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O fascismo segundo monólogo de ator ítalo-argentino

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A verdade vivia com Martita e mais ninguém. Não era necessário debate, todos estavam errados. No mundo ideal, existiriam, portanto, apenas ela e os seus. Quando sua família morre, porém, a solidão se faz convite para o enfrentamento da realidade. Em desespero, ela não sabe como seguir. “Uma das características do fascismo é fechar-se. A família da Martita é uma espécie de metáfora para essa situação do fechar-se, do não aceitar o diálogo, o diverso, o outro. Essa família se fecha a tal ponto que fica doente”, comenta Norberto Presta, que neste sábado (4), às 20h30, n’O Andar de Baixo, dá corpo e voz a Martita no monólogo “Famiglia – do fascismo e outras calamidades”.

Num espaço intimista e diminuto, sem iluminação e sem música, com as pessoas sentando-se como se “abraçassem” Martita, os espectadores recebem água e biscoitos da personagem enquanto um corpo é velado em casa. “É um teatro que intenta uma comunicação muito direta, muito emocional, a partir de uma figura muito simples e a partir de uma situação muito cotidiana, que em algum momento se transforma em fantástico”, conta Presta, que entende o fantástico como outra realidade. Martita é um personagem invetado, diz. Fantástica, portanto. É uma tia, uma avó, uma vizinha. “Uma figura inventada e ao mesmo tempo muito real. Acho que é uma espécie de síntese de tantas outras pessoas. É uma mulher que cresceu numa família fascista”, resume o ator, diretor e dramaturgo ítalo-argentino radicado no Rio de Janeiro.

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Vítima do meio no qual nasce e cresce, Martita também é algoz ao perpetuar um modo de vida baseado na repressão. “Ela é uma figura que como muitas pessoas é absorvida por uma realidade. Ela vive uma contradição muito grande. Algumas se rebelam, e outras, simplestemente, sofrem e aceitam a opressão como algo normal, da vida. E acabam, de algum modo, assumindo. Isso é o fim da picada de uma existência humana. Vejo isso como algo cotidiano no mundo contemporâneo e na história da humanidade. Estamos longe de criar uma possibilidade de nos livrarmos da represssão”, lamenta o artista, que no espetáculo chama atenção para “o repressor que a gente leva dentro de si mesmo”.

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Formação como deformação

Formado em arte dramática em Buenos Aires e integrante, em 1981, do International School of Theatre Anthropology de Eugenio Barba, um dos mais importantes nomes do teatro italiano, Norberto Presta, que já dirigiu Angel Viana e o Grupo Lume estava engasgado. “Eu queria falar do fascismo porque percebia que alguma coisa estava chegando ao Brasil, na Argentina e na Itália, onde também trabalho. São três países que, de algum modo, tem governos com faces fascistas mais ou menos fortes. São governos que pretendem uma sociedade controlada, onde não haja muitas variações, uma sociedade uniforme. Digamos que, se a democracia é um sistema que tenta humanizar as distinções dos vários setores sociais, o fascismo nega e pretende um modelo de pensamento único”, explica o conceituado homem do teatro, com mais de uma centena de espetáculos no currículo, incluindo “Flutuando”, texto que serviu de base para o projeto “Flutuano pela dramaturgia do ator”, das atrizes e pesquisadoras Renata Rodrigues e Gabriela Machado, que trouxe Presta a Juiz de Fora pela primeira vez em 2013.

O desejo do ator e diretor, no entanto, não era retratar o fascismo histórico, mas contextualizá-lo, trazendo-o para perto. Martita era a melhor voz para o horror. “A gente leva dentro de si uma formação que acaba sendo uma deformação”, pontua Presta, para logo apontar diferenças e semelhanças entre os cenários macro e micro. “São coisas distintas, mas que dialogam. Uma alimenta e depende da outra. A frustração, a falta de perspectivas, o ressentimento são características em comum tanto na vida cotidiana quanto no governo. Na vida cotidiana é uma coisa interior. Mussolini não inventa o fascismo, ele dá um nome. O fascismo já existia antes. Não é o Bolsonaro que faz existir o fascismo no Brasil. Já estava aqui dentro. A política, em geral, é isto: ela traz uma situação que já está latente. Nesse caso, o que estava latente no povo brasileiro era um sofrimento. Assim como também acontece na Argentina.”

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‘Faço teatro para compreender’

Imigrantes italianos residentes em Buenos Aires, a família de Martita fez a mesma rota que a família de Norberto Presta. “Sempre há um elemento autobiográfico, a gente fala do que conhece. Não é tão estreita a relação com esse espetáculo, mas a história do bairro de onde venho é muito parecida com o bairro da peça. Minha família não é tão assim, mas alguns componentes são comuns”, afirma o artista, que usa diferentes formas para acessar lugares profundos. É ali, segundo ele, onde mora a possibilidade de mudança. “É o mais difícil de se libertar. Com o tempo, a gente vai transformar essa realidade que estamos vivendo, porque não há futuro. O que está acontecendo é muito ruim. As pessoas podem estar se confundindo. E quando descobrirem que o que estão vivendo é ruim, vão querer transformar. O mais difícil é a transformação interior, é reconhecer o que está dentro da gente, que faz possível que esse ruim apareça, não só na política, mas na vida cotidiana. Esse espetáculo tenta tocar isso, confrontar-se com o presente, mas com um olhar para o futuro”, diz. “Faço teatro para compreender.”

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FAMIGLIA – DO FASCISMO E OUTRAS CALAMIDADES

Neste sábado, 4, às 20h30, n’O Andar de Baixo (Rua Floriano Peixoto 37 – 2º andar – Centro)

 

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