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Usuárias de crack deixam bebês na maternidade

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M. completou 18 anos de idade no último dia 2. Mesmo sendo tão jovem, sua vida já daria um roteiro de filme. Desde os 13, usava drogas de vários tipos e era obrigada a se prostituir para sustentar também o vício da mãe, dependente de crack. Em outubro, porém, sua vida deu uma reviravolta. Ela teve seu primeiro filho, e sua reação foi diferente da registrada em outros casos de mães usuárias da droga. Ela conseguiu deixar as pedras e amamenta o pequeno D., de apenas 1 mês e meio, dá banho e cuida 24 horas por dia do menino, que, desde o nascimento, está sob a guarda de uma prima, após decisão da Vara da Infância e Juventude.

“Quero que a vida dele seja muito diferente do que foi a minha até agora. Desde os 13 anos me prostituo. Minha mãe me colocava para fazer programas para conseguir dinheiro para ela usar drogas e me incentivava a usar. Usava tudo, crack, dia e noite. Ficava noites e noites sem dormir. Depois da gravidez, não penso em mais nada, só nele. É meu presente. Tenho irmãos em abrigo, e também já fiquei um tempo abrigada. Não quero isso para ele. Parei com tudo. Não penso e nem tenho vontade. Deus e meu filho vão me dar forças”, diz a jovem ainda com traços de criança, enquanto amamentava o filho, bem cuidado, no sofá da casa da prima, que, além de guardiã, foi escolhida madrinha de D.

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A guardiã da criança, uma auxiliar de serviços gerais de 33 anos, mostra-se surpresa com a reação de M. “Ninguém esperava que ela fosse ser uma boa mãe, e está sendo mãe 24 horas. Eu não tinha obrigação de ajudar, tenho três filhos e sempre trabalhei para dar as coisas para eles, mas como ela sempre me ouviu, me respeitou, achei que merecia ajuda. No dia da alta dos dois, a Vara da Infância foi até o hospital com mandado para retirar o bebê dela, mas não deixei. Me dispus a ficar com a guarda da criança e dela para que pudesse criar e amamentar o filho sob a minha responsabilidade”, explica.

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O caso de M. é raro. Na maioria das vezes, os bebês são abandonados pelas mães. E o quadro se agrava, já que cresce o número de gestantes dependentes que chegam os hospitais da cidade. A maioria dos filhos de usuárias não tem mais contato com a mãe após o parto. Nas ruas de Juiz de Fora, é fácil encontrar mulheres que deixaram seus filhos com parentes ou os entregaram para adoção.

Caso de saúde pública

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Apesar de não haver um dado exato na Secretaria de Saúde a respeito do total de bebês nascidos de dependentes de crack, alguns números já são considerados preocupantes. Considerando os levantamentos realizados pelo Hospital e Maternidade Therezinha de Jesus e a Maternidade Viva vida, do Hospital Doutor João Penido, a pedido da Tribuna, somente este ano, de janeiro a outubro, 36 crianças nasceram de mães usuárias da droga, o que representa um nascimento a cada oito dias. A realidade nas instituições chama atenção para um novo problema de saúde pública já que, o que antes era exceção, virou rotina.

“É um número muito alto se formos pensar nas crianças. Neste ano, 12 bebês que nasceram aqui não ficaram com as mães e acabaram indo para familiares próximos da gestante”, alerta a assistente social da Maternidade Viva Vida, Heloísa Helena do Vale, responsável pela interface entre as pacientes e a Vara da Infância.

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Casos de fuga antes da alta hospitalar

A maioria das mães dependentes de droga é moradora de rua e já chega aos hospitais com registros em programas e serviços sociais, como Conselhos Tutelares e abordagem de rua. Uma avaliação social permite identificar se possuem ou não condições de permanecer com o filho. “É um trabalho de investigação. Muitas mentem e temos que levantar tudo para encaminhar o relatório à Vara da Infância. Geralmente a maioria das mulheres tem histórico anterior e já perdeu outros filhos para a Justiça, que é quem determina o encaminhamento das crianças para a família extensa ou para a adoção”, explicou a assistente social Heloísa Helena.

Outras mulheres sequer aguardam a alta e fogem das unidades de saúde, deixando os bebês. Em Belo Horizonte cerca de 40 recém-nascidos são deixados mensalmente nos hospitais. Presidente do Fórum de População de Rua de Juiz de Fora, Márcio Esperidião dos Santos, confirma a tendência de abandono. “A maioria não fica com os filhos. Geralmente ganham, deixam no próprio hospital e acabam indo para família acolhedora ou adoção. Não conseguem abandonar o vício. Sem oportunidades, sem laços familiares, dois, três dias depois de ganharem as crianças já estão na rua.”

Trabalhando há mais de 22 anos na equipe de abordagem à população de rua, José Ronaldo Fernandes, reitera: “Os nomes mudam, as personagens são outras, mas a história se repete. Geralmente não usam preservativo, se prostituem, engravidam, ganham o filho e voltam para rua em poucos dias, deixando as crianças para adoção. Muitas já tiveram dois, três ou mais filhos.”

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Usuária está na sétima gestação

Na Rua José Calil Ahouagi, conhecida como a região da cracolândia, a Tribuna encontrou V., 32, no sétimo mês de gestação. Grávida de um menino, seu sétimo filho, ela diz que não conseguiu deixar o vício e lamenta não ter condições de ficar com a criança. “Tenho gêmeos, já adolescentes, que estão com o pai. Os outros quatro estão com minha mãe em Belo Horizonte. Este vou ter que deixar com o pai”, afirma ela, que garante estar fazendo o pré-natal. “Estava alucinada no início do ano, fumava direto até passar mal. Depois do susto, diminuí a pedra e segui certinho com o pré-natal. Tenho fumado mais no fim de semana e me alimento bem. Como já uso droga, tenho que tentar compensar de alguma forma”, relata ela que, aos três meses e meio de gestação, sofreu um acidente vascular cerebral (AVC), ficando 25 dias desacordada. “Fiquei com os movimentos das mãos paralisados, com fala e audição comprometidas. Foi um susto mesmo.”

Dizendo ser consciente dos riscos de novas gestações, ela diz que já agendou a laqueadura para a data do parto, em janeiro.
Risco de outras doenças a longo prazo

Não é só a triste realidade do abandono dos bebês. O crack provoca outras tragédias silenciosas ainda não dimensionadas pelo Poder Público. Muitas mulheres, para manter o vício, prostituem-se sem qualquer tipo de proteção, e o resultado são crianças geradas com o ônus dessa dependência: contaminadas por doenças sexualmente transmissíveis, como sífilis e HIV, ou com outros problemas sérios de saúde, algumas não resistem.

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Além do alto índice de nascidos com baixo peso e prematuros, o que demanda maior tempo de internação e, consequentemente, maiores impactos financeiros ao Sistema Único de Saúde (SUS), muitos desses bebês sofrem com a abstinência da droga. “Se a gestante usa o crack, o bebê recebe a droga no útero. Quando nasce, é como se interrompesse o uso. Além de nascer abaixo do peso, é agitada, com choro irritado, apresenta alterações do sono, tremores, sudorese e até convulsões. Algumas têm febre e problemas digestivos, como vômitos e diarreia. Muitas vezes, se não sabemos o histórico da mãe, o quadro pode ser confundido até com uma infecção, como meningite ou septicemia. Descartadas todas as possibilidades, é feito o diagnóstico de abstinência, e a criança recebe um tratamento de suporte”, explicou o neonatologista Carlos Alberto Zanini.

A médio e longo prazo, os efeitos da droga são outros. Geralmente há alterações neurocomportamentais e deficiências motoras, que podem dificultar a amamentação e levar a um atraso no desenvolvimento. Em Juiz de Fora, das cerca de 500 crianças acompanhadas no ambulatório do Centro de Atenção Psicossocial (Caps I), muitas são filhas de usuários de crack. “Por isso é importante o acompanhamento dessas crianças posteriormente”, destacou Zanini.

Profissionais de saúde argumentam que o Brasil precisa adotar programas específicos para tratamento de mães usuárias de drogas e dos bebês que já nascem exigindo cuidados especiais. Em Juiz de Fora, as crianças nascidas nessas condições na maternidade do Hospital João Penido são encaminhadas para acompanhamento com especialistas em ambulatório especializado. “Sei que o João Penido e o Hospital Universitário têm esse tipo de serviço, mas a maioria dessas crianças posteriormente passa a ser atendida nas unidades de saúde tradicionais”, informou Zanini.

Maioria não usa preservativo e se prostitui

O número de “filhos do crack” é cada vez maior porque não há prevenção entre as usuárias. Estudo recente realizado pelo Laboratório de Informação em Saúde (LIS), do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict) da Fiocruz, mostra que 62,9% das mulheres dependentes pesquisadas não utilizam preservativo, e cerca de 30% delas se prostituem.

Para Neilane Bertoni, autora da pesquisa publicada no International Journal for Equity in Health, outro dado merece destaque. “Quase metade delas reportou já ter sofrido violência sexual pelo menos uma vez na vida. Nessa população de excluídos, essas mulheres seriam as excluídas dentre os excluídos. Elas são ainda mais vulneráveis.”
Por conta do uso de crack, a gravidez é considerada de alto risco porque o efeito da droga aumenta também a chance de infarto, acidentes vasculares e hemorragia na mulher. Em Ribeirão Preto, terceira cidade do Estado de São Paulo com maior número de viciados em crack, o Hospital das Clínicas realiza implante de anticoncepcional gratuito para controle de natalidade.

Em Juiz de Fora, não há este tipo de serviço. Segundo a Secretaria de Saúde, o Departamento de Saúde Mental realiza oficinas para a prevenção de todas as doenças sexualmente transmissíveis, referencia o tratamento médico, clínico, psicossocial, atendendo às mães e aos seus filhos. Elas também podem procurar o atendimento nas unidades de atenção primária à saúde (Uaps) de sua região e no Departamento de Saúde da Mulher, para o acompanhamento de pré-natal.

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