Duas compras, totalizando cerca de R$ 10.500, foram realizadas com o cartão de um idoso, de 80 anos, sem que ele tivesse conhecimento. Ao acreditar que estava tentando resolver uma fraude na agência bancária, da qual é cliente desde 1964, ele, que é morador da região Sudeste de Juiz de Fora, recebeu, por meio de um interlocutor ao telefone, a orientação de entregar o seu cartão de banco e uma carta escrita de próprio punho a um funcionário da instituição, que foi até a sua casa buscar o material, em uma motocicleta, para que providências fossem tomadas. Após fazer a entrega para o desconhecido, que usava roupas tipo um uniforme com a palavra “segurança” estampada, o idoso recebeu outra ligação, na qual o interlocutor questionava se ele tinha solicitado o encerramento do serviço de notificação de movimentações financeiras via SMS. Ao responder que não, o idoso recebeu a orientação para deixar seu telefone desligado por cerca de duas horas, a fim de que o serviço fosse reativado.
Essa solicitação fez a vítima acender seu sinal de alerta e desconfiasse da ligação. Em seguida, ele ligou para o seu banco e recebeu a informação de que o seu cartão havia sido cancelado, há cerca de 40 minutos, mas duas compras foram feitas, em lojas diferentes, momentos antes do cancelamento. Os valores foram de R$ 5.299 e de R$ 5.127. Neste momento, o idoso percebeu que havia sido vítima de um crime conhecido como “golpe do motoboy”, uma modalidade de estelionato que se tornou muito comum em todo o Brasil e está na mira das investigações da polícia, do Ministério Público e das instituições bancárias.
O uso de fraudes para obter vantagem sobre alguém é uma das ocorrências criminais mais frequentes praticadas contra pessoas com mais de 60 anos em Juiz de Fora. Dados da Secretaria de Estado de Segurança Pública de Minas Gerais (Sesp) apontaram que, em 2018, cerca de oito crimes contra idosos foram praticados, a cada dia, na cidade. Ao todo, 3.240 casos foram contabilizados pela pasta. Os furtos (1.278 registros), as ameaças (536) e os estelionatos (353) lideram os três primeiros lugares do ranking (veja quadro). Somente este ano, de janeiro a abril, Juiz de Fora já acumulou 1.175 registros de delitos consumados contra cidadãos mais velhos.
‘Eu me senti muito vulnerável’
“Achei muito estranho ele (interlocutor) dizer que eu não podia usar o meu telefone. Fiquei desconfiado e consegui o número da agência e liguei. Fui atendido e contei o caso. Eles, então, me explicaram que era um golpe que estava sendo aplicado frequentemente. Nessa hora, fiz o bloqueio do cartão. Mas fui informado a respeito de duas compras efetuadas sem meu conhecimento”, contou o idoso, que prefere não ter seu nome divulgado. “Eu me senti muito vulnerável com essa situação, mas não me senti culpado, porque, ao longo de toda a conversa com os golpistas ao telefone, pensava que tratava com alguém do banco onde sou cliente há muitos anos. Além disso, pensava estar colaborando com uma investigação da instituição para acabar com as fraudes”, ressaltou o idoso.
Para esse cliente, que lida com instituições bancárias há mais de cinco décadas, os bancos deveriam tomar atitudes a fim de alertar sobre novas práticas de golpes. “É preciso orientar para que o cartão, por exemplo, não seja entregue a terceiros, pois, a todo o momento, a gente passa nosso cartão para alguém, como acontece nos postos de gasolina. Assim não tive receio de entregar o meu para alguém que se dizia e aparentava ser da minha agência”, contou a vítima, lembrando: “Quando cheguei à delegacia para denunciar o crime, o delegado me disse que a situação de o estelionatário ir até a casa da pessoa para pegar o cartão é um tipo de crime muito comum. Então, se é tão frequente, porque não somos alertados”, questionou.
Prejuízos
O crime contra esse idoso, registrado no último dia 21, será investigado pela Polícia Civil, e ele espera que o caso seja resolvido sem que tenha que arcar com o prejuízo. “Nas lojas, onde as compras foram feitas, pela descrição da pessoa que esteve lá usando o meu cartão, era, exatamente, o homem que esteve aqui na minha casa. Nos estabelecimentos têm a filmagem da venda, que será entregue, por meio de ordem judicial, para colaborar na investigação”, afirmou o idoso, que ressaltou: “Nós, as vítimas, que temos que correr atrás de provas, fazendo quase um trabalho de policial, para tentar sanar o prejuízo. Espero que essas compras no cartão, que ainda não foram debitadas, sejam canceladas para que o prejuízo seja evitado. Acho que, por parte das instituições, é preciso ter mais atenção aos mais velhos, nos alertando sobre essas situações às quais estamos sujeitos”.
Indiferença pública e política
Os números apresentados pela secretaria estadual desmascaram uma situação de vulnerabilidade dos idosos na sociedade contemporânea, mesmo que essa população tenda a crescer ainda mais nas próximas três décadas. Para o gerontólogo e membro da Comissão Permanente de Defesa dos Direitos dos Idosos na Câmara Municipal, José Anísio da Silva, o Pitico, quando se aborda questões do campo do envelhecimento, é preciso considerar que se trata de um universo amplo e complexo, a fim de se evitar generalizações e regras que sirvam para todos. Para ele, a vulnerabilidade da população com 60 anos ou mais está ligada à indiferença pública e política do Brasil com essa questão.
“Quando estudamos a literatura especializada, percebemos que o estado brasileiro não chama para si o cumprimento de leis importantes e determinantes, como a Política Nacional dos Idosos, de 1994, e o Estatuto do Idoso, de 2003. Se essas leis fossem cumpridas, estaríamos em um cenário maravilhoso de qualidade de vida e de respeito às pessoas idosas. Então, essa vulnerabilidade é por falta de proteção social e pública, por omissão e indiferença da sociedade em relação à essa situação, na qual os usuários dessas políticas públicas são os mais comprometidos”, avalia Pitico, enfatizando que: “Existe um silêncio público e intencional de desconsideração dessa população que mais cresce e mais crescerá em razão da revolução da longevidade”.
De acordo com o gerontólogo, a vulnerabilidade, quando analisada do ponto de vista físico, serve para explicar o porquê de os idosos serem alvo de crimes. “O envelhecimento é natural e não é uma doença. Todavia, com o passar do tempo nossa capacidade funcional tende a diminuir e isso tem reflexo no nosso físico, que fica mais vulnerável, facilitando a abordagem de criminosos contra as pessoas idosas. A resposta física de um idoso é diferente de um jovem”, pontua.
Investimento em tecnologia de segurança
De acordo com dados da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), o Brasil está em posição de destaque quando o assunto é o combate a fraudes e golpes bancários. A fim de melhorar a segurança, os bancos investem, anualmente, cerca de R$ 2 bilhões em sistemas de tecnologia da informação. Para a federação, os esforços das instituições financeiras têm surtido efeitos positivos ao diminuir as chances de atuação de golpistas nos ambientes bancários. Isso levou as quadrilhas a direcionarem suas táticas para os clientes.
Conforme a Febraban, diversos golpes usam a chamada engenharia social, armadilhas que os golpistas criam para obter dados, senhas e informações pessoais dos clientes, os quais, por ingenuidade, entregam senhas e outras credenciais de acesso aos criminosos.
Para não ser vítima de ações criminosas, os clientes devem estar atentos e utilizar as soluções de segurança oferecidas pelo banco, optando, sempre que possível, por terminais eletrônicos com biometria e pelo uso de equipamentos confiáveis para transações via internet ou mobile banking, além de manter seus números de contato atualizados junto ao banco. Além de disso, as pessoas devem ter em mente que nenhum banco pede o cartão de volta ou se oferece para retirá-lo. Caso o cliente se depare com essa situação, ele deve desligar o telefone e consultar o seu gerente sobre alguma irregularidade.
Violência doméstica
No último dia 15, foi celebrado o Dia Mundial da Conscientização da Violência Contra a Pessoa Idosa. Em Juiz de Fora, idosos marcharam contra a violência financeira. Todavia, o município tem outros números preocupantes em relação a esta parcela da sociedade, que já é formada por cerca de 80 mil pessoas. Estatísticas da Secretaria de Desenvolvimento Social local mostram que, este ano, por meio de uma média dos cinco primeiros meses, foram recebidos 47 casos de violência intrafamiliar e 126 de violência e abandono. Os números levam em conta que muitos idosos repetem o atendimento em meses seguintes.
Para o gerontólogo José Anísio da Silva, o Pitico, a família deveria ser um ambiente de proteção para todos, inclusive o para o idoso, porém, a realidade se mostra contrária, pois, nos casos de violência, os registros dos órgãos responsáveis mostram que a maioria dos agressores tem laço de consanguinidade com as vítimas, como filhos e netos. “O inimigo não mora ao lado, o inimigo dorme dentro de casa e, por conta de situações como a dependência de droga, a violência é exacerbada. Infelizmente, a família nem sempre é o melhor lugar de proteção ou para as pessoas idosas estarem no seu dia a dia, o que é o contrário do que se apregoa em nossa sociedade. Às vezes, há idosos que ficam mais exilados em casa do que em instituições de longa permanência”, avalia o especialista.
Pitico pontua que existe um discurso de que as instituições e abrigos deveriam ser evitados, mas, na realidade, segundo ele, isso é um mito. “Existem idosos que, voluntariamente, a partir de sua condição econômica e de independência, querem se institucionalizar, deixando a convivência familiar por várias questões. Assim, a realidade das pessoas idosas é muito complexa e não dá para generalizar comportamentos. A velhice é a colheita daquilo que plantamos ao longo dos anos”, ressalta.
Porta de entrada para garantia de direitos
A Prefeitura de Juiz de Fora possui serviços para atendimento ao idoso vítima de violência, para os quais as denúncias chegam por meio das próprias vítimas ou de seus familiares, pelo Disque 100 (relacionado a casos de violações de direitos humanos) e pela PM. “Os casos chegam a nossas três unidades dos Creas (Centros de Referência Especializado de Assistência Social), que contam com equipe multidisciplinar, composta por psicólogos, assistentes sociais e advogados, e tem o objetivo de visualizar as vulnerabilidades e as violências sofridas pelos idosos e encaminhá-los para os serviços que temos na rede”, afirma a gerente do Departamento de Proteção Especial da Secretaria de Desenvolvimento Social, Gisele Zaquini.
Segundo ela, o atendimento no Creas dura o tempo necessário para que a vítima saia da situação que a levou a precisar dos serviços até ser encaminhada para as áreas de saúde e assistência social. “Há um trabalho de apoio psicossocial para adultos desenvolvido em grupo para que a pessoa idosa consiga falar da situação vivenciada e criar estratégias pessoais de fortalecimento a fim de conseguir sair daquela situação e até fazer a denúncia dos agressores”, destaca Gisele.
Além desses atendimentos, a Prefeitura dispõe do Centro de Convivência do Idoso, no qual o usuário tem acesso a diversas atividades durante a semana. “Ainda há o serviço de convivência no abrigo Santa Helena, que é aberto à comunidade. Já para os idosos que chegam por meio dos abordadores sociais temos o atendimento nos serviços de acolhimento de adultos, como a Casa de Passagem para Mulheres, Casa de Passagem para Homens, Casa da Cidadania e Centro Pop para atendimento específico da população idosa em situação de rua.”
Ela avalia que a grande característica desses programas é fazer a vinculação da pessoa aos serviços oferecidos. “A partir do momento que as pessoas se vinculam aos trabalhos das equipes técnicas conhecem onde buscar apoio para suas demandas. Às vezes, várias situações podem levar o idoso à vulnerabilidade, pois nem sempre é só a questão social, há violência psicológica que ele não consegue identificar. O fato de se vincular a um técnico de confiança, que está fora do grupo familiar ou comunitário que viola seu direito, o ajuda a entender a violação de direitos sofrida, a fim de buscar serviços de apoio. Somos a porta de entrada para a garantia dos direitos”, conclui a gerente do Departamento de Proteção Especial.