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Juiz de Fora, seus nomes e seus lugares

LOCAIS MORRO DA BOIADA Leonardo Costa
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Vasculhando parte dos 173 anos de Juiz de Fora, a Tribuna buscou fatos pitorescos que rondam a história do quarto município mais populoso de Minas Gerais, passando principalmente pela origem do nome de algumas localidades e por lendas que ainda aguçam a curiosidade de seus quase 600 mil habitantes. Situado na Zona Sudeste, o Bairro Santo Antônio é onde a cidade de fato surge, para além das fazendas do Caminho Novo, porque já haveria ali capela e cemitério. A região na época era conhecida como Morro da Boiada e abriga um “causo” bem espantoso sobre uma suposta múmia, até publicado na edição de 23 de maio de 1908 do jornal “O Pharol”, mas nunca solucionado.

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Com auxílio do supervisor de Memória da Funalfa, Eduardo Faria, e do historiador Vanderlei Tomaz, a reportagem chegou também a vias inspiradas em rios, distritos e estações; atravessamos a Garganta do Dilermando pela única Rua Direita de fato “direita” – a Avenida Rio Branco -; cruzamos nomes “esdrúxulos” que viraram santos, tropeçamos na Rua do Sapo e desembocamos na Zona Norte, com as maravilhosas contações de Benfica. Ou será de “Bem, fica!”?

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Morro da Boiada

“Pela região do atual Bairro Santo Antônio, se espalhavam pelos morros alguns casebres e, ainda, havia um pequeno cemitério e uma capelinha. O lugar era bem conhecido pelos tropeiros de passagem pelo Caminho Novo da Estrada Real, pois servia de pousada em alguns ranchos de onde se podia ver, ao longe, o gado em boas pastagens. O nome ‘Boiada’ chegou a ser citado em diversos documentos mineiros nas primeiras décadas do século XIX. Era uma referência àquele pequeno povoado. Se falava Morro ou Serra da Boiada”, escreve o historiador Vanderlei Tomaz. Como a proposta aqui é mergulhar no tempo, segue ao lado a publicação “Mumia Mysteriosa no Morro da Boiada – Roteiro importante?”, tal qual foi escrita à época, há 115 anos. O achado foi pesquisado pelo padre Eduardo Faria, supervisor de Memória da Funalfa.

(Foto: Leonardo Costa)

Mumia Mysteriosa no Morro da Boiada – Roteiro importante?

“Calou tão fundamente no espirito de nossa população a noticia que hontem publicamos, referente ao funebre achado do sr. Antonio Silva, que, logo ás primeiras horas do dia, destacamos um de nossos companheiros para colher mais detalhadas informações. A’ cata de informes, pois, partiu o nosso companheiro e, logo ás primeiras perguntas, soube que sr. Felicissimo Mendes Ribeiro, professor, não ignorava a existencia de certa mumia, no morro da Boiada, no local em que existiu o antigo arraial. Essa mumia existia numa pedreira, áquem de uma agua situada no caminho que segue para a estação do Retiro, e próximo a uma casa coberta de sapé, antes da volta do caminho, do lado esquerdo de quem vai da cidade. Não se sabe ao certo si é desta mumia que se trata, pois uns affirmam que a mesma foi retirada para o cemiterio e outros, que apenas inhumada a alguns passos de distancia do local. Seja como for, o certo é que o sr. Silva encontrou um cadaver mumificado, tão mysteriosamente inhumado e em tão extranho logar, que a curiosidade avassala todos os espiritos. O nosso companheiro, emtanto, prosseguiu em suas indagações e soube, além da fazenda do sr. Ignacio Gama, com o creoulo Jeronymo, um dos mais antigos moradores da cidade, e que residiu e é filho de pais que residiram no extincto arraial, que no morro da Boiada existia effectivamente um cadaver, que fôra, segundo contara sua avó, curandeira perita, ali depositado por uma familia rica que de passagem do sertao para o Rio, tivera a desdita de perder um de seus membros. Disse mais o creoulo Jeronymo que parecia, segundo lhe fora contado, que se tratava de familia que abandonara, por perseguições, o domicilio, não tendo siquer tempo de recolher seus haveres. Não sabe o logar em que foi depositado o corpo do extincto; não lhe recorda do nome, mas sabe que os membros dessa familia vieram das bandas de Ouro Preto, disfarçados, curtindo privações e receios. E nada mais conseguiu saber o nosso companheiro, pelo que tratou de indagar do paradeiro do sr. Antonio Silva. Este, verificou, acha-se para os lados da fazenda do Aracajú. Empenharemos todos os esforços para conseguir encontrar o sr. Silva, a fim de que elle nos indique o logar do funebre achado e bem assim nos mostre o tal cadaver de capa marron, após cuja leitura, como sabem os leitores, fugiu. Si é certo que esse corpo encontrado era de um dos membros da tal familia fugitiva, que, segundo diz o creoulo Jeronymo, era riquissima, não serão interessantes as notas do tal caderno? E’ o que desejamos verificar, para desvendar este caso myterioso.”

Jornal O Pharol, 23 de maio de 1908

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Ruas inspiradas em rios, distritos e estações

Saber a origem do nome de ruas e bairros da região de Juiz de Fora – à exceção daqueles que homenageiam personalidades – não é tarefa fácil, até mesmo para historiadores. No livro “Retalhos do passado” (1966), o ex-prefeito da cidade e autor da obra, José Procópio Teixeira Filho, tenta elucidar algumas denominações, por também desconhecê-las: “Apesar de filho desta terra, por diversas vezes tenho tido dificuldades em saber por que determinada rua, avenida ou praça traz esse ou aquele nome, ou melhor, porque tal nome veio a paraninfar tal logradouro”.

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Em meio às explicações pesquisadas por ele, o político e escritor revela ter nomenclaturado diversas ruas durante sua passagem pela Prefeitura. As vias batizadas por ele estão espalhadas por várias regiões, mas têm algo em comum: “Com a colaboração de Gilberto de Alencar, o grande escritor que tanto nos engrandeceu, adotamos alguns critérios genéricos de nomes, tais como os de nossos maiores rios: Araguaia, Paraná, Paracatu, Tietê, Mamoré, Tocantins; ou então de distritos do município, como Sarandira, Torreões, Porto das Flores, Chácara, Ibitiguaia, Três Ilhas; ou ainda de estações de águas minerais de Minas: Caxambu, Lambari, Araxá, Poços de Caldas.” Ao final da lista, ele brinca: “Melhor que batizá-las com nomes de cidadãos…”

Garganta do Dilermando na Grota dos Macacos

A parte final Norte da Avenida Rio Branco teria recebido o nome de “Garganta do Dilermando” em homenagem a Dilermando Martins da Costa Cruz Filho, prefeito de Juiz de Fora entre 1947 e 1950. Mais importante do que saber a origem do nome curioso, no entanto, é lembrar a importância dessa obra finalizada na década de 1970, que viabilizou a ligação com a rodovia MG-353 e o consequente acesso direto a bairros como Bandeirantes, Grama e Filgueiras, antes possível apenas pelo Bairro Santa Terezinha. Em sua pesquisa de mestrado em engenharia, disponibilizada na internet, Tiago Goretti Ribeiro descreve as intervenções urbanas na Avenida Rio Branco e destaca a abertura – que faz lembrar a forma de uma garganta – na região montanhosa conhecida então como “Grota dos Macacos”: “A dificuldade desta obra era devida à cota elevada de inclinação do trecho, fato que fez Dilermando optar por deixá-la no nível até onde foi possível abri-la, permanecendo sem uma ligação direta pela avenida Barão do Rio Branco. Foi em 1968 que o prefeito Itamar Franco (1967-1970) decidiu retomar a obra e finalmente estender a avenida (…) Alguns estudos de viabilidade técnica e econômica solicitados pelo prefeito foram feitos rapidamente, e a ‘Garganta’ finalmente foi aberta. Entretanto, sua conclusão ficou para a administração que o sucedeu, do engenheiro Agostinho Pestana (1971-1972).”

Sobre a avenida que abriga a Garganta do Dilermando, o ex-prefeito e escritor José Procópio Teixeira Filho discorre: “Esta avenida, possivelmente a mais antiga da cidade, denominava-se Rua Principal e depois Rua Direita. Embora quase todas as antigas cidades brasileiras possuam uma Rua Direita, talvez a de Juiz de Fora seja a única que é efetivamente ‘direita’, pois seu percurso, de perto de cinco quilômetros, constitui perfeita linha reta.”

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(Foto: Acervo Funalfa)

Nomes ‘esdrúxulos’ dão lugar a uma JF ‘abençoada’

Sem revelar qual político, o escritor Vicente de Paulo Clemente expõe no livro “Os alemães e as borboletas” que um prefeito da cidade, o qual pretendia se candidatar à reeleição e buscava apoio da Igreja Católica, procurou o bispo da época e propôs trocar nomes de bairros considerados por ele “esdrúxulos” por outros, de santos. “Não se sabe, com certeza, como e se foi realmente oficializado tal barganha, o certo é que o esperto político conseguiu se reeleger e, logo, após sua posse, começou a pipocar na Câmara dos Vereadores projetos de leis, oriundas do Executivo Municipal, alterando diversos nomes de bairros, tais como: Arado – passou a se denominar Vila São Benedito; Borboleta – Vila São Vicente de Paulo; Cachoeirinha – Bairro Santa Luzia; Megiolário – Bairro Nossa Senhora Aparecida; Serrinha – Bairro Dom Bosco; Tapera Alta – Bairro Santa Terezinha; Várzea do Euclides – Bairro São Dimas.” O escritor ainda ironiza: “E, assim, Juiz de Fora ficou mais abençoada, com tantos outros santos intercedendo por nós, lá no céu.”

Fonseca Hermes, a antiga Rua do Sapo

No livro “Baú de Ossos”, Pedro Nava mostra um aspecto já quase esquecido da Rua Fonseca Hermes, no Centro, como ressalta o supervisor de Memória da Funalfa, Eduardo Faria, que separou o trecho com personagens da cidade ambientado naquela recém-conhecida “Rua das Funerárias”, antigamente repleta de luxúria: “Acontece que, desde seus primórdios, Juiz de Fora tinha uma cloaca aberta a igual distância da rua Principal e das barrancas do Paraibuna. Era a rua do Sapo. Nela se abrigavam as biraias autóctones e as zabaneiras que vinham do Rio em diligência. Justamente a chegada de um desses carregamentos, contendo até francesas para os nativos, foi ruidosamente festejada pelos tios Zezé e Júlio, em companhia do próprio Inácio Gama. Houve vinhos, houve música e o chafurdamento final. Pois no dia seguinte os dois irmãos foram ouvidos pela Inhazinha quando rememoravam, deleitados, os néctares de Siracusa que tinham bebido, os tabacos de Alepo que tinham fumado, as harpas de Alexandria que tinham tangido e as cortesãs de Sagunto que tinham comido. Que mulheres! Que chupetas! Eles ainda estavam frouxos, zonzos, exauridos, sem tutano, desossados, os quartos destroncados… O Gama, então, tinha ficado… Surpreendido o relato da orgia, a mana pôs a boca no mundo, com um acesso que era mais de raiva que de mágoa. Quis quebrar a boca do Júlio, quis arrancar os olhos do Zezé. Gritou para eles, para d. Mariana, para o Luís da Cunha, para quem quisesse ouvir que não queria mais saber do cachorrão, do cachorrão, do cachorrão do Inácio Gama, e que se o velho Halfeld tornasse a pedir, raios a picassem se ela não casasse com ele, naquele dia, naquela hora, naquele instante. Quem abriu as orelhas para escutar foi um escravo do comendador que estava justo chegando, com o costumado tabuleiro de presentes do velho para d. Mariana e para o Luís da Cunha – uvas envoltas na poeira de cortiça da embalagem e garrafas de Johannisberg embrulhadas em palha. Ninguém pensava mais no modo como o negro se escafedera quando, meia hora depois, chegou, de carruagem, num tinir de guizos e num estalar de chicotadas, o próprio comendador Henrique Guilherme Fernando Halfeld. Foi direto ao assunto. Queria que seu amigo Luís da Cunha perguntasse à filha, na frente dele, se era verdade que ela estava disposta a ser sua esposa. Luís da Cunha chamou e perguntou. A Inhá Luísa confirmou e, antes que ela acabasse de falar, estava nos ares, suspensa pelas manoplas do alemão, que, ao recolocá-la em terra, beijou-lhe paternalmente a testa. Ah! Minha Maria Luísa! Minha Maria Luísa! Minha Maria Luísa! – não parava ele de falar, embargado, os olhos azuis boiando dentro de duas lágrimas avermelhadas de velho amoroso.”

(Foto: Acervo Simón Eugénio Sáenz Arévalo)

Ô, bem, fica!?

Estudioso das curiosidades do Bairro Benfica, na Zona Norte, Vanderlei Tomaz pontua que há diversas versões para a origem do nome. “Benfica é uma das comunidades mais antigas de Juiz de Fora. São inúmeros os registros que citam Benfica como um povoado que já existia em meados do século XIX. Tenho um mapa de 1847 onde Benfica já aparecia.” Nas memórias do historiador, a lenda que mais marcou sua infância também é a mais romântica: “Dizem que, no final do século XIX, era comum a figura de uma moça na estação ferroviária do povoado. E todas as vezes em que o namorado partia de trem, ela gritava até perder de vista a locomotiva: “Bem, fica! Bem, fica! Bem, fica!”.

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Segundo Vanderlei, outra possibilidade semelhante para o nome foi cogitada pelo jornalista José Alves de Castro, em seu livro “Tópicos de um jornalista refletido”: “Francisco Martins Barbosa recebeu naquela época um casal em trânsito para a Corte. Acontece que esses hóspedes gostaram tanto do acolhimento do anfitrião que, na hora de seguir viagem, entabolaram o seguinte diálogo: ‘- Fiquem mais tempo’, falou D.Esméria, esposa de Francisco Martins Barbosa. Estabeleceu-se um rápido silêncio, falando então a esposa do viajante, dirigindo-se ao mesmo: ‘- Bem, fica’. A mulher venceu, permanecendo assim o esponsal por mais dois dias em convívio com os familiares de Francisco Martins Barbosa. Segundo esta lenda, o topônimo de Benfica resultou desse original gracejo.”

Para Vanderlei, que também compartilhou outras possibilidades com a reportagem, todas as versões reforçam as tradições da história oral que atravessam as gerações. “A riqueza desses registros demonstra o quanto nossa população se preocupou em preservar o que foi contado pelos antigos moradores. O certo é que Benfica tem origem no parcelamento da Fazenda Bemfica (com ‘m’ mesmo).” De acordo com ele, a propriedade foi vendida em 1853 para Francisco Martins Barbosa, que veio de Chapéu D’Uvas. Francisco foi o responsável pela divisão entre os herdeiros e, com isso, teria provocado o seu povoamento na segunda metade do século XIX. “A fazenda teria surgido às margens da Estrada do Paraibuna, aberta pelo engenheiro alemão Henrique Guilherme Fernando Halfeld. O trecho da estrada em Benfica atualmente é ocupado pela Avenida JK, e seria uma ramificação do Caminho Novo da Estrada Real, fazendo a sua ligação com a região da Barreira do Triunfo.” O historiador complementa que a estação ferroviária, inaugurada em 1º de fevereiro de 1877, já recebeu o nome de Bemfica por ter sido construída na localidade. “Portanto, bem antes de a moça se despedir do namorado na estação, a Fazenda Bemfica já existia, e é ela a verdadeira origem do bairro que tem o seu nome”, conclui, para desespero dos românticos.

(Foto: Leonardo Costa)
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