Todos os dias, há 15 anos, o maquinista José do Egito Fernandes Filho entra na cabine de uma composição da MRS. Atrás dele, o veículo se estende por mais 1,4 quilômetro, em 136 vagões. Na frente dele, duas linhas paralelas formam os trilhos por onde ele passa, que ora desenham retas, ora esboçam curvas, mas exigem que o profissional se mantenha centrado e atento. Quando um cidadão olha o trem se aproximar, ou passar, ele consegue ver o meio de transporte, mas não consegue enxergar o condutor e o tamanho de sua responsabilidade. Acompanhamos José do Egito em um trecho que vai de Matias Barbosa ao distrito de Dias Tavares, na Zona Norte de Juiz de Fora. Em frente aos seus painéis, com orgulho, o trabalhador foi mostrando os indicadores de velocidade, localização e funcionamento da máquina 3464-1 e como todos os alertas e comandos aos quais ele precisa estar atento são dispostos. Ele também mostrou a buzina acionada antes da passagem do trem pelas passagens de nível. Enquanto ele guiava a composição, as paisagens da cidade passavam diante dos nossos olhos por um ângulo muito diferente do qual costumamos vê-las.
“Precisamos fazer as pessoas enxergarem esse profissional. Que elas saibam que ele está ali para conseguir o sustento de sua família, que ele também é um membro da comunidade. O maquinista que precisa passar dentro da cidade, pelas comunidades, devido aos atos de imprudência de alguns, acabam ficando em um estado de tensão muito grande. O nível de estresse dos maquinistas em Juiz de Fora, em que a extensão da rede ferroviária é muito grande e as imprudências são muito frequentes, também é muito grande. Isso exige que a gente faça um trabalho de gestão muito próximo do profissional, para que ele esteja fortalecido mentalmente e preparado para suas atividades diárias”, ressaltou o gerente geral de operações da MRS Minas Gerais, Raphael Marins. Atualmente, a rede conta com 800 colaboradores diretamente ligados às operações ferroviárias no estado.
Segundo Marins, a população não costuma se lembrar do impacto que um acidente pode gerar no maquinista, quando se expõe a uma ação perigosa sobre a ferrovia.
Contando do dia 1º de janeiro até 23 de setembro, foram contabilizadas 13 ocorrências em 2017. Nesse ano, no mesmo período, são 12 casos. Quando se trata da saúde mental dessas pessoas, conforme o gerente geral, o maior desafio é manter a preparação e o suporte psicológico diante das situações que podem acontecer. “Diante de um atropelamento, ou uma batida, o maquinista não segue viagem. Ele é substituído por outro e fica fora de atividade por um tempo, para que ele possa se restabelecer e estar novamente apto para retornar. Não é fácil parar um trem. Por mais que o condutor esteja preparado e capacitado para aquela atividade, há uma questão física que o impede de parar o trem com a mesma velocidade que um carro.” Por isso, é fundamental que os condutores respeitem a sinalização, os avisos visuais e sonoros.
Acidente nunca está entre os planos
Se o inevitável acontece, uma equipe de psicólogos é acionada para dar a atenção necessária. “É algo muito desagradável. A última coisa que um funcionário quer é estar envolvido em um atropelamento. Muitas pessoas já tiveram essa infelicidade de participar de um evento como esse. Já aconteceu comigo, e eu fui desviado das minhas funções por 30 dias. É algo que não tenho como explicar. Só quem vivenciou sabe como torce para que não aconteça novamente. A sensação de impotência é horrível”, descreve José do Egito.
Apesar do treinamento e da preparação, um acidente nunca está entre os planos. “Nos deparamos com pessoas passando pelos trilhos como se fossem ruas, presenciamos até suicídios. Estamos preparados para conduzir o trem, mas não para encontrar alguém na frente dele. Sei o que devo fazer para pará-lo. Mas emocionalmente, sou um ser humano e não estou preparado. Também tenho uma família e sempre me coloco no lugar deles. Essa cenas são muito difíceis e muito chocantes”, relata o maquinista. Uma das situações presenciadas por José foi a de uma menina de 8 anos, que estava com seu pai. Ele percebeu que não daria tempo de atravessar e parou. Ela achou que ia dar tempo e tentou atravessar. O trem a atingiu. “Foi muito difícil. Eu tenho uma filha da mesma idade. Graças a Deus, hoje ela está bem, mas não me acostumo com essa cena. É muito difícil. Sei que, naquele dia, ela aprendeu que não dá para passar em frente à composição. São três minutos que se perdem, mas se ganha em segurança. Já eu aprendi que a gente sempre deve andar devagar”, refletiu.
Prudência para não ter que acionar o último recurso
O maquinista José do Egito relembra que o trem é muito comprido, muito pesado, e o freio é a última ferramenta. “Depois disso, eu não posso fazer mais nada. Posso falar como maquinista e como motorista. Quando estou de carro, posso desviar ou frear. Se estou no trem, não consigo desviar. Aciono o freio e torço para que tudo dê certo.” O conselho deixado por ele para as pessoas é que elas evitassem andar na linha férrea, porque há muitos riscos. Ele considera que até mesmo as pessoas saudáveis podem ter maus súbitos, e isso pode gerar um acidente. Até mesmo as pessoas que admiram e gostam da ferrovia, para ele, devem fazê-lo guardando a distância. “Esse é um caminho muito perigoso. Eu amo o que faço. Trabalho com muito prazer, mas sempre digo para as pessoas que devem se afastar para se manterem seguras.”