“É um presente de Deus”, expressa Osmarina Riani que, há 40 anos, recebia o primeiro rim transplantado em procedimento realizado pela Santa Casa de Misericórdia de Juiz de Fora. Na época, a doação do órgão partiu de sua irmã, Olga Riani, e marcou o início da atuação do hospital na área de transplantes. De lá para cá, a unidade de saúde realizou 1.548 transplantes renais, número cuja média anual vem apresentando crescimento e consolidando a Santa Casa como referência no serviço em Minas Gerais e no país. Em 2022, 163 procedimentos do tipo foram realizado. Este ano, até esta quarta-feira (30), já foram concluídos 128 transplantes. Os dados foram apresentados pela instituição à imprensa durante entrevista coletiva à imprensa realizada na manhã desta quarta-feira (30).
De acordo com o coordenador do Serviço de Transplantes da Santa Casa e também presidente da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO), Gustavo Fernandes Ferreira, nesta quarta-feira, 449 pessoas estavam na lista de espera da Santa Casa aguardando por um rim. Além desses, 154 pacientes estavam em processo de avaliação para receber o órgão. Atualmente, a instituição faz o acompanhamento de 891 transplantados.
Como explicado pelo nefrologista, a espera por um órgão varia de acordo com as condições clínicas e a compatibilidade dos doadores. No caso, os pacientes entram em uma lista do SUS, conforme sua tipagem sanguínea. Isso significa que eles podem receber doações de todo o país.
“Quanto maior a compatibilidade do paciente (com o doador), maior a chance de sucesso daquele transplante e, consequentemente, em um lugar mais alto ele vai estar no ranking (para receber) daquele transplante. Então, é muito importante que os pacientes saibam que não existe uma fila única, uma ‘fila indiana’, e sim uma lista em que os pacientes serão testados com cada doador que aparecer naquele momento”, explica Ferreira.
No caso de doadores vivos, estes determinam para quem doarão o órgão. Já no de doadores falecidos, o transplante ocorre de acordo com a compatibilidade. Para ser um doador, basta apenas informar aos familiares sobre essa vontade. Porém, conforme o nefrologista, no Brasil, ainda existe uma recusa de cerca de 49% dos familiares, o que influencia na disponibilidade de órgãos que possam ser doados.
“A cada duas possíveis doações, somente uma é efetivada. Se reduzíssemos o percentual (de recusas) para abaixo de 20%, o número de ofertas de órgãos seria muito maior e a nossa possibilidade de transplantar mais também. Então, esse é um dado muito relevante para discutirmos com a sociedade atualmente.”
Sistema moderno
Como destacado pelo especialista, a lista de compatibilidade do SUS configura o Brasil como um dos países mais modernos e transparentes em relação a serviços de transplantes. “Nós temos hoje o maior programa público de transplante do mundo. Isso é motivo de muito orgulho para todos nós, uma vez que ele oferece a todo brasileiro a mesma oportunidade de transplantar, independente da sua origem, da sua cor, da sua sexualidade ou da sua fonte de remuneração”, comenta.
Tentativa para solução de diálises
O transplante de Osmarina ocorreu em outubro de 1983. Ela conta que, na época, pessoas próximas a questionaram se ela teria mesmo a coragem de ser a primeira paciente a ser transplantada pela Santa Casa. “Um tem que ser o primeiro”, brincou. “Mas eu tive certeza, com muita fé, que ia dar certo. E, graças a Deus, deu certo.” Prova é que, nos últimos 40 anos, ela não teve mais problemas renais, contou.
Outros dois irmãos de Osmarina, sendo um deles seu gêmeo, fizeram o teste para doação do rim, mas a maior compatibilidade veio de Olga, que também se disponibilizou para ajudar a irmã. Hoje com 75 anos, a primeira transplantada pela Santa Casa ainda celebra a conquista. “Agradeço muito a Deus por esse presente que ele me deu, que é a minha irmã, sou muito feliz por Ele ter me premiado com ela”, diz. “A gente tem que pensar o seguinte: não desistir nunca.”
Já Olga, de 85 anos, conta que, na época, houve grande dificuldade por não haver tanta informação sobre o assunto e porque os exames eram feitos no Rio de Janeiro. Hoje, a medicina está mais avançada. Desta forma, como a primeira doadora, Olga reforça a importância da doação. “Eu diria para eles (doadores) não terem medo, só pegar a mão de Deus e ir em frente, porque se você pode, então faça.”
O nefrologista Sebastião Ferreira atendeu Osmarina e integrou a equipe que realizou o procedimento. O médico lembra que, na época, havia grande ansiedade entre os profissionais de saúde para solucionar os problemas dos pacientes que faziam diálise, considerando que as máquinas ainda eram rudimentares e havia uma sobrevida menor. “Na época, o chefe do Serviço de Nefrologia era o doutor Maurício Bara e ele também se entusiasmou (com a ideia de fazer o transplante). Nós tocamos o serviço que, na época, realmente, era um ato heroico”, conta. “Não imaginava que nós poderíamos, um dia, chegar ao que chegamos hoje aqui dentro da Santa Casa, como o quinto centro transplantador do Brasil. Não tínhamos a menor ideia, mas eu fico muito orgulhoso e feliz pelo que tem sido feito em prol dos pacientes.”
Sensação de ‘ganhar na Mega-Sena’
A espera por uma doação é difícil, mas quando acontece, a sensação é a mesma que “ganhar na Mega-Sena”, descreve o paciente Antônio Vanderlei da Silva, de 60 anos. Ele recebeu um transplante de rim em janeiro de 2021. Antônio ficou dois anos e meio aguardando o órgão e lembra com detalhes como foi a noite em que recebeu a notícia de que havia conseguido. “A minha esposa atendeu o telefone, e falaram: Antônio Vanderlei, tem um rim pra ele aqui, se ele não quiser, ele tem que ligar. Eu falei: não, eu quero!”
Conforme Antônio, o procedimento para o transplante é rápido. Ele teve algumas complicações, mas foram solucionadas. “Eles viram que eu já estava beleza mesmo, e eu fiquei tranquilo. Fiquei 25 dias internado, e depois eu fui embora para casa”, comemora.
Histórico do serviço
De acordo com o coordenador do Serviço de Transplantes da Santa Casa, Gustavo Fernandes Ferreira, as quatro décadas em que o serviço é realizado pela unidade de saúde podem ser divididas em diferentes etapas. A primeira delas, entre 1983 e 1990, é considerada pelo nefrologista como a fase “heroica”. Neste período, a instituição realizou seis transplantes de rim, todos apenas com doadores vivos. Ainda era uma época em que não havia uma regulamentação própria do procedimento, além de todo o processo ser mais árduo para os profissionais de saúde e para os pacientes.
O segundo período, entre 1990 e 1997, foi definido pelo presidente da ABTO como era “romântica”. Ainda não havia normas e poucos repasses por parte do SUS. Foi nesse período, em 1992, que a instituição realizou o primeiro transplante com doador falecido. Durante esses sete anos, foram realizados 90 procedimentos.
Já a terceira fase, de “evolução”, seguiu até 2012. Em 1997, surgiram os primeiros protocolos e legislações sobre o tema. No período, também houve a criação da ABTO e maior financiamento por parte do sistema público de saúde. Neste tempo, 254 transplantes foram realizados.
Por fim, de 2012 para cá, o período é marcado pelo grande crescimento do número de procedimentos realizados pela Santa Casa. Houve a criação da Unidade de Prática Integrada (UPI) de Transplante Renal e a média anual, até 2018, foi de cerca de 80 transplantes.
A partir de 2019, o número subiu para mais de 100 transplantes por ano, chegando a 163 em 2022. Como destacado por Ferreira, o ano de 2020, com a pandemia da Covid-19, foi de grande desafio para o programa, pelo desconhecimento sobre como o coronavírus poderia afetaria os pacientes. Naquele ano, a Santa Casa suspendeu, por exemplo, os transplantes com doadores vivos. Foram 106 procedimentos realizados em 2020.
Referência em transplantes renais
Com cada vez mais procedimentos realizados, a Santa Casa se tornou referência no Estado no Serviço de Transplantes de rins. Em 2022, com a realização de 163 procedimentos, a unidade de saúde ficou à frente de outras instituições como o Hospital Felício Rocho, Hospital Evangélico de Belo Horizonte, Santa Casa de Misericórdia de Belo Horizonte e UFMG, todos da capital mineira, que realizaram 114, 56, 55 e 37 transplantes, respectivamente, conforme dados apresentados pelo presidente da ABTO.
A Santa Casa de Juiz de Fora também tem se destacado no país, sendo o quinto hospital com o maior serviço. A instituição está atrás apenas do Hospital do Rim de São Paulo, da Santa Casa de Porto Alegre, do Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira (IMIP – Recife) e do Hospital São Francisco, do Rio de Janeiro.
O hospital também é credenciado para realizar transplantes de fígado, pâncreas e córnea.
Quase 6 mil aguardam por transplantes em Minas
O serviço de transplante no Brasil ganhou destaque nos últimos dias por conta do apresentador Fausto Silva, o Faustão, que passou pelo procedimento no último domingo (27). No caso do apresentador, o transplante foi de coração. Conforme informações da Agência Brasil, no primeiro semestre deste ano, foram realizados 206 transplantes de coração no país. O total representa um aumento de 16% na comparação com a primeira metade de 2022.
Em Minas, foram 43 transplantes de coração entre janeiro e julho de 2023, de acordo com dados do MG Transplantes, da Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig). Considerando os demais órgãos (rim, coração, fígado rim, fígado, rim pâncreas e pâncreas) e os tecidos (córnea, esclera e medula óssea), o Estado realizou 1.259 procedimentos no primeiro semestre. Destes, os de maior número foram os de córnea (480), rim (407) e medula óssea (169).
Lista de espera
Em relação ao número de pacientes na lista de espera, até o dia 4 de agosto, o MG Transplantes contabilizava que 5.949 pessoas aguardavam o procedimento em Minas. Destas, 2.986 esperam por córnea, 2.794 por rim, 97 por fígado, 44 por rim/pâncreas, 22 por coração e seis por pâncreas.
Conforme a Fhemig, a fila é controlada e gerenciada pelo Sistema Nacional de Transplantes. A ordem de recebimento dos órgãos é definida por alguns critérios, como a compatibilidade anatômica e imunológica entre receptor e doador e o tempo de espera em fila.
“No caso de priorização em lista, os casos estão relacionados à gravidade do paciente no momento da inscrição e são específicos para cada órgão ou tecido em questão, mas, em geral, relacionam-se à insuficiência terminal do órgão”, explica a Fhemig.