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Mudanças climáticas: tecnologia é vista como alternativa para 2024 e projetos já são testados em JF

enchente felipe couri
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Há anos, os impactos das mudanças climáticas já são sentidos em diversas regiões do planeta, e em Juiz de Fora não é diferente. Em 2023, dias com ondas de calor extremo, imprevisibilidade meteorológica, alto volume de chuvas, alagamentos e deslizamentos de terra se tornaram ainda mais frequentes no cotidiano do juiz-forano. As projeções dos cientistas são de que esses efeitos sejam sentidos de forma mais intensa no próximo ano, o que desperta a necessidade de implementação de estratégias de adaptação. Diante desse cenário, a chamada tecnologia verde é vista como alternativa para lidar com as mudanças climáticas.

Nathan Barros é especialista em mudanças climáticas e professor da Universidade Federal de Juiz de Fora (Foto: Arquivo pessoal)

Para o especialista em mudanças climáticas e professor da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) Nathan Barros, Juiz de Fora não está preparada para lidar com os eventos climáticos extremos e tem feito pouco para transformar essa realidade. O pesquisador destaca que a cidade atualmente enfrenta graves problemas, como os ocasionados pelas mudanças no padrão de pluviosidade. Neste ano, foi comum registrar um alto volume de chuva concentrado em um curto período de tempo e, consequentemente, deslizamentos de terra e enchentes. “O que era esperado para chover em um mês cai em algumas horas, e várias pessoas vivem em ocupações irregulares em Juiz de Fora. O que a cidade fez até hoje para evitar isso? Muito pouco, assim como a questão das enchentes nos Bairros Santa Luzia e Industrial, que acontecem porque a cidade não tem uma drenagem satisfatória para receber esse volume de água.” Em ambos os bairros citados pelo professor, as obras de drenagem tiveram início este ano, com previsão de término até 2026.

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O professor explica que a fase de mitigação passou, já não há o que fazer para evitar esses eventos, o necessário agora é investir em estratégias de adaptação. “Primeiro, precisamos ter um projeto de cidade que entenda que esses fenômenos estão acontecendo. Todo esse negacionismo só atrapalha. Por isso, é necessário ter noção com quais efeitos Juiz de Fora terá que lidar e como iremos agir, através de ações adaptativas ao município.” A partir daí fica evidente a importância do uso da tecnologia para combater a crise climática. “A solução passa pela tecnologia, não vejo outra forma. Termos uma cidade mais inteligente, mais tecnológica, só tende a ajudar.” Entre os exemplos citados pelo pesquisador como soluções imediatas para a cidade estão a criação de uma rede de monitoramento do índice pluviométrico para avisar as pessoas que vivem em áreas de risco sobre a possibilidade de desabamento, além de emitir alertas de áreas alagadas para evitar transtornos no trânsito e acidentes, ações que seriam ainda mais previsíveis com o uso de inteligência artificial e poderiam diminuir a mortalidade.

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“A longo prazo, nós precisamos de uma estratégia de controle de zoneamento. Atualmente, o uso e ocupação do solo em Juiz de Fora é muito falho, existem regiões que são chave para termos uma recarga hídrica, e essas regiões estão sendo transformadas em condomínio. Por exemplo, as áreas mais valorizadas hoje são as mais próximas às represas. Nós precisamos de água, e os reservatórios estão cada vez mais assoreados por conta do uso inadequado da margem. É necessário definir regras sobre onde as pessoas podem construir, entender o que será feito com as pessoas que não deveriam estar onde estão, mapear, preservar e reflorestar áreas verdes que ajudam no controle microclimático e melhoria do ar, e a tecnologia é fundamental neste processo”, ressalta Nathan.

Onda de calor e aumento no consumo de energia

De acordo com relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS), 2023 foi o ano mais quente da história. A temperatura média da superfície global ficou 1,4 grau acima da média de 1850/1900. Segundo Nathan, a expectativa é de que a terra ultrapasse 1,5 grau bem antes de 2030, como era esperado. Com o aumento das temperaturas e as frequentes ondas de calor, o consumo de energia também tende a crescer. Entre 2015 e 2020, o pesquisador integrou o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC). O órgão é a maior autoridade mundial em relação às discussões sobre aquecimento global e tem o objetivo de oferecer aos países que assinam o acordo de Paris informações científicas para que sejam criadas formas de lidar com as mudanças climáticas. O IPCC defende que a redução da emissão de gases de efeito estufa (GEE) é a principal alternativa para aliviar parte dos impactos observados e isso seria possível por meio de fontes de energia limpa.

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Nathan coordena um projeto que busca entender como as emissões podem ser diminuídas em reservatórios para produzir, em um futuro próximo, energia hidrelétrica com menor emissão de GEE. A ideia de que energia hidrelétrica é totalmente limpa não condiz com a realidade, segundo ele. Para construir uma usina hidrelétrica é retirada uma parte importante da vegetação nativa para inundar o espaço que será utilizado para geração de energia. Dessa forma, ocorre a decomposição dessa área, o que causa a emissão de metano e gás carbônico. Segundo o IPCC, as hidrelétricas emitem metano com 25 vezes mais impacto sobre o aquecimento global por tonelada de gás do que o gás carbônico. Por isso, acredita Nathan, projetos como esse são fundamentais no agora para pensar o futuro.

Projeto pretende produzir biodiesel a partir de óleo de cozinha

Nícolas Glanzmann é analista do Parque Científico e Tecnológico de Juiz de Fora e Região (Foto: Arquivo pessoal)

Com o objetivo de incentivar o uso de fontes sustentáveis de energia, o projeto Plataforma de Biodiesel, da UFJF, busca produzir biodiesel a partir de óleo de cozinha usado em Juiz de Fora. A iniciativa, que conta com o apoio da Prefeitura de Juiz de Fora (PJF) e da empresa britânica Green Fuels, pretende demonstrar a viabilidade técnica e financeira do produto. Os testes acontecem em uma usina, com tecnologia de ponta produzida na Inglaterra, instalada no Parque Científico e Tecnológico de Juiz de Fora e Região (Partec-JF), no Distrito Industrial.

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O analista do Partec-JF Nícolas Glanzmann explica que a conversão de óleo de cozinha usado em biodiesel pode contribuir para diminuir o impacto das mudanças climáticas em diferentes frentes. Entre elas estão a reciclagem do resíduo, que, quando descartado de forma incorreta, causa poluição da água ou do solo; o uso de um biocombustível com menor pegada de carbono e redução da emissão de gases do efeito estufa; e a promoção de uma economia circular, que traz benefícios logísticos, já que o óleo usado não precisa ser transportado para fora da cidade, e o combustível pode ser produzido localmente, consolidando uma logística integrada em Juiz de Fora. Este é o primeiro projeto do tipo no Brasil.

“O uso da tecnologia deve ter sempre o papel de simplificar processos. A parceria entre a gestão pública, empresas privadas e universidades permitiu a captação de recursos, a troca de conhecimentos especializados e a construção de uma base sólida para futuras implementações. A expectativa é de que o sucesso deste projeto sirva como um modelo replicável para outras cidades brasileiras, demonstrando que a adoção de tecnologias ambientais pode ser uma realidade sustentável e benéfica para o país como um todo”, comenta Nícolas.

‘Nós estamos vivendo uma situação de extremos’

Em entrevista à equipe da Tribuna, após ser questionada se a cidade está preparada para enfrentar os efeitos das mudanças climáticas, a prefeita Margarida Salomão (PT) afirmou que reconhece a emergência climática e que a Prefeitura tem feito ações de prevenções, como obras de drenagem e limpezas das bocas de lobo, a fim de evitar transbordamentos e inundações provocados pelo acúmulo de água. “Nós estamos vivendo uma situação de extremos, que deve nos preocupar muitíssimo. Neste momento, apresentamos projetos ao PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) e ao CAF (Banco de Desenvolvimento da América Latina e Caribe) para fazermos intervenções que sejam de fato definitivas. Alguns já estão em andamento, com soluções naturais, inclusive, como o processo de drenagem da lagoa do Parque da Lajinha para ser usada como regulador.”

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Em relação ao uso de energia limpa, a prefeita citou a instalação da primeira usina fotovoltaica de Juiz de Fora no entorno do Estádio Municipal Radialista Mário Helênio, que tem o objetivo de gerar energia sustentável e reduzir os custos com energia elétrica nos órgãos públicos. Para a instalação do projeto, árvores foram removidas do entorno do estádio, e a previsão é de que todas as placas estejam em pleno funcionamento até fevereiro de 2024.

Além disso, outra ação anunciada por Margarida durante a entrevista, que pretende dialogar com a Agenda 2030 da ONU, é a proposta de processamento de resíduos sólidos. De acordo com a chefe do Executivo, estudos avançados em parceria com a UFJF estão sendo realizados para criar uma usina de resíduos sólidos para produzir energia a partir do lixo gerado pela cidade. O projeto aguarda o aval do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para ter continuidade.

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