Todas as culturas possuem expressões peculiares do luto, que vão se transformando através dos tempos, uma estética da morte, mas que se aplica a quem vive. Em grande parte da cultura ocidental, o preto tornou-se uma linguagem universal para expressar os sentimentos de perda e respeito pela pessoa que se foi. Em civilizações tradicionais orientais, como a China e o Japão, o branco costuma ser a cor oficial dos pêsames. Mas em vários países, as condolências são manifestadas em tons diversos: na África do Sul, usa-se o vermelho; no Egito, o amarelo; na Tailândia, o roxo, e por aí segue uma extensa paleta que busca ser a expressão das pessoas “que ficaram” em relação às que se foram.
No Brasil, embora até hoje prevaleça o hábito de vestir preto ou utilizá-lo em faixas e outros artefatos, o luto foi se transformando, chegando ao ponto de muitas vezes nem se expressar em um “dress code” específico. “A historiografia da morte mostra que o século XX a transformou em tabu. Falar sobre a morte, os mortos, é desconfortável. O desuso do luto mostra isso, nossa dificuldade em lidar com o tema, sobre tudo nos grandes centros urbanos. No interior, permanecem alguns hábitos em rituais, como o velório, o enterro… em que se usam roupas mais sóbrias mas não obrigatoriamente, e também não necessariamente pretas”, diz a pós-doutoranda Juliana Schmitt, do Programa de Artes Cultura e Linguagem da UFJF, que pesquisa o luto no Brasil no século XIX.
Segundo ela, a íntima relação entre luto e etiqueta – no que tange os hábitos de comportamento e vestuário – produzia normas sociais rígidas justamente porque era natural falar sobre a morte. “Estudar o luto mostra isso. No século XIX, a morte é algo muito presente, as pessoas morriam em casa, crianças morriam muito… Hoje a morte foi hospitalizada, descolada do espaço doméstico, e isso explica muito nosso distanciamento com as regras do luto, que, para uma viúva, por exemplo, podia chegar a dois anos e meio”, explica a pesquisadora.
Apesar de ter, como fontes primárias de investigação, revistas da época que ditavam a etiqueta do luto, dizendo o que era e o que não era adequado após a morte de um parente ou entre querido, Juliana encontrou no Museu Mariano Procópio um amplo acervo do que se chama de vestuário de luto. “Há vários tipos de peças pessoais neste sentido. O traje de luto de Dona Maria Amália, em exposição no museu, é muito importante e está em ótimo estado de conservação. Claro que tem um desgaste natural de costuras e pequenos detalhes, mas é uma peça emblemática, toda em preto, sóbria, fechada”, diz a pesquisadora.
Mas foi entre as joias de Dona Maria Amália que Juliana encontrou os itens mais interessantes. “Uma peça que me chamou muita atenção foi uma pulseira feita de fios de cabelo de pessoas que morreram, no caso, da mãe dela, dona Luiza Maria de Conceição. Há várias outras peças assim e que pertencem a Dona Maria Amália, mas essa é a que mais se destaca.”
Vestimenta e espaço público
Pesquisando a temática do luto e suas mais variadas manifestações no século XIX há alguns anos, somente no pós-doutorado Juliana Schimitt se aprofundou no vestuário como objeto de estudo deste tema. “A vestimenta é o que nos cobre enquanto agentes do espaço público. Assim, vestir o luto seria a expressão pública da dor da perda, expressa pelas roupas. Toda a documentação sobre o século XIX traz isso como uma característica de sociabilidade muito forte, a necessidade de mostrar que lamenta essa morte por meio da imagem pública”, explica a cientista.
Nas revistas pesquisadas por Juliana, as normas sociais sobre o luto podiam ser depreendidas de artigos sobre etiqueta, anúncios de lojas que vendiam artigos de luto e outras formas de publicação e, de acordo com o levantamento, replicavam valores europeus. “Essas regras sociais não foram criadas no Brasil, são diretamente relacionadas às regras do luto em Portugal e também têm influência da moda francesa. Isso sem falar na grande influência dos hábitos de luto ingleses, com a figura central da Rainha Vitória, a grande soberana, que, ao ficar viúva, adotou o luto até o fim de sua vida”, aponta. “Elas ditavam inclusive que não era de ‘bom tom’ abandonar o luto assim que ele acabava, deveria se esperar uns dias, uma semana, diziam as revistas.”
Juliana afirma que as regras do luto variavam de acordo com a classe social da família em luto e também conforme a relação de parentesco em relação à pessoa falecida. “Quanto mais rica e da elite fosse a família, mais se esperava que ela respeitasse as regras do luto, até porque a elite servia de modelo social para as demais classes. O luto mais longo e mais cheio de regras era o da viúva”, diz ela, explicando que, para qualquer luto estabelecido, havia um momento de luto “pesado”, e outro mais suave. “Para se dividir estes estágios de luto, normalmente se dividia o tempo total na metade, sendo a primeira o período mais pesado, em que predominava o uso de preto e a ausência de joias, adornos e adereços. Depois podia-se mesclar com peças brancas ou outras cores escuras, como o azeviche.”
Em Portugal, antes do século XIX, as normas que regiam as expressões e a etiqueta de condolência chegaram a ser leis, mas depois que estas foram abolidas, os comportamentos continuaram a ser seguidos, sob pena de sanção social. “A elite, por exemplo estava sujeita ao ostracismo social caso desrespeitasse estas regras, as pessoas tinham medo de serem ‘malfaladas’ ou de não serem mais convidadas para eventos sociais. E era um grande temor que as pessoas tinham.”