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O que a grade não encerra

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Professor e artista diante de criação que reúne grades, armário, espelho e TV’s (Foto: Rizza/Divulgação)
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Bastam poucos minutos e está vencido o pequeno percurso no qual o jovem artista Tonil Braz ordenou: uma grade, um espaço vazio, outra grande, uma TV ligada em um canal aberto, outra grade, um espaço mais amplo, com outra TV em outro canal aberto e, enfim, uma grade bem diante de um armário no qual se encontra um espelho. Basta um instante para ver, mas algumas horas para deixar de ver. A sequência de grades, nas quais a abertura de passagem segue reduzindo é tão desconcertante quanto o encontro do elemento trivial com outra peça ordinária, a televisão. No trajeto inicial, a instalação “Um lugar em outro lugar”, em cartaz até domingo do Centro Cultural Bernardo Mascarenhas, parece dizer dos encarceramentos das mídias massivas, das conformações às quais estamos submetidos quando crentes do que a TV informa. Contudo, o trecho final, no qual um armário confronta a tal grade, diz da intimidade, de uma subjetividade emotiva, bradando sobre o quanto estamos reféns dos lugares e dos desejos.

Curto, porém profundo, o trabalho de Tonil – patrocinado pela Lei Murilo Mendes – alcança a complexidade através de sua aparente simplicidade. Resulta no amadurecimento de um artista que, durante os tempos de faculdade, manipulava com destreza esculturas que diziam muito mais do que a forma podia supor. Agora graduado, professor de artes da rede estadual de ensino, ganha nova dimensão. “Meu trabalho é uma continuação do que comecei na faculdade”, confirma. “E um trabalho puxa o outro. As esculturas e os objetos me levaram a outros caminhos. A partir disso, cheguei às grades, que estão cada vez mais evidentes no cenário urbano. Identifico-me muito com elas por serem de ferro, um material com o qual tenho um domínio maior, tanto pela prática quanto pela herança de família”, completa ele, neto de um artesão que fazia surgir, da dureza do ferro, canecas e leiteiras.

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Problemática pós-moderna

“Realizei esculturas com grades e me deparei com uma gaveta de armário. Um dia, por acidente, deixei um espelho na frente de uma grade e, daí, percebi que existia algo de interessante naquilo”, conta o artista, revelando uma inquietação quase filosófica. “Aquilo representava um elemento mais externo de uma casa diante do elemento mais interno e íntimo de uma casa, que é um guarda-roupa. O que isso diz para as pessoas?”, questiona. “O (Michel) Foucault trabalha com o conceito de heterotopia, que é a relação do espaço que abriga mais de um espaço. O espelho é isso, porque reproduz um espaço virtual. O nome da instalação, ‘Um lugar em outro lugar’, vem disso.”

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A televisão, neste contexto, também reproduz outros espaços. Em alguns momentos, faz surgir e até encerra outros espaços. O aparelho doméstico, que também possui a sua grade, de programação, reforça encarceramento presente nas criações de ferro. “Ao mesmo tempo, interessa-me investigar como os objetos conduzem o comportamento das pessoas, como moldam alguns comportamentos”, afirma Tonil, justificando as aberturas que diminuem à medida em que o espectador as transpõe. “As grades e a TV, cada vez mais, têm a ver com a narrativa do medo”, pontua ele, contemporâneo na forma e no discurso. E logo adianta-se: “A ideia do trabalho não é dar lição de moral, mas problematizar.”

Fatalmente, “Um lugar em outro lugar”, com curadoria de Pedro Carcereri, não moraliza. Não encerra questões, nem sequer direciona discussões. Propõe um diálogo com o coletivo, com o público e com o privado. Diz de novas ordenações. Dura o tempo do incômodo.

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UM LUGAR EM OUTRO LUGAR

Instalação de Tonil Braz. Visitação quinta e sexta, das 9h às 21h, sábado e domingo, das 10h às 18h. Até 4 de dezembro, no Centro Cultural Bernardo Mascarenhas (Avenida Getúlio Vargas 200 – Centro)

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