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Mc Xuxú transborda representatividade em seu disco Senzala’

xuxu capa
Xuxu 2017
MC Xuxú buscou representatividade e diversidade na escolha das parcerias com artistas no disco
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“Eu voltei e voltarei quantas vezes preciso for/ Pra calar a boca de quem me subestimou/ Cê duvidou é agora eu tô aqui/ O mundo girou e chegou a vez das travestis”. Nua, crua, sem papas na língua, Mc Xuxú refaz em versos seus próprios passos no longo, incerto e árduo caminho que percorreu até o lançamento de seu primeiríssimo disco de estúdio, “Senzala”, lançado na última semana em todas as plataformas digitais (escolha a sua e faça-se o favor de ouvir).

“Tentei lei de incentivo, não fui aprovada. Tentei financiamento coletivo, não consegui nem metade do valor que pedi. Esse disco saiu na raça, como tudo que fiz nessa vida. Cheguei a pensar que não ia conseguir, mas tive pessoas maravilhosas me dando força quando estava fraca”, diz a artista, que destaca o apoio de ninguém menos que a deusa negra da MPB Elza Soares, que disse, em seu Twitter: “Todo álbum é uma obra. Ser artista, negra e trans no Brasil não é pra qualquer uma. Conheçam MC Xuxu”. “Quando uma mulher daquelas, uma artista daquelas fala sobre a importância do meu trabalho, isso me deu fortaleceu demais para continuar, foi como se tivesse recebido o apoio de vários artistas ali”, diz Xuxú, que esteve na redação da Tribuna nesta sexta-feira.

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Apesar de representar o estilo musical que consagrou Xuxú, o álbum vai além do funk e dialoga com hip-hop, rap, tambores mineiros e batidas eletrônicas, em uma seleção de faixas cuidadosamente produzidas. “No meu show isso sempre aconteceu, sou muito eclética e quis que meu primeiro disco tivesse essa cara e trouxesse diversidade também nos ritmos.”

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‘Tu quer treta? Então vai ter treta’

De fato, o álbum é um espelho de Xuxú como artista, como militante e como “travesti preta da favela”, como sempre faz questão de frisar. Mas tem uma pegada de humor também, como nas divertidíssimas “Missa” e “Kit Assume”, que têm a participação das travestis negras Danny Bong e Mulher Pepita, respectivamente. “As pessoas tendem a ver a militante como séria. E nossa vida é de muita luta, sim, mas viver é lutar, cantar é lutar, andar de mãos dadas nas ruas é lutar. Todas as letras do disco são a nossa vivência em sua totalidade”, avalia a cantora.

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Tal leveza que permeia algumas das músicas não amortiza a porrada de muitas letras, como a faixa-título “Senzala”, em que Xuxú rasga o verbo para falar de uma vida inteira de preconceito, muitas portas fechadas, mas, sobretudo, resistência. (Quase nunca sou bem-vinda, onde eu chego causo pane/ Mas eu sei que eu sou linda e quero mais é que se danem/ Mulher de peito pau e seu conceito não me abala/ Eu sou favela, o brilho da senzala/ Olha pra ela: o brilho da senzala).

“As pessoas precisam saber que nós minorias, travestis, pretas, faveladas estamos aprendendo a entender nosso lugar na sociedade. A gente cresce aprendendo muita coisa errada, a julgar o próximo, excluir as pessoas, e eu canto contra isso tudo. É muita hipocrisia, por exemplo, um cara falar que ‘travesti é feia’. Feio é trair a esposa com travesti e ainda pagar por isso. Jogo as verdades na cara mesmo, no disco inteiro.”

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‘O clã tá formado’

Além do flerte com diversos gêneros musicais, “Senzala” traz várias parcerias com artistas do cenário nacional, como as já citadas Danny Bong e Mulher Pepita, os tambores mineiros do Ingoma, os rappers RT Mallone e Jovem Saga e o instrumentista Caetano Brasil. “É muito importante ter pessoas ao nosso lado, e eu quis que essas parcerias trouxessem representatividade, de várias maneiras. A Danny Bong e a Pepita são negras e travestis como eu, sabem o que é viver a vida que eu levo e lutar as lutas que eu luto. Mas quis trazer gente da cidade também. O Caetano é um dos melhores músicos que eu conheci, é gay, acredita no meu trabalho e é da cidade. O Ingoma me abraçou e valorizou o que faço e também a cultura da periferia. O rap me trata como uma rainha. Todas essas pessoas, vindas de senzalas diferentes, se juntaram a mim para fazer a minha ‘Senzala’, numa voz só, e colocar a minha existência, e a de tantas pessoas como eu, na rua”, diz a cantora.

Para a galera do rap, estar no álbum de Xuxú ilustra uma aliança importante dos artistas da periferia local. “A música que gravamos (“Escoldada”) é um salve para as mulheres da periferia, é parte da realidade que a gente vive no dia a dia, e o resultado é uma amostra que contradiz o que o senso comum espera da periferia, um trabalho sempre inferior. Sentimos boa parte das mesmas coisas estando na periferia, claro que com vivências diferentes, mas temos empatia um pelo outro. E, quando unimos forças, acabamos criando uma rede muito sólida”, avalia RT Mallone. “Todos nós da periferia sempre trabalhamos de forma muito independente, metendo as caras e, quando temos oportunidade de nos unirmos, conseguimos um alcance que jamais conseguiríamos sós”, acrescenta Jovem Saga.

O plano de Xuxú agora é investir na divulgação do álbum, que também terá cópias físicas, “para resgatar aquele hábito de a gente colocar nossos CDs preferidos na estante”, como diz a estrela, que também lançará clipes das faixas. Talvez sem que a artista tenha a total dimensão do poder dos próprios versos, o “Senzala” de Xuxú ilustra exatamente o que canta a letra de “Liberdade”: “O mundo girou e chegou a vez das travestis”.

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