Sua voz fica embargada. Parece que cada história vem à tona na medida em que Elisabetta Mazocoli relembra o processo de apuração e escrita de seu primeiro livro, “Do lado de fora: Dez perfis de mulheres anônimas”. Ao estar ali, lado a lado com cada uma delas, a jornalista se permitiu viver a vida de outras mulheres – pelo menos durante um tempo, mas a marca fica. Identificar nos relatos tanta coisa em comum com sua história e das mulheres de sua própria família – motivo de inspiração inclusive no interesse que permeou toda a sua graduação e, agora, se concretiza no livro: esse universo tão individual e, ao mesmo tempo, coletivo do feminino. Agora, mais pessoas adentram nos mundos dessas 11 mulheres retratadas nos perfis. “Do lado de fora” é lançado nesta sexta-feira (1), na Autoria Casa de Cultura, a partir das 18h.
Elisabetta, que é repórter da Tribuna, durante sua graduação na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), pesquisou a imprensa feminina e o jornalismo literário. Isso, somado a sua experiência no jornalismo diário, foi fundamental para idealizar “Do lado de fora” que, inclusive, é fruto de seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC). “Por causa da pesquisa e da prática, eu fui vendo que algumas trajetórias de mulheres nunca apareciam, e eram trajetórias mais próximas da minha, da minha mãe, da minha família, das minhas amigas.” O caminho estava dado.
Ela se colocou então a buscar essas mulheres. Algumas, já tinha tido contato por causa de matérias na Tribuna; outras, apareceram em indicações. “Eu sempre deixei clara a proposta que eram entrevistas com pessoas anônimas e que tivesse uma diversidade entre elas. Mas, também, que fossem pessoas que tivessem um olhar para a cidade de querer participar e fazer a diferença dentro do cenário de cada uma.” E, dessa forma, ela encontrou as dez. Ao ler o livro, percebe-se: não são só dez – elas sempre estão acompanhadas de outras mulheres, inclusive impressas ali, naquelas páginas.
E a diferença que elas fazem vai muito além do que se tem a ideia do que é, de fato, fazer a diferença: se concretiza no cuidado, que perpassa famílias, bairros, a própria cidade, e atinge, por isso, a Juiz de Fora que Elisabetta escreve. “São mulheres que não encaixam exatamente nesse padrão de sucesso que a gente vê que é mais masculino: quem enriqueceu mais, quem subiu mais no topo da carreira. Que seguissem outros valores que a gente tem: de cuidado, de afeto, de formar redes, que também são tão importantes.”
O que vale ser contado
Elisabetta conta que fez questão de combinar os encontros com as mulheres nos locais onde elas se sentissem mais confortáveis, seja em casa ou no trabalho. “Porque eu acho que esses lugares têm muitos elementos que permitem conhecer mais a pessoa”, justifica. Isso fica visível nos perfis de “Do lado de fora”: ao mesmo tempo que conta as histórias de cada uma delas, Elisabetta registra uma trajetória através dos objetos de memória, do que elas traziam para o momento e que, por isso, contam quem elas são.
As conversas demoraram horas. As mulheres se abriram, de fato, para Elisabetta: os detalhes mais íntimos sendo expostos confidencialmente. “É engraçado porque, em alguns momentos, elas falavam que esqueciam que estavam dando entrevista, ou perguntavam como eu ia escrever. Uma coisa que eu ouvi muito é: ‘Não sei se a minha história vai servir para alguma coisa, se é isso que você queria ouvir’. E foi muito legal trazer isso de volta para elas verem que as histórias delas ocupam esse espaço e que vale a pena ser contada.” E foi exatamente por isso que Elisabetta decidiu publicar o livro: para que essas vozes, tão pouco ouvidas, fossem ecoadas.
Conheça as mulheres de “Do lado de fora”
Uma Juiz de Fora recontada em “Do lado de fora”
Ouvindo essas mulheres e falando sobre elas, Elisabetta traça a história de Juiz de Fora: cidade que a recebeu cedo e que, desde então, ela busca entender suas dinâmicas e seu lugar. “Tem uma frase que eu gosto muito de ‘Lady Bird’, que é ‘amor e atenção são a mesma coisa’. E eu acho que ‘Do lado de fora’ foi a minha forma de conhecer mais a cidade que eu vivo e que eu gosto muito. Mas eu sinto totalmente como um divisor esse trabalho e trabalhar com jornalismo, que faz a gente conhecer melhor a cidade e entender a quantidade de coisa que existem aqui, as vivências diferentes. Porque eu acho que as pessoas são a coisa mais importante do lugar. E ver os esforços de todas essas mulheres para mudar a cidade, para fazer a cidade um lugar melhor.”
E nem sempre Juiz de Fora foi agradável a essas mulheres. Pelo contrário: já se mostrou, e muito, um lugar hostil. “E isso tem tudo a ver com a ideia do nome: por mais que elas sempre fossem sendo colocadas de fora das perspectivas, de fora dos empregos tradicionais, de fora do que as pessoas esperavam para elas, elas conseguiram se reinserir e colocar para jogo, como importantes. E fizeram isso a partir do que elas consideravam importante.”
“Do lado de fora” foi financiado pelo Programa Cultural Murilo Mendes, através da Lei Murilão. “Eu fiz questão que entrar com lei municipal porque garantia que tivesse uma circulação aqui em Juiz de Fora, que é onde interessa para esse livro, para essas histórias.” Elisabetta também vai circular por escolas e instituições da cidade para falar sobre jornalismo literário a partir de seu livro. Além disso, através de um audiobook, vai apresentar essas histórias a pessoas cegas.