Quando era criança, Gabriel Bhering conta que escrevia à mão suas histórias, linha por linha, depois grampeava as páginas e coloria uma capa bonita com lápis. Cresceu rodeado da coleção Vagalume, dos livros de Paula Pimenta e, mais tarde, se iniciou pelos clássicos da literatura brasileira. Nunca tirou da cabeça que pudesse criar seus próprios livros, ainda que o processo de edição fosse feito por conta própria, assim como antes. Ao longo do Ensino Médio, começou a escrever contos no jornal da escola e foi procurando encontrar a sua própria voz para se tornar algo que, no fundo, sempre soube que queria ser: um escritor.
Mas não basta a vontade. Gabriel, que é estudante de jornalismo, pesquisou o mercado editorial e soube que, para lançar suas obras, precisava também ter um público de leitores. A vontade de se expressar somada ao tédio da pandemia, fez que se dedicasse ao seu primeiro romance a ser publicado, “O circo de 98”, em que a descoberta do diário do pai, que sonhava em ser um astro do rock, provoca a personagem principal, Sabrina, a um retorno ao passado e a uma reflexão sobre a vida.
A ideia da obra começou justamente a partir de um projeto antigo, em que escreveu um conto do ponto de vista de uma personagem de um circo para o jornal da escola. A experiência veio logo depois de um circo passar por sua cidade, Ponte Nova (MG), e fez com que ele se interessasse por essa dinâmica de apresentação. Na história, que tinha o olhar de alguém de dentro, sentiu que para se aprofundar mais precisaria passar também pela experiência de viver em um circo, mas isso era algo distante da sua realidade naquele momento. Então, para o romance, pensou em outro caminho: “Surgiu a ideia de escrever no ponto de vista de outra pessoa, alguém que conheceu o circo apenas por sua passagem na cidade. É a história do Murilo”, revela.
Ele conta que a escrita, não por acaso, veio em um momento que ele também se sentia entediado e querendo se aproximar de uma outra realidade, assim como a personagem Sabrina. “Pensei: nossa, como seria legal encontrar o diário do meu pai quando adolescente, caso ele tivesse um”, lembra. Foi a partir disso que o livro começou a ser elaborado, pensando em um tempo que era na pandemia, mas que também tivesse uma ligação com o passado, ainda que apenas através dos relatos escritos. “Na pandemia eu sinto que a gente regrediu em vários aspectos, e esse voltar no tempo, por meio do diário, representa esse regredir por conta do desgoverno. O próprio circo representa um lugar pra onde eu gostaria de fugir na época”, diz.
Do início ao fim desse processo, Gabriel sempre conta que manteve alguns questionamentos que o guiavam: “Por que eu tô escrevendo esse livro? Por que ele precisa existir, por que essa história precisa ser contada?”. As dúvidas serviram, em sua visão, para que ele também refletisse sobre a mensagem que traria, e que o livro também tivesse um aspecto de bem público. Também pensando em uma espécie de retorno para as pessoas, e querendo chegar ao maior público possível, ele escolheu o jardim UFJF como local para lançar sua obra, no próximo sábado (6), às 16h. “Eu queria que o lançamento fosse bem acessível, porque quantas vezes a gente deixa de ir porque algo que quer muito está caro e estamos sem dinheiro no momento? Então foi uma forma de deixar acessível, porque o espaço é gratuito e o livro também é gratuito”, explica. Para a leitura, basta acessar o aplicativo da Amazon ou do Kindle e fazer o download da obra.
Escrevendo e pensando em cada detalhe
O processo de escrita de Gabriel foi sendo feito ao longo de um ano, no tempo que encontrava para escrever e se dedicar a essa história. Nesse processo, também ocorreram desafios, inclusive na escrita do personagem principal, Murilo. “Ele é muito diferente de mim. Acho que ele é bem mais corajoso, passa por uns riscos que acho que eu não teria coragem e é muito solto pra ir atrás do que ele quer, tem um perfil muito próprio. Foi um desafio encontrar o tom dele”, explica. Por conta do livro se passar na década de 90, ele também fez pesquisas sobre esse período, montando referências estéticas e conteúdos a mais para a divulgação do livro. O processo, como ele revela, foi muitas vezes solitário. Mas enxerga que, depois de escrito o livro, o autor precisa criar esse diálogo para que a obra também chegue até as pessoas. “Enquanto leitor, sempre gostei muito de editoras que traziam mecanismos para além da escrita. E resolvi criar recursos para complementar a experiência”, diz.
Foi por isso que, nas redes sociais, ele também fez publicações sobre os bastidores, deu spoilers da história e fez uma playlist do livro. Também explica que, como se trata de um projeto independente, contou com a ajuda de amigos, de familiares e até mesmo de antigos professores. Foi o caso de sua mãe Vilma Bhering e a amiga Ramyes Castro, que foram suas primeiras leitoras, e também de Matheus Domith (fotógrafo), Letícia Meyer (designer) e Ana Maria Bastos Firmino (revisora). “Enquanto estudante, eu não tinha como investir recursos nesse projeto, e eu queria mesmo que o e-book fosse gratuito. Então, tive essa sorte. (…) Mas acho que também foi importante ter feito algo de que eu me orgulhe, e é isso que eu sinto agora”, explica.
Conflitos de gerações e leituras distintas
Um dos pontos centrais de seu livro é o conflito de gerações que se coloca quando uma jovem passa a lidar com o passado do próprio pai, entendendo mais sobre os seus pensamentos, suas atitudes e falas, e, inclusive, discordando em parte dessas referências. Gabriel revela que isso não é por acaso – gosta especialmente de pensar em personagens que não são perfeitos e, por isso, também se dedicou a criar críticas, devido à diferença das épocas, a partir do livro. “Gosto quando o autor coloca algo questionável ou problemático, mas enxerga uma forma de resolver ou não deixar passar batido. E a Sabrina faz isso, porque ela está lendo, comenta como está sendo esse processo, vai falando sobre a rotina dela da pandemia também”, explica.
Para ele, o livro também faz com que os leitores queiram desvendar o aparente mistério de como um jovem sonhador se tornou um advogado com uma vida aparentemente entediante. Outra questão, para ele, é refletir sobre o passado. “É pra gente pensar em como era lá atrás, e como tem tantas coisas que são normalizadas ainda e que temos que rever”, diz. Em sua visão de autor, por isso mesmo não se trata de uma obra destinada para um público único, e pensa sempre em como essas diferentes leituras podem agregar. “Até por ter esse contraste geracional, acho que é bem legal um pai e um filho lerem. A minha mãe já leu, foi uma das minhas leitoras betas, e ela se emocionou muito. E a opinião dela também agregou muito, para mim”, explica.