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Bia Bedran retorna a Juiz de Fora para brincar, cantar e contar histórias

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Bia Bedran, aos 61 anos, já contou histórias para três gerações, acompanhou a evolução recente da tecnologia e defende a experiência do quintal (Foto: Divulgação)
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Aprender e brincar são gestos próprios da natureza do homem, defende Bia Bedran. O tempo, com o peso da sociedade de consumo, trata logo de extrair a leveza e transformá-la em vivência matematicamente rígida. Faltam experiências. Sobram exigências da vida veloz. Em mais de quatro décadas de trajetória, a compositora, cantora, atriz e educadora de 61 anos defende o lúdico em sua concepção mais artesanal possível. Não recusa, contudo, a evolução tecnológica, mas sustenta o equilíbrio entre a mão na terra e o dedo na tela.

Autora de mais de uma dúzia de livros, quase uma dezena de discos e dois DVDs, Bia retorna a Juiz de Fora para um espetáculo no qual reúne a trinca que a fez conhecida. “Canções, brincadeiras e contação de histórias são a minha trinca, sempre insiro os três, tudo interligado, com músicos me acompanhando e cantando também. Bem alegre, bem simples e bem bonito. Já faço para muitas plateias, contando as histórias que todo mundo pede e as novas. Todo artista mais longevo tem sempre um material que não pode deixar fora. E eu estou há muito tempo trabalhando. Então, tem algumas histórias que não quero, para variar, mas acabam pedindo, aí misturo”, conta a artista que se apresenta neste domingo (1º), primeiro dia do mês das crianças, às 16h, no Teatro Solar, dentro do projeto Diversão em Cena da Arcelor Mittal.

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Nascida numa região bucólica de Niterói, a mulher que já aos 10 anos lia Machado de Assis e reparava no balanço das folhas das árvores nas bordas do mar, Bia tornou-se uma militante pela infância não apenas na tenra idade. Dona de voz suave e dicção capaz de fazer compreendidas todas as sílabas de cada palavra, a artista que se lançou ao grande público com o programa “Canta conto”, da TV Educativa, cuja estreia completa duas décadas este ano, defende as artesanias que o próprio palco encerra.

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Para o espetáculo que apresenta na cidade, traz consigo João Sebastião, seu violão. Também traz Tadeu Santiago (acordeom, teclado e voz), Guilherme Bedran (rabeca, bandolim e voz), Paulão Menezes (percussão) – a banda Cabeça de Vento. Nada mais para alguns. Tudo isso para o mundo que ela ajuda a construir. Em entrevista à Tribuna, a premiada artista afirma: “É a essência que comunica.”

Por mais abraços

(Foto: Paulo Rodrigues)

“Eu que tenho a sorte de trabalhar com a infância, pela infância e para a infância, tenho como matéria-prima um momento que vai sempre ter um ar de primavera, vai ser sempre um lugar onde se plantam flores. Por isso falamos tanto que educação e arte salvam. Se não tivéssemos crianças na rua ou ao léu, mas nas escolas e com um adulto que leva pela mão para caminhos da imaginação e do conhecimento, a gente teria outro mundo. No Brasil nunca conseguimos ter uma política pública de educação e saúde que funcionasse e não parasse no governo seguinte. Nosso país não tem um trabalho profundo nessa questão. Temos um índice enorme de crianças fora da escola, que não conseguem aprender, que estão sem afeto e sem abraço. Nossa histórias dão esse colo que muitas crianças não têm.” 

A democracia da carência

“Carentes não são apenas as crianças em risco social, mas também as abonadas, que têm babá e chegam em casa já de noite, dormindo e não vêem os pais, e no dia seguinte saem cedo com o motorista. Já pensou o grau de carência que elas têm? Elas ficam abandonadas, à internet e aos educadores que passam o dia com elas tendo que se virarem para suprirem carências. Existe carência de tudo quanto é lado.”

Dispersão urbana

“Acho que a criança de hoje é um pouco dispersa. A criança urbana e cosmopolita, e mesmos as das áreas rurais, com as quais tenho muito contato. Estava agora no interior do leste de Minas, em Virginópolis e Guanhães, bem longe de um grande centro, e essas crianças também estão globalizadas, têm tablets, mas se concentram num dia a dia pouco menos acelerado. Elas contemplam mais, aprofundam mais o olhar nas coisas. A criança da cidade grande, totalmente imersa num mundo tecnológico, é mais dispersa. É mais difícil conseguir a atenção delas num espetáculo como o meu, que dura pouco mais de uma hora. É um desafio para mim. Essa criança é mais questionadora, talvez, mas quanto mais eletrônicos no mundo dela, mais consumista ela é, com menos ser, brincando menos e jogando mais.”

Quintal necessário

Banda Cabeça de Vento se apresenta com a cantora neste domingo, em show gratuito no Solar (Foto: Paulo Rodrigues/Divulgação)

“O jogo eletrônico, para mim, não considero brincadeira, tenho outra visão do brincar. A criança deve brincar mais, ter mais contato com a terra, com a natureza. Tento fazer com que a minha música devolva um pouco desse quintal que falta na vida das crianças. Por mais que pareçam muito sábias, às vezes são carentes à beça, de encontro, da fala mais profunda, mais mansa, do contato com a imaginação. E por isso ficam mais dispersas. Acho que a gente precisa de mais imaginação e menos tecnologia, ainda que ela seja importante, é o que nós vivemos, mas precisa haver um contraponto.”

A essência de The Who

“O contato, para mim, é a essência da arte. Independentemente da sua tecnologia, a arte em si é um encontro. E a emoção é que rege. Meu espetáculo não tem efeitos, tem uma boa luz e uma equipe pequena de músicos muito bons. Não é uma superprodução, mas tem bonecos superartesanais ao meu lado, e isso faz a diferença nesse mundo tecnológico. É algo que faço a vida inteira, com um jeito mambembe, da commedia dell’arte, de pegar um boneco e colocar o chapéu, depois tirar e colocar um pano para que seja o manto do rei, tudo aos olhos das crianças. Fico pensando: guardadas as devidas proporções, sou da geração que ficou enlouquecida quando o The Who se apresentou no Brasil. No nosso Rock in Rio eles foram o único grupo que se apresentou sem nenhum figurino, apenas calça jeans e camisa. Eles mantém uma essência que deixa todo mundo boquiaberto, há quatro gerações. Eu já tenho três gerações que me acompanham. O que faço hoje não tem muita diferença do que fazia quando era uma jovem artista chegando e contando histórias na televisão com pequenos objetos e tocando violão. É a essência que comunica, muito mais do que qualquer tecnologia. É com a essência que trabalho, do cantar e tocar bem, dos instrumentos brasileiros, acústicos e semi-acústicos, com violino, rabeca, sanfona, teclado e percussão. Assim o encantamento transpõe os tempos.”

Educação por outra via

“Faço brincadeiras corporais, de psicomotricidade, que têm que dar as mãos, fazer dupla. Eu, mesmo sem descer para a plateia, consigo fazer com que o público brinque, para gerar vontade de brincar quando termina o show. Estimulo danças diferentes das propostas pela grande mídia, pela massificação, que não são lúdicas com o corpo. Faço muitas brincadeiras de associação, de atenção, muito com a voz. Espero que meus espetáculos repercutam na criança ou que o professor, que vai assistir, pegue as ideias e faça com os meninos. Tudo ali é uma fonte. Meu trabalho não acaba no show, é um farolzinho para que inventem a partir dali. Uma proposta que gera outros fazeres.”

Compromisso de encorajar

“Conto histórias para tentar pontuar onde poderemos ser mais felizes, ao menos nesse período da vida que é a infância. É muito triste ver uma criança com olhar embargado, não só no Brasil, mas em outros lugares, onde são oprimidas pela fome e pela miséria. Ali não tem esperança. E trabalhamos para brilhar a esperança de um mundo melhor. Sabemos o caos que vivemos e para onde o mundo está indo. Essa crise no mundo nos deixa desolados, mas não podemos deixar que as crianças fiquem assim. Temos que dizer a elas que podem cuidar: do papai, da mamãe, delas mesmas, da plantinha, da terra. Tudo na criança é investigação e conhecimento. Elas têm um olhar pleno e não podemos deixá-lo desvanecer. Para isso brincamos, cantamos e contamos histórias.”

 

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Canções, histórias e brincadeiras musicais
Espetáculo de Bia Bedran, neste domingo (10), às 16h, no Teatro Solar (Av. Itamar Franco 2.104, São Mateus

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