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Livro resgata a trajetória do cravo no Rio de Janeiro durante o século XX

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Publicação resgata a trajetória no RJ de um dos mais conhecidos instrumentos de música antiga (Foto: Reprodução)
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Os instrumentistas e professores de música Marcelo Fagerlande, Mayra Pereira e Maria Aida Barroso abraçaram um projeto tão específico quanto ambicioso: contar a história do cravo, um dos mais célebres instrumentos musicais quando o assunto é música antiga, durante o século XX na cidade do Rio de Janeiro. O resultado é o livro “O cravo no Rio de Janeiro do Século XX” (Rio Books), minucioso relato que resgata um recorte importante da música clássica em nosso país.

O trabalho é resultado de uma pesquisa de seis anos iniciada por Fagerlande, doutor em musicologia e professor da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), a partir de cursos de pós-graduação coordenados por ele. Posteriormente, Fagerlande passou a ter a colaboração de vários acadêmicos, sendo que Mayra (também doutora em musicologia e professora da UFJF) e Maria Aida (mestra em cravo e professora da Universidade Federal de Pernambuco) prosseguiram com ele até a conclusão do livro.

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O trabalho do trio resultou em quase 400 páginas que traçam um rico resgate da história do cravo na então capital federal e hoje capital do estado do Rio, partindo da primeira apresentação no século XX, em 1904. Marcelo, Mayra e Maria Aida pesquisaram em diversos arquivos de instituições e em jornais e revistas já extintos ou ainda em atividade, além de fotografias, imagens e documentos particulares a que tiveram acesso. O livro também conta com extenso material iconográfico, como fotografias, reproduções de programas de concertos, reportagens e propagandas, entre outros. Dessa forma, os autores puderam levantar centenas de apresentações, em dezenas de locais – alguns surpreendentes – relatando episódios inusitados e menções ao instrumento na literatura e suas aparições na música popular, ilustrando ainda a vida social e cultural na cidade.

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Mayra Pereira, Marcelo Fagerlande e Maria Aida Barroso mostram no livro o resultado de seis anos de pesquisas (Fotos: Divulgação)

Leitura para todos

A partir do momento em que os autores passaram a estruturar a publicação, perceberam que havia registros não somente musicais, mas também detalhes sobre aspectos culturais da cidade, com a interseção da música com outras expressões artísticas. “Vimos que o livro tinha um conteúdo muito amplo, que poderia atrair um público mais abrangente, com um material iconográfico importante para contar essa história”, observa Mayra. “Percebemos que teríamos que escrever de forma diferente, mais leve e fluida, e organizamos em tópicos não muito longos que permitissem essa leitura descontinuada. Queríamos que o material físico fosse atraente, que o livro – além de uma referência musical e homenagem ao cravo – também fosse uma publicação de arte.”

De acordo com ela, o trabalho foi minucioso, demorado e gratificante, à medida em que percebiam que teriam que ir além dos jornais do século passado. Durante a maior parte do tempo, o trabalho de pesquisa foi presencial, a partir de acervos no Rio de Janeiro e Teresópolis, até que a pandemia convertesse a pesquisa virtual em única opção. “A internet foi fundamental para ter contato com instituições de outros países, conseguimos fazer pesquisa nos acervos on-line dessas instituições.”

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Trabalho dos acadêmicos em acervos públicos e particulares encontrou diversas raridades (Foto: Reprodução)

Emoção com as descobertas

Ainda que a pesquisa tenha sempre um viés acadêmico, ela trata de questões que estão ligadas a questões afetivas de cada um dos autores, e com Mayra não foi diferente. Questionada sobre qual descoberta foi mais interessante, ela destaca a primeira apresentação de cravo realizada no Rio de Janeiro, por Elodie Lelong em maio de 1904 no Theatro Lyrico. “Ela veio para o Rio com uma trupe de variedades de 92 integrantes e trouxe um cravo histórico de dois teclados do século XVIII. Tive o privilégio de encontrar essa reportagem, e quando li sobre a descrição dos integrantes, das apresentações, fiquei embasbacada. Não imaginava que haveria concertos com instrumentos históricos naquela época, ainda mais que a próxima apresentação formal foi acontecer apenas em 1933. Mas durante esse tempo o cravo sempre presente nas entrelinhas.”

O cravo foi estabelecendo sua presença no cenário musical do Rio de Janeiro, pois aos poucos cresceu o número de cravistas estrangeiros que vinham se apresentar no Brasil, trazendo seus próprios instrumentos. O problema é que os cravos voltavam aos países de origem com seus intérpretes. “Houve um hiato no sentido de brasileiros tocando instrumentos e utilizando o cravo como instrumento profissional. Mas bem disse Mário de Andrade em 1933: ‘Apareça o cravo que garanto aparecerem cravistas'”, cita Mayra. “O panorama muda a partir das décadas de 50 e 60, quando Roberto de Regina inicia a construção de instrumentos, que antes tinham que ser importados, o que era dispendioso. Graças ao Roberto foi possível adquirir um cravo construído no Brasil, e a partir da década de 80 passamos a ter mais cursos de formação, mesmo que não formais, em instituições. Passamos a ter mais festivais, e a partir dos anos 90 passamos a ter o cravo no ensino formal. O que faltava era a presença do instrumento no país, ainda mais porque ele tem uma construção artesanal.”

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Foto do Ciclo Bach, realizado em 1976, na Sala Cecília Meirelles, no Rio, é uma das muitas imagens que compõem o livro (Foto: Reprodução)

Século XXI

Mayra Pereira destaca que há dezenas de cravistas atuando no Brasil hoje em dia, de gerações variadas, apesar da diminuição de incentivos à cultura. É o resultado de uma equação que reúne o início da construção de instrumentos por aqui e o consequente aumento na oferta de ensino formal, chegando até os cursos de graduação nas universidades, sendo o primeiro deles na década de 1980, na Unicamp, em Campinas (SP). “Hoje temos uma maior oferta de formação especifica, incluindo cursos técnicos e de pós-graduação. Com isso, temos novas oportunidades de trabalho para cravistas profissionais, seja em instituições ou como cravistas acompanhadores. E, com a pandemia, temos visto iniciativas on-line de artistas que estão em suas casas, ou em salas para música de câmara, igrejas”, analisa.

Outro resultado é que o repertório para o cravo não se resume ao material antigo. “Hoje temos muitos compositores para o instrumento, e vemos que ele aparece em muitas músicas da cultura popular, seja no rock, no jazz etc. É um instrumento que pode passear por qualquer estilo, e acho que o livro ajuda a quebrar um pouco essa ideia de instrumento ‘antigo’.”

E o que levou Mayra Pereira a se aproximar do cravo? Antes de terminar a entrevista, ela conta que a “culpa” é de uma das fundadoras do Centro Cultural Pró-Música, Maria Isabel de Souza Santos. “Eu tive o privilégio de ter sido aluna da Maria Isabel, que me apresentou o cravo por ver que eu tinha muito interesse pelo repertório barroco. Ela abriu as portas do Pró-Música para eu poder conhecer o cravo, me apresentou gravações, e a partir dali nunca mais consegui me afastar. Eu já tocava piano, mas passei a me dedicar ao cravo e hoje atuo na área.”

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