Antes tida como cidade pacata, Piraúba, a cerca de 92km de Juiz de Fora, vivencia a mudança de hábito de seus habitantes. A rotina de tranquilidade, peculiar aos municípios do interior, foi alterada depois que um funcionário da agência de Correios foi feito refém durante assalto em plena luz do dia, movimentando sua ruas centrais e resultando na prisão de um dos bandidos pela Polícia Militar. A aeronave da corporação teve que ser deslocada para a cidade, chamando a atenção da população. Como consequência, a sensação de segurança da comunidade de aproximadamente 11 mil moradores foi abalada.
A nova realidade de Piraúba pode ser encontrada em outros municípios da Zona da Mata, inclusive Juiz de Fora, que contabiliza, até o momento, 84 mortes violentas em 2017, segundo dados da Tribuna que leva em conta também os homicídios consumados, os óbitos ocorridos posteriormente aos crimes, incluindo casos investigados como latrocínio e feminicídio. Na região, a reportagem levantou episódios envolvendo dez cidades desde 2015 (ver quadro).
No último dia 19, a 4ª Região de Polícia Militar divulgou balanço que mostra recuo da criminalidade violenta na Zona da Mata de 15%, no primeiro semestre de 2017, quando comparado com o mesmo período do ano passado. Todavia, apesar da queda nos números, a sensação de insegurança dos habitantes desses lugares cresce. Representantes de vários municípios que participaram de reunião em Juiz de Fora, em maio, para debater o assunto com a Secretaria de Estado de Segurança, relataram o temor dos moradores, que agora se manifesta em Piraúba.
“O perfil da cidade mudou. Já não dá para andar nas ruas depois das 20h, pois estamos assustados. Durante o dia, não é muito diferente, na hora do almoço, tenho medo de ficar sozinha na agência. Na hora de fechar, os comerciantes estão combinando de todos abaixarem as portas no mesmo horário e mais cedo, como forma de nos apoiarmos e ter mais segurança”, relata Jussara Paiva, proprietária de agência de veículos. A funcionária de um salão de beleza, Jane Oliveira, diz que, como o estabelecimento fecha às 19h, a porta vidro da frente fica trancada após 18h e só é aberta para pessoas conhecidas. “A população ficou muito receosa. Não estamos acostumados com uma situação dessas, na qual um trabalhador é feito refém na cara das pessoas”, pontua.
Para a moradora Maria de Araújo, a violência vem crescendo ao longo dos anos em Piraúba. Segundo ela, os muros mais altos e as grades nas fechadas das casas denunciam que a sensação de insegurança vem aumentando. Na Zona Rural, idosos já não sentem mais segurança de permanecerem sozinhos nas suas residências. “Não dá para sair e deixar dinheiro em casa. Sempre é preciso levar, se ficar, o morador pode acabar sem. Antigamente, era possível deixar uma porta ou janela aberta, hoje isso é impossível”, relata. Conforme Maria de Araújo, na rua em que mora, os residentes se uniram para contratar um vigilante. “Ele percorre as ruas de motocicleta, fazendo a ronda. Cada morador doa R$ 20 por mês, para pagar o serviço dele.”
O enfrentamento da criminalidade na Zona da Mata já havia sido tema da Tribuna, em março, quando a desarticulação pela Polícia Federal de uma organização internacional que trazia cocaína da Bolívia para Juiz de Fora evidenciou a expansão do tráfico de drogas para as cidades da região. O núcleo criminoso era responsável por distribuir, a partir de Juiz de Fora, o entorpecente para Rio Novo, São João Nepomuceno, Guarani e Piraúba, movimentando uma tonelada de cocaína por mês, avaliada em R$ 6 milhões. Prefeitos ouvidos pelo jornal, na época, denunciaram o aumento da violência e o impacto na rotina dos moradores.
Aumento de efetivo é a principal demanda
O aumento de efetivo policial é a principal demanda dessas cidades no que diz respeito à segurança pública. A necessidade de investimentos nesse setor foi apontada pela Comissão de Segurança Pública da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). Por meio de requerimentos, os parlamentares solicitaram ao Governo de Minas o aumento do efetivo na região, mais viaturas, troca de coletes à prova de balas vencidos, mais munição e outros itens de trabalho para as polícias Civil e Militar.
Essa carência veio à tona durante visita dos integrantes da comissão a familiares do cabo da Polícia Militar Marcos Marques da Silva e do vigilante Leonardo José Mendes, mortos em tentativa de assalto às agencias do Banco do Brasil e do Sicoob no município de Santa Margarida. No último dia 26, dois homens foram presos preventivamente pela Polícia Civil, em Fervedouro, suspeitos de integrarem a organização criminosa que teria sido responsável pelos crimes. A Polícia Civil já identificou que o mesmo grupo teria participado de pelo menos outros oito crimes na região, entre roubos a bancos e explosões de caixas eletrônicos. O bando criminoso tem sido chamado pela comunidade local de “Novo cangaço”, devido às semelhanças com a organização de Lampião, que aterrorizava as comunidades realizando roubos em série, no sertão nordestino, no século passado.
Poucos policiais por turno de serviço
Presidente da Comissão de Segurança Pública da ALMG, deputado Sargento Rodrigues (PDT), avalia que a Zona Mata carece, de forma urgente, de investimentos públicos para driblar a criminalidade. Segundo ele, o representante da Polícia Militar, responsável pelo pelotão que atende às cidades de Santa Margarida e Manhuaçu, denunciou que os municípios operam apenas com dois policiais por turno. “Aprovamos requerimentos para alertar o governo e o comando-geral da Polícia Militar sobre como é inadmissível permitir dois policiais num turno em uma cidade. Primeiro, porque não conseguem dar uma resposta à população quando houver duas ocorrências num mesmo horário, porque são só dois policiais numa viatura. Segundo, e mais grave, é deixar dois policiais para uma população de 16 mil habitantes como em Santa Margarida durante o serviço, pois isso coloca em risco a vida dos próprios militares e contraria toda a doutrina apregoada pela PM.”
Ele lembra que diversos destacamentos da PM têm sido invadidos durante a madrugada na Zona da Mata e Região Sul, que faz divisa com o Rio de Janeiro e São Paulo, resultando em casos de explosão de cofres e caixas eletrônicos e policiais sendo reféns dentro dos próprios quarteis por quadrilhas organizadas. “Há munições e coletes vencidos em diversas localidades. O cinturão de segurança pública, que envolve os municípios que fazem fronteiras, foi extinguido. Hoje necessitamos de feijão com arroz para a segurança pública em Minas, que é efetivo e logística, porque o Estado está perdendo a guerra para essas quadrilhas, pois já houve mais de cem explosões de caixas eletrônicos no estado neste ano”, pontua Rodrigues.
Pesquisador defende combate ao tráfico
Análise do membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e coordenador do Núcleo de Estudos Sociopolíticos da PUC Minas, Robson Sávio, ressalta que a interiorização da criminalidade já é algo que vem sendo acompanhado pelos especialistas no assunto há algum tempo, não sendo novidade o que acontece na Zona da Mata. Conforme ele, o aumento dos crimes nessas áreas acontece em decorrência da expansão do tráfico de drogas, que busca mercado e oportunidades, os quais encontra nas cidades de menor porte.
O pesquisador aponta que o comércio de entorpecentes deve ser combatido na produção e na distribuição, que é justamente a ponta onde se tem grandes produtores e uma grande rede de distribuição envolvendo a corrupção de diversos setores. Para Sávio, o enfrentamento dos pequenos traficantes e usuários apresenta resultados insignificantes, além de resultar em inchaço nas cadeias. Ele aponta que Juiz de Fora é uma cidade próxima ao Rio de Janeiro, que tem um mercado muito extenso, além disso há uma rota de tráfico via rodovias, que permite uma distribuição num grande círculo.
‘Realidade que nos preocupa’
Para o comandante da 4ª RPM, coronel Alexandre Nocelli, a PM, para superar a questão do efetivo reduzido, vem trabalhando com criatividade, inteligência e dedicação. “Uma questão fundamental para a atividade de polícia é a inteligência nas ações, é planejar o seu emprego. Agora, uma coisa é certa, a interiorização do crime é uma realidade que é pensada e nos preocupa. Temos uma ideia de consórcio entre frações, no qual, nas cidades menores, uma fração ajuda a outra. São constituídos grupos táticos, de quatro a seis policiais, que agem com apoio mútuo, para garantir uma supremacia de força em relação a esses delitos que consideramos mais violentos. Ainda temos feito o trabalho de identificação desses marginais que atuam com explosão de caixas eletrônicos e crimes mais graves, para tentar prendê-los antes que cometam esse tipo de violência, pois são ocorrências traumáticas e fazem um efeito perverso na sociedade e nos policiais”, avalia Nocelli, acrescentando que o problema de efetivo se faz presente nas polícias do mundo inteiro.
Bandidos simulam acidente para enganar a polícia
Para despistar a polícia e atacar municípios de menor porte, os bandidos têm se valido de uma tática frequente. A denúncia é feita pelo deputado estadual Isauro Calais (PMDB). “Na cidade de São Sebastião da Vargem Alegre, que era distrito de Miraí e agora foi emancipada, criminosos ligaram para a polícia e disseram que havia tido um acidente com vítima na Zona Rural. A guarnição da PM saiu da sua sede para atender a ocorrência, e os bandidos fizeram um assalto ao posto de Correios na área urbana.Em seguida, ligaram para a PM de Miraí, comunicaram que houve um acidente e um assalto nos Correios de São Sebastião, assim a polícia de Miraí se deslocou para dar apoio, e uma agência bancária de Miraí foi assaltada”, relata o deputado.
Cobrança
Desde maio, o parlamentar, junto com outros deputados da Zona da Mata, vêm cobrando do Governo estadual medidas de enfrentamento dessa criminalidade. Naquele mês, o tema foi pauta de reunião realizada em Juiz de Fora com a presença do secretário de Estado de Segurança Pública, Sérgio Barboza Menezes, autoridades ligadas à segurança e prefeitos de municípios da região. “O governador tem sinalizado que irá contratar mais efetivo para as polícias militar e civil. Já houve, inclusive, envio de viatura para a nossa região, mas temos que continuar cobrando, porque a segurança é dever do Estado.”
Controle de fronteiras
Isauro também cobra um política de segurança para as fronteiras. “A entrada de drogas e armas na Zona da Mata é muito fácil pelo Espírito Santo e Rio de Janeiro. Por mais que a PM queira e tenha bons profissionais, o acesso de drogas e armas em Juiz de Fora é grande e contribuiu para o aumento dos homicídios, então é preciso reforçar nossas fronteiras, além de ser importante a vinda do programa Fica Vivo para a cidade”, avalia Calais.
Durante sua visita a Juiz de Fora, o secretário Sérgio Barboza, anunciou a implantação, ainda este ano, do programa estadual de prevenção a homicídios na cidade. O Fica Vivo é uma demanda antiga do município, que constatou o aumento do número de homicídios nos últimos cinco anos.
Voltado para jovens com idades entre 12 e 24 anos, o programa de prevenção social à criminalidade visa a reduzir os assassinatos por meio de ações em áreas vulneráveis. O público-alvo é envolvido em oficinas de cultura, lazer e esportes, enquanto ocorrem atividades paralelas de policiamento comunitário e intervenções policiais estratégicas, com ações também do Ministério Público e do Judiciário. A iniciativa é articulada com os serviços públicos, para encaminhamentos de adolescentes e jovens.
Segundo semestre
A Vila Olavo Costa, na Zona Sudeste, seria o primeiro bairro a receber o projeto. Acionada pela Tribuna, a Secretaria de Segurança Pública de Minas Gerais (Sesp), informou que a implantação do projeto no município está prevista ainda para o segundo semestre e que as tratativas, assinaturas dos termos de parceria e diálogos com as comunidades já estariam em andamento. <<<<