Em novembro do ano passado, li no Facebook um desabafo feito pela auxiliar administrativa Izaura Yung. Na postagem, ela falava sobre o dia de seu renascimento. Me interessei pela história da mulher que, aos 35 anos, sofreu uma tentativa de homicídio do ex-namorado. Fiquei tão impressionada com o relato dela que resolvi procurá-la para marcar uma entrevista. Foi difícil abordar uma mulher que tinha sido estuprada, estrangulada e brutalmente espancada pelo homem que confiava dentro de um motel da cidade para onde foi arrastada. Não sabia como fazê-la se abrir para uma desconhecida. No dia 6 de dezembro, ela respondeu ao meu contato e me deu seu telefone. Chegou a marcar um encontro comigo, mas desistiu. Como Izaura estava em tratamento psicológico e médico – pois precisou passar por uma cirurgia de reconstrução do nariz -, eu precisava respeitar o tempo dela. Porém, não desisti de ouvi-la. Tinha certeza que o depoimento dela poderia ajudar outras vítimas que tinham medo de quebrar o silêncio.
Quase um mês depois dos meus primeiros contatos, Izaura finalmente marcou um encontro na Casa da Mulher. Quando cheguei lá, ela estava acompanhada da filha de 14 anos e de várias fotos chocantes sobre o estado que ficou após sofrer traumatismo craniano provocado pelas agressões do ex-companheiro. Senti uma dor profunda ao ouvir o drama daquela pessoa corajosa que decidira se expor na tentativa de auxiliar outras vítimas como ela. Descobri que, diariamente, são registrados na cidade cinco casos de violência.
Chorei por testemunhar o que ela passou e por ver a filha de Izaura assistir a tudo isso. A auxiliar administrativa viu a morte de perto e, no momento em que já não tinha mais forças, só pensara na adolescente e no risco de perder o crescimento da jovem. “Enquanto tentava desbloquear o celular para pedir ajuda, o agressor apenas a aconselhava a dormir: ‘Dorme que acabou’ foi a frase que ela diz ter ouvido antes de desmaiar. Sem ar, Izaura ainda fixou o rosto da filha de 14 anos na foto que usava como papel de parede de seu telefone”, relatei na reportagem publicada no dia 6 de janeiro de 2017.
Aquela matéria emblemática foi um divisor de águas. Ao mostrar seu rosto e suas cicatrizes, Izaura comoveu a cidade e mostrou que o silêncio rouba ainda mais a dignidade da vítima. Depois da reportagem especial, a auxiliar administrativa tornou-se um símbolo na luta contra a violência sexual, familiar, doméstica em Juiz de Fora.
Izaura quebrou tabus e conseguiu colocar o ex-namorado na cadeia. Antes de tentar matá-la, ele a ameaçou e a aterrorizou por meses, sugerindo que mataria também a filha dela. Sou profundamente grata a Izaura por confiar a mim sua história. Narrar o calvário dela ensinou muito a todas nós. Impactada pela sua dor, eu jamais conseguirei esquecê-la.
“As mulheres têm que perder o que eu tinha: o medo e a vergonha, porque, quando o agressor vê que te domina, ele acaba com sua vida em todos os sentidos, física e emocionalmente. Quero que outras mulheres entendam que o agressor não para. Se ele começar a ameaçar, a bater, vai surrar e vai matar sim. Não tenho arrependimento por ter me exposto. A minha vida começou naquele 15 de novembro: eu renasci. 2017 já é o melhor ano da minha vida”, ela me disse em nossa despedida.
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