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Nathan Itaborahy lança álbum inspirado no cotidiano e na cidade

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Do oitavo andar de um prédio na Alameda Sir Winston Churchill, perpendicular à Santo Antônio, entre as ruas Halfeld e Fernando Lobo, é possível avistar a Rua São João, um trecho da Rio Branco e a própria Santo Antônio. “Vejo a cidade se movimentando, as luzes se apagando, acendendo, gente passando, carros no trânsito, ambulâncias, manifestações. É como se eu estivesse no coração da cidade e pudesse estar alheio a tudo isso. Olho o movimento e não necessariamente estou nele”, narra Nathan Itaborahy sobre a experiência no apartamento que levou para o disco “Sentado no céu”, sua estreia solo, disponível nas plataformas digitais desde esta quinta-feira (2). “Todas as canções são do período em que voltei a morar em Juiz de Fora. Tem essa coisa forte do apartamento em que moro, que é um ponto de encontro da turma, por estar no Centro. É um lugar que o pessoal sempre passa para almoçar, trocar ideias, rola um som. Minha casa é como se fosse a paisagem que costura o disco.”

Nathan canta a cidade, a própria vida, a turma de músicos amigos e o cotidiano em álbum que marca sua estreia como cantor. (Foto: Clara Castro/Divulgação)

Geógrafo por formação, há quatro anos Nathan abandonou a profissão, após concluir o mestrado em Belo Horizonte. Retornou à natal Juiz de Fora para dedicar-se à música. “Eu tinha aquele sonho de ter uma casinha na roça, principalmente na época em que trabalhei com a agroecologia. E viver de música exige estar na cidade. Esse disco marca certa convivência, harmonia e uma aceitação da cidade”, conta ele, que se prepara para acompanhar a namorada na mudança para São Paulo. “Ao mesmo tempo, ‘Sentado no céu’ não deixa de ser um estranhamento de bater o olho na janela e não conhecer as pessoas, ser um estranho na cidade”, diz ele, exercitando a faceta do pesquisador em outros tons. Em “Onda de cabeça”, defende um saber para além dos livros. “A gente sonha mais do que faz. Por que a gente sonha demais, se ainda assim não dá pra saber? Da hora do almoço da vizinha, da linha de costura que acabou, do vô que morreu bem na surdina”, canta, cheio de questões a comprovar a imprevisibilidade da vida.

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E era justamente da previsibilidade que o músico fugia quando abraçou notas e acordes. “Dei uma renascida. Comecei a sentir certo desencaixe na universidade. Acho que tinha a ver um pouco com a vida adulta, com a seriedade das coisas. Sem a música eu sentia que me faltava uma parte”, narra ele, que pouco a pouco foi escrevendo, juntando e se fortalecendo para viver uma transição. “’Vivo vento’ fala sobre isso. Viver o vento é estar um pouco mais disponível, menos preso a um lugar e uma função, que é para onde minha vida rumava. Essa virada é a escolha por viver o que não sei o que vai ser. A arte me coloca num lugar em que tenho que inventar a história. Com a geografia eu já sabia a história que tinha para fazer: ia cursar um doutorado, depois fazer um concurso, num caminho claro. Na música não sei o percurso.”

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A observação, tão latente no trabalho que bebe na fonte da sonoridade de Gilberto Gil, Renato Braz e Novos Baianos, está expressa nas letras e também nos ruídos que se espalham pelo álbum. Da conversa com a companheira Clara Castro – que empresta sua voz em “Solta” e é inspiração para a tão delicada quanto apaixonada “Amo Ana ano afora” – aos suspiros e sons dos pássaros, “Sentado no céu” parece fazer uma ode ao cotidiano. “É um cacoete que herdei da geografia, de olhar o espaço, analisar, estranhar, questionando as coisas para além da gente”, comenta Nathan. “Não consigo fazer se não for assim. Crio a partir das coisas que estou vivendo, das minhas experiências.”

Disponível nas plataformas de streaming de música, “Sentado no céu” tem capa de Júlia Fregadolli. (Divulgação)

Um poeta pé no chão

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Um pé na literatura e outro na música. Um pé no violão, outro na bateria e outro no vocal. Segundo Nathan Itaborahy, nem toda ideia vira música ou poesia. “Se pegar meu celular vai ver que sou cheio de começos”, diz. “Gosto muito de fazer coisas junto. Tenho muita dificuldade de pegar uma melodia pura e encaixar uma palavra nela ou pegar um texto e transformar em melodia. Sinto que no meio do caminho tem outra coisa”, pontua ele, que no álbum divide a autoria de apenas três das 12 faixas – duas com Rogério Arantes e uma com Fred Fonseca. Em compensação, foram 15 os músicos a participarem do trabalho produzido em parceria com Douglas Poerner e masterizado por Nando Costa em Los Angeles. A canção, defende, tem uma magia que ele confirma pela visão privilegiada do baterista, que enxerga palco e plateia enquanto toca, e agora, pela presença do cantor, que domina palco e plateia enquanto canta. Baterista da Blend 87 e do Tropeço Trio, ele também é mestre de bateria da Banda do Ben e aluno do curso de bateria da Bituca – Universidade Livre de Música Popular, em Barbacena. Cantar foi caminho natural.

“Tenho certa timidez e não entendia muito a minha voz até pouco tempo atrás. Quando voltei para Juiz de Fora, comecei a fazer uns barzinhos, cantando e tocando violão. Foi o jeito em que me empurrei para soltar um pouco a voz. Cantar para mim é cantar minha música. Não tenho a capacidade vocal de um intérprete. Para mim é uma necessidade de expressão. O impulso que me leva a tocar bateria é o mesmo que leva a cantar. É um universo que acesso de um jeito meio rudimentar para expressar minha própria palavra”, diz o artista, que em julho passado iniciou uma campanha de financiamento coletivo e nos 45 dias atingiu a meta pretendida. Ainda contou com a ajuda de amigos num ecossistema (olha a geografia aí!) de trocas de serviços e descontos. “Por eu estar em outros projetos, meu público era disperso e eu não tinha muita compreensão de quem seria esse público. Fiz uma listinha e fui conversar com a galera antes de fazer o financiamento. Esse trabalho é fruto de relações muito concretas, pessoas que já me viram tocar, parceiros da música, gente que sabe do corre. É um público que é pequeno, mas que torna possível as coisas”, aponta, compartilhando uma noção que pode se tornar regra para os próximos dias de escassez para o setor cultural.

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“Muitas vezes a gente fica apostando na internet, num público virtual, que não tem cara e é só uma curtida, uma coisa volátil. Neste momento de total conexão na internet também é importante olhar para o lado, contar com a comunidade”, sugere. Programado para ser lançado em julho, “Sentado no céu” já tinha data marcada na agenda do Teatro Paschoal Carlos Magno quando chegou a pandemia. “Não vi sentido em ter um trabalho parado em minha casa, sendo que o mundo está num momento sensível para a arte”, comenta, certo de que o exercício de observação proposto no álbum em tudo dialoga com o presente. “É como se todo mundo estivesse sentado no céu durante a pandemia, olhando para o outro à distância e não numa relação concreta. Neste momento estamos mais abertos para observar os dias, como o sol bate em casa, o horário em que acorda, como está a saúde. Estamos num momento de maior observação, e isso é estar sentado no céu.”

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