunidade, nos fazemos presentes”, diz. “A cidade sempre produziu muito, sempre teve grandes expoentes, grandes ideias e muitas possibilidade. Isso sofreu certo declínio ou estacionamento, mas entrou em ebulição de novo de três anos para cá. As pessoas começaram a rever seus processos e a pensar no fazer artístico não só nos grupos, mas também em diálogo com o Conselho Municipal de Cultura, com os fóruns e com os espaços alternativos que foram se emancipando e conquistando o público. O potencial de Juiz de Fora estava adormecido. Agora não está mais.”