“Antes, a questão era descobrir se a vida precisava ter algum significado para ser vivida. Agora, ao contrário, ficou evidente que ela será vivida melhor se não tiver significado.” A frase do escritor e filósofo franco-argelino Albert Camus Camus pode ser uma boa definição para as questões apresentadas pelo Arcade Fire em “Everything now”, quinto álbum da banda canadense e que foi lançado oficialmente na última sexta-feira. Consumismo, o desejo de ter tudo ao mesmo tempo (que faz todas as conquistas perderem sentido), amor, suicídio, Deus, imediatismo e a sociedade nos tempos da era da informação – em que tudo e nada são a mesma coisa, tamanha a volatilidade de nossa atenção – são alguns dos temas das dez canções que se desdobram em 13 faixas, mostrando ainda uma banda que busca novos caminhos musicais – para desespero de alguns fãs mais resistentes às mudanças.
A parte musical foi o que mais chamou a atenção desde que a faixa-título foi lançada como single, em junho. Aqueles momentos épicos maiores-que-a-vida de “Funeral” e “Neon Bible”, o arrebatamento musical permeado por órgãos, violinos, acordeão, são coisas do passado. O Arcade Fire já havia experimentado um formato mais “tradicional” de rock em “The suburbs” para colocar, tempos depois, um dos pezinhos na pista de dança em “Reflektor”, dando sinais de que os heróis do indie rock do século XXI queriam testar outros sons. Com “Everything now”, o sexteto canadense abraça de vez a música eletrônica, a new wave e um bocado do suingue dos anos 70, cortesia principalmente de Thomas Bangalter, 50% do Daft Punk e um dos produtores do álbum ao lado de Steve Mackey, baixista do Pulp, e Geoff Barrow, do Portishead.
Bastante gente boa, correto? A resposta é sim, mas o álbum torna-se aquele bolo cuja cobertura e a massa parecem uma delícia, mas que alguém estragou justamente o recheio. Os pontos positivos são muitos, começando por “Everything now”, a já famosa preciosidade pop que assustou os mais desatentos devido ao teclado no estilo ABBA, e prosseguem com as palmas e o contrabaixo pulsante de “Signs of life”, fruto tardio do final dos anos 70 com o início dos 80; e a primeira sequência vencedora termina com os sintetizadores de “Creature comfort”. A partir daí, o álbum passa por seu momento menos inspirado, com a tentativa constrangedora de se fazer um reggae (“Peter Pan”, que ainda tem a pior letra já escrita por Win Butler) e a maçaroca de estilos em “Chemistry”. “Infinite content” e “Infinite_Content”, que vêm em seguida, têm a mesma letra; a primeira é punk em sua urgência, enquanto a segunda é um country no estilo melancólico do Wilco, mas são estragadas pela curta duração de cada uma. Havia potencial, mas este foi desperdiçado.
O álbum volta aos eixos em seguida com “Electric blue”, a única cantada por Régine Chassagne, mistura de tecnopop e Blondie, mas com verniz do terceiro milênio (no fundo, lembra um encontro de Goldfrapp com Maria Minerva); a desacelerada e funky “Good God damn”, sobre suicídio, e a dançante – e irônica – “Put your money on me” preparam terreno para a balada melancólica “We don’t deserve your love”, a rigor a última música do disco antes da vinheta estendida “Everything now (continued)”, que sugere um loop infinito ao se conectar à vinheta que inicia o disco.
Ao se propor como uma crônica dos dias atuais, “Everything now” mostra que o Arcade Fire segue antenado ao que acontece em nosso mundinho. Já a guinada musical eletrônica e dançante deixa claro que os canadenses não têm medo de buscar novos caminhos sonoros; só é preciso aparar alguns excessos, que são o que impedem o álbum de chegar à mesma excelência de um “Neon Bible”. Com o tempo, quem sabe?, o que é bom pode se tornar um clássico.