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Livro que conta a história do desfile da Vila Isabel de 1988 é lançado em JF

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Vila Isabel
Carlos Fernando Cunha, Nathalia Sarro e Vinicius Natal escreveram “A Kizomba da Vila Isabel: Festa da negritude e do samba” (Foto: Arquivo Pessoal)
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A Unidos de Vila Isabel comemora 78 anos de sua fundação nesta quinta-feira (4). Entre seus desfiles de mais destaque, está o de 1988, a primeira vez em que a escola foi campeã da primeira divisão. Naquele ano, completava-se o centenário da abolição da escravatura e, por isso, diversas agremiações tematizaram o acontecimento. Com o enredo “Kizomba, festa da raça”, criado por Martinho da Vila, a Vila Isabel fez uma manifestação contra o racismo, que foi representada desde o samba até a imagem pensada para as alas. Contam que, quando a escola passou na avenida, já se sabia que ela era uma forte candidata ao título – o que, de fato, aconteceu.

“Esse é um desfile que não vai acabar nunca”, acredita o sambista, professor e pesquisador Carlos Fernando Cunha, “Vila Isabel fanático”, como define. Ele, junto com os historiadores (também “Vila Isabel fanáticos”) Nathalia Sarro e Vinicius Natal escreveram “A Kizomba da Vila Isabel: Festa da negritude e do samba” que conta a história do desfile, desde sua concepção. É como um passeio por cada parte e cada ala do enredo, pensando ainda no contexto, no território da escola e, principalmente, nos personagens que são os verdadeiros protagonistas da história.

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O livro faz parte de uma série da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), chamada “Acervo universitário do samba”. Várias biografias de sambistas já foram lançadas. “A Kizomba da Vila Isabel” é o primeiro volume que narra um desfile de escola. “Esse nosso é o primeiro, mas não é uma biografia de uma pessoa. É uma biografia de um desfile”, afirma Carlos Fernando. Junto com o livro, vai no encarte um DVD do documentário que tem a mesma temática.

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Em Juiz de Fora, o lançamento acontece nesta terça-feira (2), no Reza Forte, a partir das 19h, nas vésperas do aniversário da Vila Isabel. Vai ter roda de samba e o petisco Kizomba, para celebrar a data. Na entrevista abaixo, Carlos Fernando fala sobre a concepção e o processo de escrita do livro.

Confira a live de lançamento do livro “A Kizomba da Vila Isabel”

Tribuna: Qual é o contexto desse desfile?
Carlos Fernando Cunha: O ano de 1988 foi quando se completou o centenário da abolição. Várias escolas de samba tematizaram a questão da negritude na avenida. E era um desfile com muito simbolismo. A Vila Isabel, naquele momento, era uma escola mais ou menos esquecida, que vivia um momento ruim. Ela ainda não havia sido campeã daquele grupo. Então, foi importante não só pelo ano mas pela forma como o desfile se estabeleceu. Era reabertura política também, e o Martinho da Vila que concebeu o enredo.

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Por que esse desfile de 88 merece uma biografia?
O desfile da Vila Isabel de 88 foi muito além da escola. Participaram até pessoas de outras escolas no desfile. Porque aquele enredo foi uma verdadeira bandeira para levantar as questões relativas à negritude. E foi muito interessante, porque ali tem a questão plástica, que foi uma verdadeira África na avenida. Você olhava para aquilo e a escola parecia outra coisa. O samba também era maravilhoso, a bateria também – soma tudo isso e deu no que deu. Foi um desfile que mobilizou toda a avenida e, quando a Vila Isabel passou, todo mundo já dizia que ela seria campeã.

E vocês propõem como um passeio pelo desfile no livro.
A ideia do livro é passear e contar a trajetória do desfile, desde a sua concepção, até a comemoração do campeonato. Então, a maioria dos capítulos a gente divide como se fossem os setores da escola, os quesitos: enredo, comissão de frente, alegoria, adereços, samba-enredo, bateria, harmonia… Além disso, a gente também faz reflexões importantes sobre o território, o bairro. Isso é muito importante para a gente. A gente tenta mostra o protagonismo das pessoas da comunidade. E depois a gente discute a velha guarda, as baianas, a gente fala da importância dos mais velhos, que é algo muito forte no samba. A gente discute a ancestralidade e fala da escola de samba mirim, que foi criada em 87, próximo ao desfile. Coloca isso como um legado de transmissão dessa memória. Então, a gente consegue avançar muito além do que na verdade foi o desfile.

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São 36 anos do desfile. Isso significa que ainda tem memória viva que pode falar sobre ele. Como foi identificar essas fontes?
O ponto de partida do livro foi o documentário da Nathalia, de 2019, sobre o desfile (que vem no encarte do livro). Ela entrevistou várias pessoas que vivenciaram aquele momento na avenida. A Nathalia e o Vinicius são do departamento de cultura da escola. Então, as fontes que a gente utilizou são fontes que o departamento conseguiu recuperar ao longo do tempo: recortes de jornais, fotografias, o material de acervo particular das pessoas da escola, além de outros acervos do Rio de Janeiro. Mas, fundamentalmente, a história oral, que é o marco de fontes que a gente conseguiu e utilizou. Foram muitas pessoas que a gente entrevistou. A base são as fontes dos arquivos, mas, principalmente, a história oral, as pessoas e seus depoimentos.

No meio, esse desfile também ainda é vivo, mesmo para aqueles que não torcem pela Vila Isabel?
Esse desfile não terminou e nem vai terminar. Ele ficou na memória de todo mundo. Tem depoimentos de algumas crianças, nos quais elas reproduzem o desfile como se tivessem desfilado. É um desfile que ficou na memória pela força simbólica que teve naquele momento. Hoje, isso é muito mais forte 36 anos depois, porque hoje a gente tem essas questões sendo mais discutidas. Isso é muito forte, atualmente, na comunidade, e esse desfile não vai terminar.

Escrever um livro sobre a escola pela qual torce é mais fácil?
É mais fácil porque são historiadores, e a gente sempre teve esse olhar, participando da escola, voltado para as questões da memória. A gente sempre buscou muito saber quem vem antes de nós, como foi a fundação da escola, de onde ela veio, analisar aquele território. Então, essa já era uma questão que estava ali na nossa subjetividade. Era algo que a gente sempre pensou. E é difícil na medida que, de certa maneira, você tem que se colocar na visão e na posição de pesquisador, escritor, e você não pode passar uma narrativa não tão apaixonada. A gente também trata no livro de algumas questões que não são tão laudatórias sobre a escola, como, por exemplo, a presença e a participação das mulheres. A Ruça, que era a presidenta da escola na época do desfile, ficou, durante muito tempo, em segundo plano, como se o Martinho da Vila tivesse feito tudo. Mas ela foi fundamental para aquele desfile sair. A gente traz essa figura dela para tentar tirá-la debaixo da sombra do Martinho da Vila, com quem ela tinha um relacionamento na época. A gente também discute a presença feminina na bateria, que segue sendo um espaço com poucas mulheres. A gente discute isso através de duas personagens que tiveram uma série de problemas até conseguir desfilar naquele ano na ala de cuícas na Vila Isabel, e a gente fala delas no livro. Esse tipo de informação, a gente não pensava nisso anteriormente. A gente não tem noção de como a escola de samba reverbera no mundo inteiro.

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Por que eternizar essa história?
Quem trabalha com esse campo de memória e acessa o passado percebe que o passado é muito importante para a gente compreender criticamente as questões do presente e até apontar perspectivas para o futuro. Então, quando a gente olhou para o passado da Vila Isabel, daquela comunidade, essa perspectiva de olhar para trás é uma atitude política de fortalecer essas tradições e origens para mostrar de onde viemos, as pessoas que são protagonistas da história, e que é preciso que a história delas sirva de exemplo para que a gente continue valorizando quem de fato merece ser valorizado. O livro conta a história do desfile da Vila Isabel, mas muito o que está nele é o cotidiano, a trajetória, são questões políticas, sociológicas, culturais que atravessam todas as escolas de samba.

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