A pandemia da Covid-19 não cansa de trazer à tona seus efeitos nefastos e mais um deles é o aumento do volume de registros de violência contra a pessoa idosa. Ao manter no mesmo ambiente a vítima e o agressor em razão do isolamento social, uma das medidas de enfrentamento para o proliferação do coronavírus, o resultado foi o crescimento das situações de violações diárias dos direitos dessa parcela da população. Em Juiz de Fora, dados da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp), revelam que houve um acréscimo de cerca de 28% de infrações contra pessoas com idade aparente de 60 anos ou mais. Enquanto de janeiro a maio de 2020, foram 1.112 casos, este ano, no mesmo período, houve acúmulo de 1.424 ocorrências, ou seja, quase nove vítimas diárias ao longo de cinco meses.
Ainda segundo a pasta, os crimes mais praticados contra os idosos nos períodos analisados foram furto, ameaça, agressão, dano, lesão corporal, roubo e também infrações contra a pessoa, contra o patrimônio e a propriedade imaterial e contra a dignidade sexual e a família.
Para o advogado Rafael Cunha Silvério, atual presidente do Conselho Municipal Dos Direitos da Pessoa Idosa (CMDPI) e coordenador jurídico da Associação de Aposentados, Pensionistas e Idosos de Juiz de Fora, dois pontos básicos justificam o aumento dos casos. “O primeiro, seria a questão do isolamento social, uma vez que a maioria desses crimes, dessas violações, ocorre no ambiente doméstico, e as pessoas inseridas por mais tempo nesse ambiente estão mais suscetíveis à violência. O outro ponto é por conta dessa retração na economia, pois a dificuldade financeira propicia um ambiente de estresse, que acaba facilitando para que essa violência aconteça”, avalia, acrescentando, inclusive, que muitos casos acontecem de forma silenciosa e não chegam a ser notificados.
“Quando falamos de violência contra idosos, estamos falando de uma pessoa extremamente vulnerável, e é preciso destacar isso, porque é muito difícil para que esse cidadão sozinho faça a denúncia. Porque essas violências acontecerem em um ambiente doméstico, elas acabam ficando sem testemunhas, resultando em crimes que sequer chegam ao conhecimento do Poder Público”, pontua.
Violência financeira é causada por quem deveria cuidar
Durante o período da pandemia, conforme Rafael Cunha, o que mais tem sido frequente é a questão da violência financeira, provocada tanto pela própria família, quanto pelas instituições bancárias.
“Um exemplo é quando o filho pede ao idoso para fazer um empréstimo para ele, já que o idoso, por meio do empréstimo consignado, tem um juro menor. O filho promete que irá fazer o pagamento mês a mês, e o idoso realiza o empréstimo e passa o dinheiro ao filho, que não realiza o pagamento. Esse tipo de situação tem se tornado muito comum, e isso é sim um tipo de violência, porque todo arcabouço legal em prol da pessoa idosa é no sentido de que ela seja o objeto da assistência dos filhos e não o contrário”, afirma.
Outro caso diz respeito à situação na qual o idoso manifesta o desejo de distribuir a herança em vida. “Quando vamos analisar o caso concreto, vemos que, na maioria das vezes, há uma pressão do filho para adiantar a herança, e isso é uma violência financeira. A pessoa idosa para se sentir útil e ter a atenção dos filhos acaba cedendo.”
Exploração e pressão das instituições bancárias
O presidente do CMDPI, Rafael Cunha, alerta para a questão da exploração financeira oriunda de instituições bancárias e que vem crescendo muito. Segundo ele, essas empresas adquirem os telefones de contatos de aposentados e realizam ligações diárias e insistentes oferecendo empréstimo.
“Recebemos idosos com lista de telefones bloqueados ao longo do dia, e isso é um tipo de abordagem, quantitativa e qualitativamente desleal, extremamente invasiva no dia a dia para esses idosos. Outra coisa que percebemos, e mais grave do ponto de vista jurídico, é quando o idoso vai sacar o benefício dele e percebe que tem empréstimo consignado que ele não realizou. Chega ao absurdo de aparecer empréstimos consignados mediante a assinatura falsa. São dezenas e dezenas de casos como esse, e é preciso o ressarcimento para a vítima e pagamento pelo dano moral. Numa perspectiva geral, percebemos que os bancos já preveem, de certa forma, a despesa com esses processos judiciais, e a desídia na qualidade de formalização dessas contratações continua rendendo lucros para eles”, adverte.
Segundo Rafael Cunha, esse situação só vai acabar quando o Estado começar a punir financeiramente as instituições. “Isso tudo é sinal de uma sociedade doente, focada em um capitalismo desenfreado e carece de regulamentação por parte até do Banco Central. Existem alguns (empréstimos) que são realizados de forma eletrônica com idosos que não sabem nem como enviar e-mail, e ele acaba sendo prejudicado por pessoas cuja remuneração está ligada à questão do cumprimento de metas.”
Educação e conscientização para prevenir estelionatos
Os crimes de estelionatos também têm levado muitas pessoas idosas ao prejuízo. Nas últimas semanas, a Tribuna divulgou casos de idosos que foram enganados em fraudes conhecidas como “golpe do falso sequestro” e “golpe do falso funcionário”. Todos aplicados por meio de ligações telefônicas. No primeiro, o criminoso convence a vítima, por meio de diversos artifícios, de que está em posse de um ente querido do idoso, que precisa depositar um valor como resgate para a libertação do familiar ameaçado de morte. No segundo, o estelionatário se identifica como funcionário do banco no qual a vítima é cliente, e a convence que existem irregularidades na sua conta e para saná-las, o idoso precisa passar suas senhas e números de cartões.
De acordo com Rafael Cunha, essa modalidade criminosa é antiga contra a população mais velha e fica mais frequente quando a economia está retraída. “Isso só pode ser combatido por meio da educação. Com o surgimento sempre de novas tecnologias, muitos serviços são realizados por meio da internet, como o internet banking. O Poder Público precisa inserir o idoso, de forma educativa, nessa nova modalidade de mercado. Temos o caso de um idoso que uma pessoa foi até a casa dele, com a camisa de determinado banco, e conseguiu pegar com ele seu cartão e sua senha”, relata.
Segundo Cunha, é preciso a realização de campanhas educativas para conscientização e a prevenção. “Porque é muito difícil investimentos no poder de polícia para coibir esses criminosos e temos hoje vários bancos virtuais que carecem de regulação. Tudo que chega pra gente, repassamos para a delegacia ou para o Procon, porque o conselho, apesar de ter um papel de fiscalização, age mais na esfera na prevenção, uma vez que não tem o poder processar essas denúncias.”